Pupila dilatada e a corrupção

Pupila dilatada e a corrupção

Ir ao oftalmologista é difícil.

São horas com a pupila dilatada e uma fotofobia sem fim. Posto que estava de férias me permiti alguns momentos na frente da TV, e eis que vejo o programa de Fatima Bernardes que tratava do tema corrupção. Interessante a Rede Globo investir em programas de debates em horário nobre (digo, que não seja de madrugada). Será uma mudança de atitude da Rede tão famosa por dispersar a futilidade por esse Brasil?

Pude também assistir ao programa do Pedro Bial que é muito parecido com o da Fatima,  mas tive a impressão - nos dois programas - de que havia certo impedimento à conversas mais longas e aprofundadas. Luiz Felipe Pondé, filósofo, convidado para a estreia do programa do Bial, falou muito pouco. Haviam cortes de edição, sei lá… Mas, uma tal de Maria Paula, Ex-Casseta e Planeta, decotada, emitindo “opniões de facebook” - aquelas que até sua prima de 12 anos já consegue articular - teve um bom espaço. Olha, espero que seja apenas uma impressão minha e que a Rede Globo esteja se redimindo da desgraça cultural a que vem submetendo o país.

Em boa parte do programa da Fatima falava-se de corrupção. Mais uma vez, em discussões sobre alguma característica humana, surge a questão se tal coisa é cultural (adquirida por meio de processos culturais) ou própria do ser humano (herdada, genética...) A corrupção afinal, é cultural ou é uma característica fundamental humana?

O corrupto é aquele sujeito que rompe um pacto. Esse pacto é dado pela ética e ética é uma coisa que não sabemos muito bem o que é, mas, por meio do convívio social, os parâmetros são colocados. O corrupto age na surdina pois, depois da “morte de deus” anunciada por F. Nietzsche e marca da modernidade, não há ninguém onipotente fiscalizando, multando e definindo quem é ou não é pecador. O fato é que a corrupção tem algo de fascinante. É fascinante você, na surdina, desviar uma pouquinho de dinheiro - coisa que não vai fazer falta relativamente ao montante inicial - e obter uma gorda aposentadoria ou comprar o iPhone do seu sobrinho ou o colar de diamantes de sua jovem amante. O que fascina na corrupção é a rapidez e facilidade com que recebe-se o benefício.

Imagine que certa vez fui ao banco, estava chovendo e não havia lugar para estacionar, somente a vaga para deficientes estava vazia. Dei uma volta, duas e nada. Resolvi parar mais à frente, tomei chuva e quando entro no banco, uma moça de uns 30 anos em perfeito estado físico estava estacionando na tal vaga para deficientes. Eu me molhei, fiquei com uma baita raiva… me senti um idiota! E ela obteve um bônus evidente, rápido e fácil. Ja dentro do carro pensei: “Olha, você foi ético! Parabéns!” O meu benefício foi intelectual e estético e isso aparentemente bastou para mim. Percebam que os benefícios de uma atitude ética são, digamos, mais refinados, mais subjetivos do que o benefício direto e rápido da atitude corrupta. 

É preciso estar intelectualmente e afetivamente preparado para gozar os benefícios das atitudes éticas (lembrando que a ética busca fundamentar o bom modo de viver pelo pensamento humano) Um pensamento linear e pobre (coisa que eu nem chamaria de pensamento) leva à corrupção, ou seja, aquele que me faz pensar que “um desvio de dinheiro não vai causar problema” ou “se eu estacionar ali por um momento nada de horrível vai acontecer”. Um pensamento não linear e subjetivo leva à atitudes éticas, pois, vou considerar uma cadeia de pensamentos mais complexa em minha tomada de decisões. Nessa cadeia complexa está, invariavelmente, o outro, o bem estar do outro.

Terminando, sinto que o problema da corrupção é agravado e oxigenado nas escolas que priorizam o pensamento linear, exato em detrimento das humanidades e do pensamento subjetivo, o pensar “por pensar”, o pensamento artístico, musical e por aí vai. A solução da corrupção não é a educação e sim a motivação permanente do pensamento em suas diversas nuances.

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