
Hepatites: melhor caminho é prevenir
Ampliar o conhecimento sobre diagnóstico e prevenção das hepatites pode salvar vidas
Dedicada à conscientização sobre a importância da prevenção, diagnóstico e tratamento das hepatites virais, a campanha Julho Amarelo mostrou para a população a importância de buscar informação e a se cuidar, pois principalmente as infecções pelo vírus das hepatites B e C podem evoluir para forma crônica da doença e, em alguns casos, depois de 20 a 30 anos de infecção, tornarem-se casos graves como cirrose hepática e câncer de fígado.
As hepatites são processos inflamatórios no fígado, causados por vírus, medicamentos, álcool, outras drogas, doenças autoimunes, metabólicas ou genéticas. No caso das hepatites virais, são inflamações, doenças infecciosas, causadas por diferentes vírus, que têm tropismo pelo fígado, classificados como vírus A, B, C, D (delta) e E.
"De modo geral, as doenças do fígado são silenciosas, ou seja, são assintomáticas ou quando apresentam sintomas, esses são inespecíficos. Com as hepatites virais, isso não é diferente, e, por vezes, o diagnóstico é feito em fase avançada da doença. Em particular, na hepatite aguda, os sintomas mais comuns são cansaço, falta de apetite, náuseas, pele e olhos amarelados (icterícia), urina escura e fezes claras. A recomendação é fazer o teste para hepatites B e C. A hepatite C tem cura e o diagnóstico precoce é o primeiro passo. A hepatite B tem medicamentos altamente efetivos para controle da doença. Em ambos os casos, os medicamentos são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A prevenção é a melhor forma de eliminação dessas doenças”, esclarece a médica gastroenterologista e hepatologista Fernanda Fernandes Souza, docente da Divisão de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
O melhor caminho, segundo a especialista, é prevenir. Nesse sentido, estão disponíveis, de forma gratuita para a população, nas unidades públicas de saúde, as vacinas para Hepatite A (para crianças até 5 anos e para adultos com doenças crônicas do fígado) e Hepatite B. Para a hepatite C ainda não existe vacina, mas segundo Fernanda pode-se prevenir a doença evitando, por exemplo, o compartilhamento de materiais perfurocortantes. “Nos casos em que o diagnóstico da hepatite foi feito em fase avançada da doença, mesmo que alcance a negativação do vírus com o tratamento, é fundamental que se continue com seguimento médico regular, para rastreamento das complicações como cirrose e câncer de fígado”, alerta a médica.
HEPATITE B
A hepatite B é o segundo tipo mais comum e se propaga principalmente por sexo e contato sanguíneo. No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam 276 mil casos de hepatite B de 2000 a 2022. É a segunda maior causa de mortes por hepatite viral, principalmente no Sudeste (49,5% dos óbitos). “O diagnóstico precoce da infecção, pelo HBV, e o tratamento eficaz permitem adoção de medidas que visam a prevenção de complicações como a cirrose e o câncer de fígado, além de impactar diretamente sobre a qualidade de vida”, enfatiza a médica Fernanda Souza.
A prevenção da hepatite B é centrada na vacinação. No Brasil, está no calendário vacinal infantil e é oferecida pelo SUS a adultos não vacinados na infância. Uso de preservativos e práticas seguras com materiais perfurocortantes são essenciais para evitar a transmissão. O diagnóstico é feito por exames de sangue e há medicamentos eficazes para controlar a doença, com necessidade de acompanhamento clínico regular para pessoas com hepatite B.
HEPATITE C
A hepatite C é principalmente transmitida pelo contato com sangue. No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam 298 casos diagnosticados de hepatite C de 2000 a 2022, com 58,3% desses casos ocorrendo no Sudeste. Os óbitos por hepatite C são a principal causa de morte entre as hepatites virais, com 65.061 óbitos registrados de 2000 a 2021, sendo 54,0% no Sudeste.
diagnóstico precoce e o tratamento eficaz são as melhores formas de impedir a evolução para as formas mais graves da doença. “Nos últimos anos, a introdução dos novos medicamentos para o tratamento da hepatite C, chamadas drogas de ação direta (DAA), mudaram a história dessa doença, com altas chances de negativação do vírus (cura virológica). Esses medicamentos estão disponíveis no SUS, de forma universal”, enfatiza Fernanda Souza.
A transmissão da hepatite C ocorre principalmente por via parenteral (compartilhamento de agulhas, seringas e outros objetos para uso de drogas, reutilização ou falha de esterilização de equipamentos médicos ou odontológicos ou de manicure e reutilização de material para realização de tatuagem). A transmissão sexual do vírus da hepatite C também tem sido relatada. “Infelizmente ainda não existe vacina para a hepatite C. Assim, além dos cuidados com as vias de contaminação, o acompanhamento médico é essencial”, alerta a hepatologista.
TRANSPLANTE DE FÍGADO
Nos casos de hepatites B e C, que evoluem para formas mais avançadas da doença, como cirrose descompensada e câncer de fígado, o transplante de fígado deve ser considerado. Além disso, é muito importante o controle adequado de todas as comorbidades associadas, particularmente as relacionadas à síndrome metabólica (diabetes, obesidade, colesterol elevado). “O uso de medicações, ervas, chás e suplementos com potencial de causar danos ao fígado deve ser evitado”, alerta a médica.
Antônio Monici foi diagnosticado com um nódulo no fígado em 2012. “Minhas enzimas do fígado estavam altas. Fiz regime, mas as alterações persistiam. Novos exames constataram um nódulo, decorrente de hepatite viral, e passei por duas cirurgias, mas meu quadro evoluiu para cirrose. Meu fígado já não funcionava mais e toda segunda-feira eu tinha que ir ao Hospital das Clínicas tirar água da barriga. Foi quando sugeriram o transplante. Foi um choque, mas era a única solução. Fizemos todos os procedimentos: primeiro melhoraram meu quadro clínico, para eu poder fazer um transplante; também fiz o tratamento da hepatite viral e consegui estabilizá-la, um fator importante para conseguir listar para o transplante; o nódulo voltou, mas estava pequeno. Foi um período muito difícil e angustiante à espera do fígado, mas deu tudo certo e este ano completo 10 anos do transplante. Tomo algumas medicações, mas sigo uma vida normal. No meu caso, tinha o vírus ativo por herança genética, mas como é uma doença oculta, é muito importante tomar todos os cuidados para evitá-la”, alerta Monici.
Há quase 18 anos Ana Rafaela Felippini Lopes, enfermeira chefe e coordenadora no Grupo Integrado de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, lida com histórias de vida marcadas pelas hepatites virais. “Com o avanço da medicina e da farmacologia podemos transformar a vida de muitos pacientes e o transplante de fígado é uma alternativa para melhoria da qualidade de vida, porém, também já participei de histórias tristes, de pacientes que não conseguiram esperar pelo novo órgão. A cirrose hepática pode ser uma sentença de morte, por isso, é importante prevenir o contágio destas doenças, a maioria dos casos poderiam ser evitados. Além disso, é de extrema importância falar em vida com nossos familiares sobre o desejo de sermos doadores de órgãos porque a doação pode salvar vidas”, enfatiza a enfermeira.
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