Entrevista com Jurandir Freire Costa: Homossexualismo e Homoerotismo

Entrevista com Jurandir Freire Costa: Homossexualismo e Homoerotismo

O que trata o homoerotismo?

Jurandir Freire Costa - Com o estudo sobre o homoerotismo pensei contribuir para a discussão de nossa ética da vida privada. Em suma, minha preocupação é de como preservar o modo de viver democrático de nossa tradição cultural e de como a psicanálise pode contribuir para isso. Tudo converge para uma mesma pergunta de teor ético: que direito temos nós, sociedade, grupos ou indivíduos, de obrigar quem quer que seja a ser sociomoralmente identificado em sua aparência pública por suas preferências eróticas?

Como nasceu o estudo sobre o homoerotismo?

Jurandir Freire Costa - Nasceu de duas preocupações básicas: a incidência do preconceito sexual sobre a conduta dos sujeitos passíveis de serem infectados pelo vírus da Aids, os "homossexuais"; e o uso que fazemos das noções de "perversão" ou "neurose" quando aplicadas ao fenômeno da atração erótica entre pessoas do mesmo sexo biológico.

Qual a diferença entre os dois termos?

Jurandir Freire Costa - quando empregamos a palavra "homossexualidade", inevitavelmente pensamos em duas coisas: ou que o "homossexualismo' é uma condição natural, um tipo específico de sexualidade comum a certos indivíduos, em qualquer período histórico ou circunstância cultural, ou então que se trata de uma "condição psicológica" igualmente universal e típica de certos sujeitos. Assim, usei o termo homoerótico para aludir ao que designamos como "homossexualidade', e procurar evitar que o leitor moderno , preso aos nossos hábitos, desse o sentido de "homossexualidade" a quaisquer práticas eróticas entre indivíduos do mesmo sexo biológico.

Duas obras importantes de Jurandir F. CostaDuas obras importantes de Jurandir F. Costa

 

O senhor defende uma bissexualidade de todas as pessoas?

Jurandir Freire Costa - Não defendo a idéia da bissexualidade de todas as pessoas, pois seria manter-me preso ao vocabulário da homosexualidade versus heterossexualidade. Defendo a idéia, junto com Freud, de que nossos desejos eróticos nada têm de naturais. São apenas realidades lingüísticas, arranjos culturais, que determinam aquilo que será o objeto da atração sexual. Cada cultura organiza estes desejos em códigos morais que dizem o que é aprovado e reprovado.

É depreciativo o termo homossexual?

Jurandir Freire Costa - Seria intolerante, injusto, violento e falso dizer que todas as pessoas que usam a palavra homossexual são preconceituosas. O que digo é que, independente da intenção de quem fala, o termo toma um sentido que desqualifica moralmente o homoerotismo, como sendo um desvio, uma anormalidade, uma doença, um vício, uma perversão. E tem este sentido porque foi criado e inventado (no século XIX, através de uma concepção médico-sexológica) para ser usado com este sentido. Cada vez que dizemos "alguém é homossexual":, definimos a identidade da pessoa, etiquetada por sua preferência erótica. Não temos o hábito de nos referir à maioria dos indivíduos dizendo "fulano é heterossexual", mas sim, professor, industrial ...

Qual o seu real objetivo, expondo suas conclusões?

Jurandir Freire Costa - É o de combater o preconceito, a intolerância, pois, a partir dos estudos de casos, pude perceber que, quanto mais os indivíduos apresentam conflitos com suas inclinações homoeróticas, mais facilmente tendem a se expor ao risco de contágio pelo vírus da Aids. Mas não tenho a tola pretensão de mudar o preconceito simplesmente redescutindo a questão homossexual. Usando o termo homoerotismo, procuro fazer ver que, ao trocarmos de vocabulário, trocamos as perguntas e, eventualmente, poderemos encontrar respostas que não podem ser encontradas quando nos servimos da terminologia homossexual ou heterossexual.

O senhor acha que pode modificar algo na sociedade a partir de seus estudos?

Jurandir Freire Costa - É óbvio que não podemos modificar voluntariamente a realidade do mundo, ou o imaginário sexual de uma época, num laboratório de idéias. Como diz Richard Rorty, quando trocamos de vocabulário, trocamos de problemas e, com a troca, algumas coisas da realidade, que antes pareciam absolutamente importantes, passam a não ter mais importância.

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Bibliografia[1] Entrevista concedida ao Jornal do Comércio, Pernambuco, 06 de outubro de 1992. Bolsista:Evelyn de Melo Paulo -Química Licenciatura UFLADe. Esse texto também pode ser encontrado no livro A Ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Entre colchetes, a referência do texto originalmente no livro.

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