Dia do Psicanalista: como assim?

Dia do Psicanalista: como assim?

Em 6 de maio comemora-se a data de aniversário do bom e velho Freud.

E então estudantes de psicologia e outros “profissionais psi” compartilham a informação de que 6 de maio é dia do psicanalista. Os psicanalistas, pelo que sei, fogem dessas formalidades de outras profissões, que no fundo tem muito mais um caráter marqueteiro do que científico ou terapêutico. A ética da psicanálise tornou os psicanalistas bastante sérios (no bom sentido) e por isso o ofício do psicanalista é até hoje suficientemente bom e respeitado.

Em redes sociais lemos frases como “orgulho de ser psicanalista!”

Heim?

Um psicanalista, pelo que sei, teria algum desgosto em lançar mão de uma frase dessas.

Afinal, o que é ser um psicanalista?

Essa questão é aberta e interessantíssima e baliza a formação continuada de qualquer um que se arrisque a se definir como psicanalista. É uma questão que não se fecha nunca e, por isso, não há diplomas ou mesmo o final da formação do analista (isso é quase um consenso).  

Afinal, o que é orgulho? Narcisismo em eufemismo? Dizer para todos que tenho orgulho de ser o que sei muito pouco? Enfim.

Voltemos a data comemorativa.

A data comemorativa tornou-se lei em abril de 2008 a partir de um Projeto de lei (Nº 700 de 2004) de autoria de Beth Sahão (filiada ao PT). O projeto de Lei diz:

“A profissão de psicanalista já é praticada há mais de um século (...)“ e “Nossa iniciativa visa reconhecer o importante papel da profissão (...)”

O estranho nessa frase é a palavra "profissão" pois a psicanálise, em termos do trabalho e emprego, não é uma profissão e sim um ofício ou ocupação. E isso não significa que a psicanálise é menos ou mais. Normalmente no Brasil, uma profissão exige formação adequada e regulada pelo Estado e sua prática é regulada e reconhecida por Conselhos Federais e Estaduais - que são Autarquias do Estado.

O Estado não reconhece a psicanálise como profissão, mas sim como ofício, ou seja, uma atividade possível de ser praticada (consta inclusive na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO). Portanto, carteirinha do psicanalista, diploma, pós-graduação, graduação em psicanálise geralmente são engodos para atrair pessoas desavisadas para cursos duvidosos. Quanto a cursos de pós-graduação, temos sim e muito bons nas universidades que oferecem uma especialização e assim um título de mestre ou doutor para pessoas graduadas em outras áreas, ou seja, não pós graduam psicanalistas, pois a psicanalise não é uma graduação. Simples!

Uma data comemorativa profissional instituída por Lei, quando a mesma Lei não reconhece tal profissão me parece no mínimo paradoxal.  

Os psicanalistas estão acostumados com um embate histórico que visa a oficialização da psicanálise por grupos nada representativos como os evangélicos e psicanalistas leigos - nem médicos e nem psicólogos que atuam numa área de penumbra, sem regulação de qualquer Conselho Federal. Mas esta é outra história e não vou me aprofundar agora nisso.

O estranho cresce com esta matéria (https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=327712), sobre uma sessão solene na Assembleia Legislativa de SP em comemoração “dia do psicanalista” que aconteceu dia 4/5/2012. Dentre os presentes, temos fundador e ex-presidente do Sinpesp (Sindicato dos Psicanalistas do Estado de São Paulo) e a atual presidente do tal Sindicato.

Mas, se a psicanálise nem profissão é, porque ter um Sindicato? E cadê os psicanalistas das Escolas Lacanianas e os filiados a IPA? (explico isso a seguir).

Depois vi no Youtube outra sessão solene, no estado do espirito santo, também com participação exclusiva de membros e presidentes de tais Sindicatos.

Sabemos que sindicatos são órgãos que reúnem trabalhadores que normalmente são submetidos a relações de trabalho desiguais e precisam de alguma proteção de um terceiro. Justifica-se um sindicato, sobretudo, na medida em que a categoria é representada amplamente em termo numéricos. Pelo que pude ver este sindicato não é representativo e sua função me pareceu obscura. Em um vídeo recente a presidente do sindicato diz que “independente de reformas trabalhistas a contribuição sindical para os psicanalistas sempre foi facultativa”. Mas no site (https://www.sinpesp.com.br/normativas, acessado em 06/05/2019) temos um aviso de que

“Sendo assim, o recolhimento obrigatório começará a vigorar a partir do ano de 2014”

    

No mesmo vídeo a presidente do sindicato diz que a maior função do pagamento de sindicato é que “o documento da contribuição sindical nos coloca na profissão de psicanalistas, pois tem um órgão legal que agrega profissionais de uma mesma categoria”

Então, por palavras da própria presidente, um psicanalista sente-se dentro da profissão por pagar uma quantia? Discordo em absoluto, pois no Brasil e no mundo os psicanalistas se reconhecem em grupos e associações que trabalham e produzem juntos e esses grupos se reconhecem mutuamente, formalizando Federações, Associações Internacionais, encontros, publicações e etc.

O “colocar-se como psicanalista” acontece por meio da filiação a grupos, permanência da formação e do trabalho clinico e científico e não pelo pagamento de um boleto.

O ponto é que a psicanálise no Brasil é fundamentalmente representada (em termos numéricos e de impacto cientifico) por dois grandes grupos, os freudianos que se estabelecem em torno das sociedades psicanalíticas ligadas a IPA (International Psychoanalytical Association) e os lacaniana, ligados a AMP (Associação Mundial de Psicanalise). A pergunta é: como um sindicato forma-se a paralelamente aos grupos que são mais representativos no país? E como um dia do psicanalista é comemorado paralelamente aos psicanalistas que de fato representam o ofício?      

Enfim, dia 6 de maio é apenas a data de aniversário de Freud. Um psicanalista não necessita de uma data oficial instituída por Lei para lembrar a sociedade de que ele existe, pois como profissão a psicanálise, pelas vias da própria Lei, não existe. Deveria existir? Talvez sim. Mas de maneira verdadeiramente representativa e mais ou menos consensual.

 

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