Cuidado mental na adolescência
Esta fase da vida é a época em que a maior parte dos transtornos mentais se instala
Pelo menos uma a cada sete crian ças e jovens de dez a 19 anos convive com algum tipo de trans torno mental em todo o mundo, se gundo pesquisa da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Além disso, uma das cinco principais causas de morte nessa faixa etária, em todo o mundo, é o suicídio. Segundo João Paulo Machado de Sousa, psicólogo e professor do Programa de Pós-Gradua ção em Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), não há dados muito precisos sobre a ocorrência dos transtornos mentais na população adolescente do Brasil ou de Ribeirão Preto, embora haja bastante pesquisa sendo feita nesse momento. “Mas temos que pegar dados de outros grupos da população, um pouquinho mais velhos, para análise.
O Brasil está entre os campeões mundiais na inci dência de depressão e de transtornos de ansiedade, o que é muito ruim, ou seja, a saúde mental do brasileiro está, de fato, ruim, e a dos adolescentes a gente sabe que não está melhor, mas não temos números claros”, afirma. Em 2016, dados publicados sobre Ribeirão Preto apontavam que 31% dos jovens nascidos em 1994 (quer di zer que eles tinham 22 anos na época que o estudo foi publicado) tinham algum transtorno mental, o que se gundo o professor é um nível muito alto. Os principais eram o transtorno depressivo e o de ansiedade genera lizada, os mais comuns na população brasileira e na população mundial, em qualquer idade. Tema que exige atenção de pais, pesquisadores e profissionais da área, a saúde mental de crianças e jovens foi incluída no Tratado de Pediatria — principal publicação direcionada aos médicos que cuidam de pessoas até 18 anos em todo o país — pela primeira vez em 2021, pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Em “Nota de Alerta” direcionada aos pediatras, a SBP infor mava que o tema se tornara central, antes mesmo da pandemia, devido a diversos fatores, entre eles o aumento de atendimentos de insônia, anorexia, crises de ansiedade e depressão nessa faixa etária. No mesmo ano, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Uni cef), em parceria com o instituto Gallup, publicou o relatório ‘Situação Mundial da Infância 2021 – Na minha mente: promovendo, protegendo e cuidando da saúde mental das crianças’, também colocando a temática como prioridade.
FASE DE VARIAÇÃO EMOCIONAL
De acordo com o professor Sousa, a maior parte dos transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizo frenia e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) já está estabelecida e pode ser diagnos ticada até os 24 anos de idade. “No mundo todo existe uma estimativa de que 20% das crianças e adolescentes de 7 a 16 anos sofrem de algum trans torno mental, e é importante falar tam bém que a adolescência é a época em que a maior parte deles vai se instalar. Quer dizer, uma pessoa que vai sofrer de um transtorno mental depois, na vida, costuma ter o primeiro episó dio, os primeiros sintomas, nessa faixa etária”, alerta Sousa, ressaltando que a suspeita é de que o aparecimento desses transtornos esteja associado ao uso muito intenso da vida digital — da internet — em detrimento da vida social.
Ele lembra que a adolescência é uma fase de grande variação emocional, em que o adolescente vive mo mentos de euforia e de profunda tristeza, dúvidas, questionamentos sobre a própria imagem, sobre a própria per sonalidade. “Os adolescentes precisam de grupo, de ficar com seus semelhan tes para costurar sua experiência do mundo, sua identidade, e a falta dessa convivência durante a pandemia teve certamente um efeito muito nocivo na saúde mental dos adolescentes, pois quanto menor socialização, menor frequência de interações sociais e de vínculos sociais fortes, mais transtornos mentais”, ressalta Sousa.
Sergio Alexandre Lemos Giannetti, psicólogo e mestre em psicologia escolar, atende há mais de dez anos e confirma o aumento na procura de acompanhamento clínico para adolescentes. “Tenho observado este cená rio já faz alguns anos e não só para o atendimento psicoterapêutico como também para o psiquiátrico. A meu ver, são três fatores determinantes neste cenário: as pessoas estarem mais atentas às questões de saúde mental e mais dispostas a procurar ajuda; o aumento da oferta do serviço e, infelizmente, o fato de os adolescentes estarem sofrendo mais do que em ou tros tempos”, diz.
De acordo com Giannetti, definir as causas deste possível aumento de sofrimento é um trabalho muito complexo, que exige estudos psicológicos e sociológicos. “Em se tratando do comportamento humano e da subjetividade de cada um, nada é muito simples. E é tentador cair nos lugares comuns e de respostas rápidas. Devemos nos perguntar se não esta mos exigindo muito dos adolescentes e se estamos dando o apoio necessá rio para eles. O quanto desse sofrimen to já não começa na infância? Só assim seremos capazes de lidar melhor com esse problema, que nos casos mais graves pode levar à automutilação e ao suicídio”, alerta.
RELAÇÕES FAMILIARES
No consultório, Giannetti observa mais casos de ansiedade e depressão, ligados principalmente a transtornos neurocognitivos, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), por causa das dificuldades es colares acarretadas. Os conflitos emo cionais mais comuns são sentimentos de solidão, abandono e inadequação, principalmente. Para ele, pais, familiares e professores podem ajudar fornecen do um ambiente seguro e acolhedor aos filhos – “não permissivo”, mas que coloca limites na medida certa e racio nalmente.
