Cognição, afetividade e educação

Cognição, afetividade e educação

"É chegado o momento de acrescentarmos ao tempo e ao espaço mais uma dimensão fundamental à vida no Universo: o tesão.” (Roberto Freire em Sem tesão não há solução, 1990, ed. Trigrama, SP)
 

Em épocas de eleições, como em épocas de copa do mundo, temos uma certa tendência de unilateralizar nossas preocupações. Visto que Tiririca  obteve em torno de 1 milhão de votos, tornando-se o Deputado Federal mais bem votado do Brasil seguido de… Paulo Maluf,  minhas preocupações então se voltam para a educação. Neste texto vou tentar abordar alguns problemas pertinentes, resultantes de encontros com professores e neurocientistas.

Nunca gostei de matemática. Lembro que minha professora certa vez castigou-me de forma que tive que escrever as tabuadas, do 1 ao 10, 10 vezes no meu caderno. Mesmo após este esforço amoroso (eu diria sádico) de minha professora, não decorei. Acho que se a medicina estivesse onde está hoje em dia eu talvez teria sido medicado e não estaria escrevendo aqui para vocês. Talvez. O que aconteceu de maneira evidente foi uma tentativa de assassinar em mim, de uma vez por todas, um certo gosto por aprender, embora minha professora estivesse coberta de boas intenções. A mensagem que minha professora sádica passou foi: “Para aprender você precisa repetir de maneira dolorosa e nada prazerosa certa situação”.

Não havia nenhuma relação afetiva entre mim, os números e as operações matemáticas. Mais para frente na minha vida passei a gostar de estudar quando descobri a existência dos neurônios. Eu gostava dos neurônios e gosto até hoje, embora não mais os responsabilize diretamente por todas as peripécias humanas.

2. Conhecendo o aluno

A palavra cognição, de maneira ampla, significa qualquer processo que nos leve a conhecer o mundo, envolvendo funções cerebrais como memória, atenção, raciocínio, linguagem, etc. Assim, a psicologia e a neurociências cognitivas estudam processos de aprendizagem, suas estruturas, suas finalidades e seus efeitos. Se eu, quando pequeno, fosse levado a um médico talvez ele diagnosticasse um distúrbio em que eu não podia aprender devidamente as operações matemáticas. No entanto, eu podia aprender sozinho como tocar uma música de minha banda predileta, e era bom em perceber que meus melhores amigos não estavam para conversa em determinados momentos. Tanto a minha banda predileta quanto meus amigos prediletos ocupavam uma posição especial dentro de mim e afetavam-me de maneira especial. Isso é a afetividade. A característica que temos de nos deixar tocar, afetar por alguma coisa.

Os processos neurais pelos quais conseguimos aprender coisas do mundo nos são apresentados pela ciência de forma mais ou menos isolada, e, aparentemente, fora do nosso cotidiano. Não vou neste artigo elucidar experimentos em laboratório para evitar qualquer tipo de ideia comparativa em torno de homens e outros animais. Penso que esse tipo de texto já está ultrapassado. E também não vou considerar neste texto a aprendizagem como apenas um comportamento passível de reforço, muito embora acredite também nisso.

3. Conflitos 

Minha contribuição pode ir ao sentido de analisar a aprendizagem como uma tarefa humana em que componentes inconscientes possuam influência.

Voltando no meu exemplo inicial. Na minha relação com professores e com o conhecimento de maneira geral, quando garoto, alguns eventos podem ter causado um bloqueio na minha capacidade de aprender relações numéricas. Ora, talvez colegas com história de vida muito semelhantes à minha, possam ter passado por tal fase imune e com grandes habilidades com números, o que indica que fatores pessoais bastante sutis (genéticos ou não, não importa) possam estar em cena. Penso que problemas de aprendizagem dos alunos possuam grande relação com conflitos inconscientes dos professores; e assim abro um terreno de investigação possível a minhas limitações.

Tomemos cenas clássicas como: “O professor que castiga o aluno por não ter aprendido algo”, “O professor que exige silêncio sistematicamente até colocar um aluno para fora da sala de aula”. Nestas cenas há evidentemente um sentimento do professor de que ele “não esta sendo ouvido” e que “não possui autoridade nenhuma sobre aquelas pessoas (alunos)”.

