Ninguém fala do marketing sexual infantil

Ninguém fala do marketing sexual infantil

Fico estarrecido como a mídia encara com superficialidade temas tão importantes. No domingo (14/03/2010, mas esse é um tema que perdura) novamente o programa Fantástico da rede Globo colocou em questão a ação de pedófilos que aliciam crianças e jovens pela internet. E mais uma vez um show de superficialidade e “receitas para ser feliz” que beiram o absurdo (“O Fantástico vai ensinar você como proteger sua família”, diz Zeca Camargo).

Pessoas da própria produção do programa se fantasiaram de jovens (menino e menina) de 13 anos enquanto teclavam na internet com adultos pedófilos. Chegaram até a marcar encontro com esses supostos pedófilos. Muito bem: Armadilhas pra se pegar pedófilos podem realmente dar certo e diminuir a ação desses caras com fixação em crianças. Mas até que ponto as crianças são realmente inocentes nessa brincadeira de sedução? E de quem pode ser a responsabilidade dessa perversão que assola o século XXI?

Desde a publicação de “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), Sigmund Freud trouxe a luz um tema terrivelmente posto de lado e obscurecido, a sexualidade humana e... infantil. Deste modo, ampliou a noção de sexualidade antes vista como apenas um instinto imutável de reprodução individual e perpetuação da espécie e, agora como forças poderosas que permeiam atividades diversas do ser humano. Na criança esse poder se expressa como uma sexualidade não genitalizada, ou seja, que ainda não se focalizou em uma área do corpo específica, por exemplo, no ser humano adulto, a área comumente fixada são os órgãos genitais (pênis e vagina). Essas zonas erógenas quando excitadas produzem prazer sexual que o adulto conhece - mas a criança só conhece de forma difusa e indefinida - e toda necessidade sexual é descarregada por meio delas. As crianças, portanto passam a ser consideradas não como pedaços do pai e da mãe, e sim como seres em desenvolvimento com uma vida própria e bastante rica.  

Bronisław Malinowski, antropólogo polonês em seu livro “A vida sexual dos selvagens” (1939) estudou profundamente o povo das Ilhas Trobriand (atóis coralinos que formam um arquipélago de aproximadamente 440 km² ao longo da costa oriental da Nova Guiné) e pôde constatar que a vida sexual dessa sociedade era bastante diferente da nossa (ocidental de moral cristã). As crianças iniciavam a vida sexual cedo, pelos 4 ou 5 anos, manifestando brincadeiras íntimas entre eles. Semelhante às nossas crianças que nessa idade já brincam de médico ou realizam o troca-troca escondidos. Os adultos pouco ou nada faziam para impedir que as crianças brincassem entre si na mata e o peso dos costumes e tabus não recaiam sobre os meninos e meninas da ilha; isso acontecerá apenas depois de passada a adolescência, quando se espera um maior apreço ao trabalho e as instituições sociais como o casamento. Os tabus sexuais não atingiam as crianças, pois, sabia-se intuitivamente que essa fase do desenvolvimento necessitava de liberdade e certa proteção de parâmetros adultos da vida.

O sexo entre as crianças não é o sexo dos adultos, é mais uma forma de brincadeira entre eles. O que vemos em nossa sociedade? A dita evoluída e moderna, moral e justa?

Adultos colocam seus filhos para imitar a Beyonce e Lady Gaga domingo a tarde em rede nacional. Adultos responsáveis por um programa de televisão criam concursos de dança, para elegerem a melhor dançarina de funk. Adultos responsáveis por propaganda utilizam crianças para seduzir adultos das mais diversas formas. E depois disso tudo, ficam horrorizados quando sua filha de 12 anos tira, de próprio punho, fotos nuas pelo celular e envia para os coleguinhas que, em um ato totalmente singelo, colocam na internet para adultos pedófilos se deliciarem. Ainda acham estranho que sua filha combine encontros para matar a curiosidade sexual com um cara que ela conheceu na internet, nas salas de bate papo.

A sexualidade infantil está sendo utilizada por adultos para fins comerciais e isso está eliminado a infância como conhecemos. Criamos crianças aberrantes, imitações em pequena escala de mulheres adultas. Sinto que os adultos estão tão infelizes e perdidos que depositam nos seus filhos pequenos a responsabilidade de ser a “Lady Gaga”, a dançarina famosa que eles não puderam ser. É a idealização da infância.

E como receita para evitar que seus filhos sejam aliciados por pedófilos, o Fantástico diz: “Diga para seus filhos não falarem com estranhos”. O único “estranho” dessa história é permitirmos que a infância seja tão invadida e aliciada por valores fracassados de adultos infelizes e ignorantes. Quem alicia seu filho, inicialmente não é o pedófilo, e sim um sistema de valores culturais totalmente voltados para o exibicionismo, incessantemente veiculado todos os dias pelas emissoras de televisão e por celebridades.                                    

 

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