“Adolescentes estão em um período conturbado da vida: já não são crianças, mas também não são adultos. De certa forma, eles querem sair do do mínio dos pais e participar da socieda de, mas ainda contar com esse ponto de apoio, por razões afetivas e porque ainda não têm todos os meios de ação de que precisam. Por isso a importância do acolhimento. Nessa fase da vida, a linha entre a dependência e a indepen dência ainda não é bem demarcada e favorece o aparecimento de fortes con f litos emocionais”, enfatiza Giannetti.
A questão da autoridade também é um ponto importante a ser observado. Na avaliação do professor Sousa, as relações familiares sofreram uma mudança muito grande, também desde que co meçou a surgir a vida digital de maneira mais intensa, porque pela primeira vez os jovens passaram a saber mais do que os adultos, que vieram antes deles. “Isso atrapalha a dinâmica de poder, atrapalha a autoridade dos pais sobre os filhos. Além disso, os filhos passam a ter outras fontes de informações, que acabam por julgar melhores do que os próprios pais. Com essa autoridade en fraquecida, a sensação de proteção que as crianças e adolescentes podem ter dos pais também diminui, porque [eles raciocinam que] se os pais não são tão bons para os guiar, também não são para os proteger. Não que eles estejam desamparados de fato, os pais estão ali, mas a sensação é de solidão, o que facilita o aparecimento de transtornos mentais. Por isso, é muito importante que os pais não abram mão voluntaria mente da autoridade”, alerta.
Segundo Sousa, há ainda estudos que mostram como fazer refeições em família pode proteger a saúde mental. “As famílias têm menos casos de depressão e ansiedade conforme é maior a frequência de refeições familiares. Então, fazer atividades que envolvam os filhos, estar presentes, conversar, dar responsabilidade a eles dentro de casa, nos eventos familiares, isso tudo ajuda a proteger a saúde mental”, destaca.
Por fim, Sousa afirma que existe, sim, uma crise de saúde mental, mas que não se deve achar que tudo é doença mental. “Não se pode adoecer os senti mentos. Muitas pessoas estão dizendo ‘estou deprimido’, em vez de falar ‘es tou triste’ ou ‘estou ansioso’ ao invés de ‘estou nervoso’ por causa de uma prova. Estamos usando diagnósticos para descrever sentimentos humanos e nem tudo é doença”, alerta o professor, res saltando ainda a importância de os pais terem mais autoconfiança.
"Muitos pais, hoje em dia, estão acreditando mais na opinião de espe cialistas, procurando livros, vídeos, sites, internet, em busca de recomendações sobre como criar os filhos. Bom, ser pai, ser mãe, depende principalmente da nossa experiência de vida. O que a gente passou, o que a gente viveu com os nossos próprios pais é o que a gente pode passar para os nossos filhos. A gente tem os nossos valores, o nosso jeito de viver e não deve terceirizar isso para profissionais, inclusive para mim. Psicólogos, pedagogos, pediatras não são profissionais em criação de filhos. Profissionais em criação de filhos são os próprios pais”, define.
USO DE TELAS
Para os especialistas, as consequências psicológicas do uso de telas podem ser ansiedade, dificuldade de atenção, dificuldade para dormir e, ainda que indiretamente, dificuldades escolares, afastamento das interações sociais e déficit na criação de habilidades sociais. “O problema do uso das telas é um elemento ligado a um todo. A nossa sociedade é inteira dependente de telas. Neste sentido, cortar o uso abruptamente de um adolescente pode ser visto como uma ‘hipocrisia’, como já presenciei em um atendimento. Neste caso, o melhor a se fazer parece ser postergar o máximo possível o uso de telas por crianças pequenas e oferecer atividades que deixem o mundo real mais atrativo do que os celulares e tablets — como esportes, brincadeiras ao ar livre e com brinquedos físicos —, o que tem suas dificuldades, já que os equipamentos eletrônicos oferecem excitação sonora, visual, uma ‘carreira’ de sucesso e competitividade, sem que haja necessariamente um grande esforço para conquista”, afirma Sergio Giannetti. “Muitos estudos mostram que todas as telas têm algum grau de dano, de potencializar sintomas em quem já está vulnerável, e quem mais usa as redes sociais no Brasil são os adolescentes. O Instagram é apontado como a rede social mais associada com sintomas depressivos e ansiosos em adolescentes”, alerta João Paulo de Sousa.
SINAIS DE ALERTA NO CUIDADO A ADOLESCENTES
• Exacerbação dos sintomas psíquicos naqueles adolescentes com demandas de saúde mental preexistentes;
• Indícios ou ocorrência de autolesão, violência autoprovocada ou comportamentos de risco;
• Uso abusivo de álcool, maconha ou demais substâncias psicoativas;
• Envolvimento em diferentes tipos de transgressões ou violências contra pessoas no seu entorno.
Fonte: Ministério da Saúde