Alguém para odiar

Alguém para odiar

Jefferson Aiplane é um banda psicodélica dos anos 60. Um de seus hits é “Somebody to love”. Por coincidência ouvi esta música hoje de manhã e, junto das noticias sobre internação involuntária para usuários de crack, comecei a escrever este texto.

90% dos brasileiros entrevistados concordam em internar forçadamente os usuários de crack. Já o conselho federal de psicologia é contra. O presidente do órgão, Humberto Verona, diz que a internação involuntária não pode ser vista como sinônimo de tratamento."O que querem fazer é apenas uma limpeza das ruas. Essas internações são, muitas vezes, pura privação da liberdade ou uma forma de aplacar a culpa das famílias dos viciados", afirma. Para Verona, a maioria da população apoia a medida por ter a ilusão de que, feita a internação, o problema do drogado está resolvido.  (FSP, 25/1/2012)

Idealizador do primeiro consultório de rua, mecanismo de abordagem de usuários de drogas encampado no novo plano do governo federal contra o crack, o médico Antonio Nery Filho critica o uso da atividade como porta para internação involuntária. Essa possibilidade foi levantada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Professor na Universidade Federal da Bahia e coordenador do Cetad (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas), Nery Filho relativiza o problema do crack em comparação a outras drogas.

Em entrevista o médico coloca que “Internações compulsórias nunca deram resultado nos últimos 50 anos. Nem para doentes mentais inteiramente psicóticos têm sido feitas. Voltar 50 anos para fazer uma higienização das ruas das cidades brasileiras me parece um retrocesso para não dizer um absurdo do ponto de vista técnico. Sabemos, após 30 anos trabalhando, que quando vamos para as ruas e nos tornamos o instrumento dessa internação compulsória, as pessoas fogem de nós como o diabo foge da cruz. Vem agora uma proposta completamente anacrônica do Ministério da Saúde e propõe aquilo que nós todos da saúde mental mais abominamos (...) Deveríamos criar centros de atendimento psicossocial no lugar de dispor R$ 418 milhões para se enfrentar um fantasma criado artificialmente no Brasil.” (FSP, 11/12/2011)

A questão colocada novamente possui meandros obscuros. Por um lado há o governo divulgando a ideia de que esta lutando contra o crack, e por outro há uma espécie de limpeza das ruas, um limpeza estética que parece fazer parte de um plano de revitalização de regiões de grandes cidades que há tempos passam por um processo de desvalorização imobiliária. Se estes usuários de drogas estivessem nas periferias da cidade, como estão a maioria dos viciados em álcool, esta “luta” existiria?

E por traz disso, está a noção de que usuários de drogas são seres sub-humanos que não possuem direito de escolher... a própria desgraça inclusive.

Os seres humanos adoram escolher certo grupo de pessoas ou certas ideologias para odiar e parece que sem isso a vida não tem a mínima graça. A bola da vez são os estudante-maconheiro-playboys-da-USP e os crackeiros. Eles são os detentores do absurdo da vida.

Nessa onda insana de proibições em que vale de tudo - desde putaria em rede nacional de TV à espetacularização da violência - penso que o verdadeiro objetivo é proibir e denegrir qualquer ato ou ideologia que venha incomodar e poluir a vida asséptica e bonitinha dos detentores do poder econômico neste pais miserável.

Portanto, caro leitor, faça de tudo, mas não faça muito barulho. Podem proibir a sua existência.

Todos precisamos de alguém para odiar, para que se justifique a miséria de nossas próprias vidas.

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