Engolindo sapos

Engolindo sapos

Nesta terça-feira Daniel Barros, psiquiatra e colunista do Estadão, escreveu o artigo “Não ponha para fora sua raiva” e me chama a atenção para um assunto importante.... importantíssimo!

A arte de viver em grupo

Engolir sapos diz respeito à anularmos impulsos instantâneos, ponderar as consequências da nossa fala. Mas tudo isso tem um custo. E um ganho.

Sigmund Freud, num breve e clássico artigo “Formulações sobre dois princípios do funcionamento mental (1911)” coloca que no desenvolvimento do sujeito dois tipos de princípios são fundamentais ao nosso funcionamento: o princípio do prazer-desprazer e o princípio da realidade.

No início da nossa formação como ser humano, nossa mente conhece primeiramente um estado de repouso onde não há nenhum tipo de necessidade, desejo ou vontade... uma espécie de “paraíso mental”. Logo logo exigências internas corporais se impõem e esse estado de repouso é abalado. Surge então um primeiro princípio do funcionamento mental, que tende a voltar alucinatoriamente ao estado de repouso, ao paraíso perdido. Assim, a mente passa a funcionar baseada na série prazer-desprazer e tendemos a nos afastar das fontes de desprazer (afastamento do objeto e por meio da repressão) e nos apegarmos as fontes de prazer. Só que há um problema: a obtenção do prazer, seguindo esse princípio é alucinatória, porque tende a reestabelecer um estado primitivo de satisfação que nunca volta... que já passou! Esse processo é frustrado. Passamos então a um outro estágio em que a realidade externa passa a ser considerada e o aparelho mental vai procurar “lá fora” na realidade externa a satisfação perdida. Fazemos isso basicamente por meio de “ações motoras”(fala, gestos, movimentos e etc.) ou pelo “pensamento”. O processo de educação vai ser considerado por Freud como uma dos principais incentivadores à essa mudança de estágio de funcionamento, em que a criança vai aprender a pensar e atuar no mundo de maneira contida, racional e consequente.

Vamos aos poucos aprendendo, portanto, a viver em sociedade.

Voltando ao artigo de Daniel Barros, ele coloca que:

“Infelizmente esse é um dos mitos mais populares – e prejudiciais – no que diz respeito ao manejo do estresse. Nessa semana, por exemplo, o técnico dos Santos, Oswaldo Oliveira, foi expulso de campo pela segunda vez em três semanas, de tão intensas têm sido ruas reclamações com os árbitro. Dando mais força para o mito ele disse que o “médico falou para eu não guardar, para não somatizar, que seria pior. Então eu extravaso”. Essa história remente à Grécia Antiga e ao conceito de catarse, proposto por Aristóteles e mais tarde incorporado à teoria freudiana. De acordo com essa ideia, liberar sentimentos ruins seria uma forma de não permitir que eles se acumulassem dentro de nós, trazendo prejuízos. A metáfora dos humores, na antiguidade, e posteriormente dos mecanismos a vapor, na era industrial, eram perfeitas para ilustrar que acúmulos precisavam ser libertados.“

A respeito da “teoria freudiana” que incorporou a catarse (segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama), tenho a dizer que Daniel não mentiu, mas disse apenas uma parte da verdade.

De fato, Freud bem no início de sua carreira como médico, interessou se pela hipnose e mais tarde pelo método catártico. Freud não gostava dos resultados e da metodologia da Hipnose e então passou a experimentar novos modos de tratamento o que fez surgir a primeira psicoterapia, uma espécie de “psicanálise primitiva”, que utilizava o método catártico. O médico permitia ao paciente que recordasse e expressasse livremente suas angústias, havia liberação de um afeto, de uma carga de energia mental, e o sintoma era eliminado com mais eficiência do que na Hipnose. Freud foi  desenvolvendo a psicanálise ao longo de mais de 40 anos e o “método catártico” foi colocado de lado, dando espaço á técnica da associação livre. Portanto, a psicanálise não tem efeito terapêutico exclusivamente pela “catarse”. Em outras palavras, não é porque você xinga deus e todo mundo dentro da sala do seu analista que você melhora (ou piora).

Outro ponto interessante é a sugestão do médico de Oswaldo, para que ele não guardasse nada para si, para que expressasse seus afetos.

A psicanálise quando mal lida e mal entendida desemboca em conselhos péssimos.

A sala do psicanalista é o local para desabafos, ideias, intepretações, devaneios e fantasias. Dentro desse espaço espera-se que o princípio do prazer apareça e que o paciente mostre os resquícios de seus pensamentos mais absurdos e irracionais. Tudo isso acontece não para eliminar o principio da realidade e para tornar o paciente um sujeito feliz e “sem recalques”, mas sim para haver um balanço mais adequado entre os dois princípios.

Por fim, psicanálise ou qualquer outra psicoterapia é feita dentro de certas condições, com certos cuidados e baseada em princípios científicos e não deve descambar em uma prática superficial baseada em conselhos para “sentir-se bem”.

Link do artigo de Daniel - https://bit.ly/1hfGWXk

 

 

 

 

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