Crack, autodestruição e a sujeira para baixo do tapete

Crack, autodestruição e a sujeira para baixo do tapete

Em uma operação chamada de “higienista” porque parece simplesmente limpar esteticamente o que hoje chamamos de “cracolândia”, fincada no centro de São Paulo, a Policia Militar e o Governo de São Paulo novamente são atacados.

Sim, acho que todo mundo sabe que o problema das drogas tem suas raízes mais profundas como na educação e distribuição de renda, mas resolver os problemas em sua raiz é difícil, mesmo porque penso que não há raiz do problema que possa ser extirpada como uma mandioca doente. Nesse caso extirpar a raiz é eliminar o que o ser humano tem de mais humano: o seu desejo e suas variações bizarras.

Tratar o problema das drogas como problema de caráter é falso, mas tratar o problema das drogas como apenas uma doença, como se fosse um enxaqueca ou diabetes também é falso. Há evidentemente modificações cerebrais importantes quando se (ab)usa de drogas que fazem com que o (ab)uso da droga seja comparável à uma disfunção. No entanto, essa disfunção é bastante questionável, porque diz respeito ao próprio sujeito e sua própria autonomia como cidadão e ser humano. Sim, pasmem leitores: existem pessoas que desejam morrer. E fazem isso de diversas maneiras - às vezes sutis - como arrastar um casamento sofrível de 30 anos nas costas, ou usar heroína todo dia.

Há uma fantasia em usuários de drogas que os impelem na busca da destruição de seus corpos, de gostarem do esgotos, catacumbas e ruinas escuras, como um filme de terror. Não é a toa que a cracolândia parece ser habitada por zumbis, por seres sub-humanos, os “Nóia”. Podem ficar falando que eles são doentes que querem se reabilitar, e eles mesmo quando entrevistados choram e se fazem de bons moços dizendo que queria ter família, trabalhar, ou perderam a família e etc. Dá até dó.

Mas se você for ver o que realmente acontece na cabeça desse sujeito ele deseja fortemente a autodestruição de alguma forma, que, é bom dizer, é um direito dele. Você pode questionar e me dizer que esse desejo de autodestruição é produzido por um vício químico poderoso, que ultrapassa a vontade do sujeito e é, portanto, uma situação induzida, não natural. E eu vou concordar em partes, mas logo dizer que a relação que um sujeito viciado tem com a droga é uma relação identificável em outros aspectos de sua vida. A compulsão se mostra na relação com a mãe, com amigos etc., não só com a droga. Há, evidentemente, em muitas pessoas essa característica de lidarem com os objetos e pessoas de maneira compulsiva. Como tratar isso? Fazer o sujeito nascer de novo? Acho que não. Há pessoas que naturalmente estabelecem relacionamentos viciosos e destrutivos.

A permissividade em torno da cracolândia representa o Estado pactuando com um local livre para a destruição da vida... em termos estéticos também. Obvio que a população local e os comerciantes apoiam a ação policial. Quem não apóia não mora lá perto ou quer embaralhar o assunto com medidas amplas e intelectualmente sustentadas. A PM fez sua parte que foi de espalhar um pouco de medo entre os usuários que “tranquilamente” usavam drogas. Mas isso fez espalhar os usuários para outras áreas da cidade o que não é bom para ninguém. O complexo prates (uma grande área com serviços de saúde e assistência social) será inaugurado em breve no bairro Bom Retiro. Enquanto isso nao acontece, a cracolândia continua funcionando e a ação policia foi duramente criticada e esta sob o alvo do Ministério Público. A ação policial na cracolândia foi na verdade um grande ação de marketing conjunta de Kassab (PSD) e Alckmin (PSDB) que temiam que o governo federal (PT) anunciasse algum pacote federal para a área, imprimindo no prefeito e no governador o rótulo de inoperantes." (FSP, 6 jan. 2012).

A solução que vejo para este problema seria fazer funcionar o Complexo Prates mas também espalhar postos de saúde e assistência pela cracolândia. Porque não construir postos nos casarões abandonados usados pelos usuários de crack? Fazer funcionar o Complexo Prates significa: (1) triar bons profissionais de psicologia, psiquiatria e assistência social e avalia-los constantemente; (2) ampliar a gama de profissionais, como educadores físicos, psicoterapeutas de outras linhas como a psicanálise e (3) montar um centro de pesquisa em drogas e álcool no próprio complexo por meio de convênios com as universidades públicas. 

Ao tentar solucionar o problema é muito bom sabermos de antemão que o problema do (ab)uso de drogas é de dificílima solução e possui caráter subjetivo e, portanto, precisa ser pensado de diversas formas, com diversos profissionais envolvidos. Apenas a visão médica, apenas a visão militar, ou apenas a visão da assistência social não vão dar conta do problema. É necessária a constatação de que o uso e abuso de drogas possui também caráter subjetivo que diz respeito à história de vida do sujeito... Sim, porque os crackeiros são pessoas, como você e eu. 

 

 

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