O fim da Universidade Pública, o ódio e um amplo espaço de impossibilidades

O fim da Universidade Pública, o ódio e um amplo espaço de impossibilidades

As ideias de que o "privado é melhor" e o "estado mínimo é necessário" fizeram com que as escolas públicas de base falissem - tanto em termos de verbas quanto em termos de formação e eficiência dos professores.

A classe média toda colocou seus filhos em escolas particulares. Isso aconteceu em meados dos anos 90, me lembro disso. Do dia para noite, recebo um aviso dos meus pais de que eu teria que mudar de escola. Fiz uma espécie de vestibulinho para entrar na escola particular e iniciei então a sexta série.        

Empresários da educação surgiram e, assim, a escola de rico e a escola de pobre. A inevitável diferença de classes se ampliou mais ainda.

Muitos dos filhos ricos não conseguiram entrar nas Universidades Públicas e isso foi criando um sentimento de ódio às Universidades.

Ódio sentido pelos pais, que foram obrigados a pagar escola aos filhos, pagar impostos altos e agora precisam pagar faculdade.

E ódio sentido pelos filhos, que não conseguiram passar nos vestibulares mais concorridos do país e não puderam vivenciar o verdadeiro ambiente universitário, com liberdade, amigos, aprendizagem e, claro, sexo, drogas e rock and roll. No lugar disso, filhos ricos, tinham que se contentar com aquele ambiente escolar, cheio de catracas e câmeras de segurança, ensino apostilado e idêntico ao do colegial.

Claro que muitos filhos ricos passaram na Universidade Pública, e o pior, muitos filhos pobres não. Esse descompasso foi sendo equalizado com politicas públicas de cotas e outras, que a médio prazo trouxeram mudanças importantes (só buscar os dados). Não vou aprofundar nisso.

Mas e o ódio?

Sabemos que o ódio é coisa boba. Mas é um sentimento muito poderoso e alastrante. Se espalhou perfeitamente por grupos de WhatsApp e, assim, um sentimento já presente desde os anos 90 foi sendo alimentado. Um sentimento de que tudo que é publico é ruim, péssimo e deve ser eliminado.  

Esse sentimento ganhou as urnas, ganhou uma cara. Nosso presidente representa exatamente isso. Tudo que é publico deve passar por uma “limpeza” (termo utilizado pelo próprio presidente) e assim chegaremos a inevitável constatação de que o ambiente público está infestado de comunistas/esquerdistas, o pior lixo humano. Numa comparação: como se um dentista constatasse que todos os dentes de um paciente estão prejudicados, então é mais fácil arrancá-los de vez e botar uma prótese. Os sistemas públicos de serviço à população (saúde, educação e outros) serão arrancados e substituídos. Menos o exército, é claro.

Mas e a Universidade Pública?

As Universidades mantiveram sua abertura, qualidade de ensino e praticamente são responsáveis por TODA PRODUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DO BRASIL.

Mas só isso não vai garantir sua existência. O que vai garantir a existência da Universidade é o fato de o Governo conseguir ou não dedetizar o ambiente e retirar os comunistas/esquerdistas de lá. Como não vai conseguir, terá que sacrificar toda a estrutura. Sem dinheiro, as Universidades, juntamente dos importantes centros de pesquisa, serão obrigadas a contar com financiamento estrangeiro e dos empresários da educação que surgiram nos anos 80, 90 (coincidência, não?).

Isso vai restringir ciências não aplicadas e de menor impacto imediato, vai diminuir também o impacto muito positivo que a ciência produz no comportamento e modo de pensar da sociedade.

Em longo prazo, teremos replicadas em todo o pais, graduações que produzem trabalhadores que fazem conta, sabem tabuada, sabem escrever e obedecer o patrão (como preconizado pelo nosso presidente e como acontece hoje nas universidades particulares brasileiras); poucos centros de excelência, formando poucos ricos e cérebros estrangeiros e, lamentavelmente, produzindo patentes e desenvolvimento tecnológico barato para multinacionais da pesquisa. E esse é o ponto mais triste da história.

A produção tecnologia e científica ficará nas mãos de multinacionais estrangeiras, pois, como já dito por um certo ministro, o ambiente universitário e cientifico é para poucos privilegiados e muito inteligentes. Nos EUA a educação é extremamente cara e elitista, e parece ser exatamente este o modelo que nosso presidente deseja seguir. Só há um detalhe. Não somos os EUA.

No Brasil há miséria, há crise de emprego, a economia vai mal e há um grande número de pessoas praticamente excluídas da civilização.

Especialistas (e a história recente) indicam há muito tempo que a saída mais certa para um país que visa o desenvolvimento é investir pesadamente em educação e ciência para todos e em todos os níveis!

Mas hoje no Brasil, especialistas e historiadores são odiados também... e quase todos vieram de Universidades Públicas, ironicamente.

 

 

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