O verdadeiro Xou da Xuxa

O verdadeiro Xou da Xuxa

Domingo, dia 20 de maio de 2012, Xuxa dá entrevista ao Fantástico da Rede Globo. Iluminação difusa, e o foco no rosto bem conservado de uma senhora de 50 anos.

Enquanto eu ouvia um discurso calmo, com frases bem colocadas e algumas pitadas de bom humor, pensava: O que será que vão postar no Facebook sobre isso? Como a mídia irá retribuir tal sinceridade? Afinal de contas Xuxa costuma ser uma espécie de ícone Kitsch dos anos 80, a culpada por emburrecer e sexualizar precocemente muitos de nós que estamos com 30 e poucos hoje. 

Depois dessa entrevista a personagem Xuxa passa a ter profundidade e ganha uma dimensão humana (podem afirmar que isso foi jogada de marketing… tanto faz) sente uma espécie de dívida com as crianças do mundo inteiro, afirma que “gostaria que as crianças do mundo não sofressem mais”. Mas por que Xuxa torna-se humana? Porque, como em todos nós, correm hormônios e sangue em suas veias? Porque mostrou-se uma Xuxa introspectiva, emocionada e carente?

Penso que Xuxa neste domingo mostrou que sofre como nós e que é vítima de uma espécie de maldição do destino (algo que se repete independentemente da nossa vontade). A fala de Xuxa articula uma infância de abusos sexuais, uma saída precoce de casa, um estrelato vinculado ao uso sexual do corpo como meio de vida. Interessante dessa historia é Xuxa afirmar que quando era menina - e não sabia bem porque - os homens mais velhos abusavam dela. E ela achava que era culpada por isso. O corpo e porte de Xuxa eram sua própria maldição: uma garotinha precoce, com a sexualidade exuberante precisou dar conta dessas fantasias desde muito cedo e, obviamente, percebeu que os caminhos da sexualidade poderiam levá-la à experimentar um poder absoluto sobre os homens e sobre toda sociedade…. e tornar-se uma mulher independente, rica, que flutua sobre todos, que não tem qualquer relação com a espécie humana, que parece não desejar, apenas sorri e cantarola canções de ninar: Xuxa. 

E a moça, respondendo à esse destino fixado, como se figurasse uma história mitológica de nossos tempos, estava-lá numa manhã de 30 de junho de 1986 comandando uma programa de televisão infantil, infantilizada novamente (sim, sua potência refere-se à um certo infantil em nós), cercada de Paquitas Sexys, dançando e cantando como ninfas (tipo de divindade mitológica que enlouqueciam os homens e eram muito temidas) Xuxa, fatalmente não pôde se livrar de seu destino e repetidamente foi obrigada e vestir-se de criança, falar como criança, seduzir como criança e mostrar ao Brasil todo o poder da sexualidade infantil, com suas botinhas de salto alto, roupinhas coloridas, curtas, muito curtas e justas como se naquele corpo, outrora infantil, não coubessem mais e inflassem numa explosão hormonal. 

A culpa e angústia de Xuxa passam, penso, pela possibilidade de todo seu trabalho como rainha dos baixinhos poder ter sido um fator importante para que pais e parentes abusassem das filhinhas que imitavam sua rainha (Sim, Xuxa logo logo passou a ser uma marca de roupas e acessórios infantis). Imagino a cena: uma garotinha no interior do Brasil, se veste igual a Xuxa na frente da TV. Seu tio vê a cena da garota rebolando e cantando entre uma fresta de janela aberta na sala... Nesse momento, pouco a pouco e diariamente as crianças de todos Brasil passam a desejar ser como sua rainha: desesperadamente sexy e perturbada.

Neste domingo frio de maio, Xuxa deu seu verdadeiro show (ou seria “Xou”) em que realizou o maior feito que um ser humano pode alcançar: mergulhar para dentro de si e tangenciar os núcleo mais profundos, inconscientes e infantis da nossa existência… e rir deles. 


 

 

  

 

 

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