Este sentimento ativa um conflito no professor (“Sou ao não sou capaz de comandar uma sala de aula?”). Este conflito possui componentes inconscientes que levam este professor a responder na sala de aula de maneira arrogante e prepotente, assim como uma criança faz quando deseja alimento ou acolhimento. Em troca desta resposta obtém, ao contrário do que esperava, menos respeito. Atualmente, o professor não possui mais o medo como parceiro no estabelecimento da ordem de uma sala de aula, porque a estrutura familiar mudou, a o significado da palavra “autoridade” também mudou.

4. Autoridade?

Um dos fatores que contribui para este fenômeno é a especialização da função materna e paterna. Atualmente ser pai ou mãe exige estudo, leitura e preparo. Especialistas definem o que fazer em múltiplas situações, e é praticamente impossível estar por dentro de todas as novidades da “ciência de ser pai” e o mais nefasto, a meu ver, é a negação da possibilidade de se “aprender” (talvez isso seja inato) sozinho a ser pai, e desenvolver autonomamente uma autoridade natural na tarefa de cuidar da prole. Quero dizer que um certo discurso cientifico do “especialista em saúde infantil (psicólogos e médicos)” transformou a tarefa de maternagem em um evento racionalizado e esterilizado, em que os pais são apenas aplicadores da técnica. Não são pais, são funcionários a serviço de uma ideia de eficiência em se criar filhos sadios e preparados para a vida moderna. O pai de antigamente (se é que isso existe) fazia tudo com lhe vinha na mente, e acreditava nisso. Era autor de seu próprio sistema de maternagem (por mais tosco que fosse) e assim, possuía autoridade natural sobre a prole. A autoridade transmite a mensagem de ordem sem dar razões ou algum argumento de justificação, e os indivíduos subordinados a esta autoridade aceitam e obedecem sem questionar, ou seja, sem processo cognitivo racional, nos indicando que fatalmente processos inconscientes estão em jogo. Deste modo a autoridade paterna ou materna passa a ser enfraquecida porque os próprios pais não a utilizam mais, embora necessitem dela, sobretudo na adolescência.

Nessa cena estão os professores que reclamam de falta de autoridade sobre alunos ou falta de respeito dos alunos com eles. A autoridade baseada no medo acabou, com a queda de regimes totalitários e a “morte de deus” (dita por F. Nietsche). A autoridade baseada na constatação de que o adulto sabe o que faz acabou, com o surgimento do discurso cientifico do pai-funcionário-especialista.

5. Ser alguém na vida?

Com o fim da autoridade como a conhecíamos, o surgimento da internet e o bombardeio midiático direcionado a adolescência e infância, o processo de aprendizagem entra em crise. As relações entre professores e alunos tendem a ficar mais horizontais em que, em alguns casos, o aluno sabe mais que o professor. Afinal de contas, fica ainda mais difícil passarmos a mensagem de que estudar e aprender é algo que realmente vale a pena, tendo em vista que pode-se ganhar muito dinheiro e ser famoso jogando futebol ou mostrando o corpo em revistas. Portanto, acabou também a ideia de que precisa-se estudar para ser alguém na vida. Isso não é necessariamente verdade. Estudar não vale a pena para no futuro o aluno ser alguma coisa, o aluno já é alguma coisa e isso que deve ser levado em conta.

O que o aluno é no momento da aprendizagem? Um consumidor voraz de logotipos? Um escritor exímio em 140 caracteres?  Por que computador e a internet exercem um grande fascínio em detrimento da aula clássica, antiga? Para responder a essas questões é preciso CONHECER estes alunos.

Finalizando: Propus-me a escrever um artigo sobre cognição e afetividade e penso que não conclui a tarefa, no sentido de elucidar por meio das técnicas neurocientíficas o que diabos existe no cérebro de um aluno, o que o faz aprender e o que o afeta diretamente. Precisamos sim conhecer o aluno, mas não com uma máquina de ressonância ou relacionando seus comportamentos a comportamentos de ratos ou por resultados estatísticos de estudos grandiosos internacionais. O aluno é o laboratório em tempo real do professor e precisa ser explorado e desvendado individualmente.

Processos cognitivos e afetivos no professor precisam ser incentivados, educados e formados no sentido de impulsioná-lo ao encontro do aluno, para produzir afeto entre eles. Que reiniciemos um processo de reconstrução do conhecimento em torno deles então.

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