A Psicanálise do camarote VIP: da elite para a elite 

A Psicanálise do camarote VIP: da elite para a elite 

Interessante artigo publicado no Jornal de Psicanálise em 2010 chamado “Encontros Reflexivos sobre Formação”.

Maria do Carmo Meirelles Davids do Amaral, membro filiado do Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanalise de São Paulo (SBPSP), realizou uma série de entrevistas “com um propósito essencialmente reflexivo, mas também informativo”, para criar “um espaço para pensar as questões da formação: análise didática, supervisões, seminários teórico clínicos, relatórios dentro dos diversos modelos de formação oferecidos, buscando com isso estimular nos membros filiados uma maior responsabilidade frente a algo que lhes diz respeito diretamente e que os acompanhará ao longo de toda vida psicanalítica.” Os entrevistados foram escolhidos por representarem diferentes sociedades ligadas a IPA que trabalham com diferentes modelos de formação.

Como o objetivo do artigo é a reflexão, proponho aqui uma das possíveis. Chamo a atenção para um ponto interessante da entrevista com Jacque André.

Associação MF da SBPSP – Uma curiosidade, qual é o valor pago pelos candidatos por uma sessão de psicanálise em Paris?

Jacques André – Paga-se mais ou menos cinquenta ou sessenta euros por sessão. E aqui, quanto se paga?

Associação MF da SBPSP - Muito mais... e para análise dos membros em formação há a obrigatoriedade de quatro sessões por semana.

Jacques André – Muito, muito caro! E por quatro sessões semanais!!!   

Maria do Carmo não revelou o valor da sessão no Brasil em 2010. Limitou-se a dizer que aqui no Brasil “é muito mais” caro. E é notável o espanto de André ao constatar que no Brasil paga-se muito mais que na França para se fazer uma análise.     

Busquei (1) então qual era o valor do salário mínimo na França, entre 2009 e 2010, período aproximado da data da entrevista. Chego em um valor aproximado de € 1.330,00. Quer dizer que na França, em 2010, pagava-se em torno de 4,5% do salário mínimo por uma sessão psicanalítica. Se mantivermos a mesma proporção de 4,5% do salário mínimo, proporcionalmente, aqui no Brasil em 2010, pagaria-se R$ 12,00 por sessão. Mas isso está longe de ser real.

Na prática as sessões de psicanalise são muito mais caras aqui no Brasil. Em 2010, eu pessoalmente pagava em torno de R$ 100,00 a sessão, e era um preço com desconto.

É pratica comum para psicanalistas ligados a IPA que uma verdadeira psicanálise tenha que se fazer em 4 sessões semanais e - em casos especiais, 3 vezes na semana (média de 3,5 sessões semanais). Isso soma 14 sessões/horas mensais. Cada sessão tem, chutando baixo, um valor médio de R$150 a R300,00 (valor médio de R$225,00 a hora).

Então, hoje para se fazer uma psicanálise aos moldes do que acreditam alguns psicanalistas, gasta-se mensalmente em média R$ 3.150,00, mais de 3 vezes o valor do salário mínimo nacional em 2017, ou o valor total, segundo o IBGE 2015 do salário médio mensal dos trabalhadores formais em Ribeirão Preto, que é de 3 salários mínimos (2). 

Isso representa um obstáculo que impede que a maioria dos estudantes escolham a psicanálise como atividade e impede que a maioria da população experimente os benefícios da psicanálise em si. Obviamente, cada profissional liberal sabe o quanto o seu serviço vale. Sei, por um levantamento por telefone, que a hora de um psiquiatra pode valer entre R$ 300,00 e R$ 800,00 e muitos não oferecem retorno. Talvez, esse alto custo das sessões psicanalíticas seja uma herança ainda presente da psicanálise como prática médica, é uma hipótese. 

Alguns psicanalistas contra argumentam que a psicanálise não é para qualquer um. Ele é para quem deseja investir pesado em si e ir fundo em suas questões pessoais. É um argumento válido. Mas, os altos custos impostos para um tratamento psicanalítico dizem também uma outra coisa: a psicanálise é para os muito ricos. É prática exclusiva de uma elite econômica do Brasil para ela mesma. É um sistema fechado que se retroalimenta com base em costumes, dogmas e pressupostos nada científicos ou teóricos.

Em um país em que a maioria da população vive em condições nada satisfatórias - para dizer o mínimo, restringir a prática psicanalítica à um nicho específico é restringir a potência científica e terapêutica da própria psicanálise. É tornar a psicanálise um luxo, uma atividade restrita aos camarotes VIPs chics e finos do país; um fetiche, uma prática limitada que exclui de seu rol de interesses os conflitos, emoções, dramas e histórias de vida da maioria da população de um país inteiro.

 

REFERÊNCIAS 

1. https://tradingeconomics.com/france/minimum-wages

2. https://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil/sp/ribeirao-preto/panorama  

 

 

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