Somos incapazes de nos responsabilizar?

Somos incapazes de nos responsabilizar?

O DSM-5 (quinta edição do Manual de Estatística e Diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana) foi lançado neste final de semana - 18 a 22 de maio de 2013 - em San Francisco, Califórnia. Este manual estabelece a forma com que os médicos e a sociedade lidam com as doenças mentais pois lista e “cria” novas patologias. A exemplo, temos o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica, Transtorno da Escoriação, Transtorno da Desregulação do Humor Disruptivo (mais conhecido como "birra" das crianças) e por aí vai... Uma alteração importante e muito criticada foi a inclusão do luto como critério de diagnóstico da depressão, ou seja, se você perdeu um ente querido ou levou um fora do namorado, pode ser medicado sem delongas. Parce simplista, mas na prática corrida das consultas médicas, é isso que vai acontecer.

O DSM-5 têm critérios clínicos e estatísticos para supor que um luto pode ser algo destruidor para algumas pessoas, ou que uma criança que faz “birra” exagerada pode estar doente. Mas eu e muitos outros colegas não compactuam com algumas mudanças. Quanto mais doenças existem, mais remédios existem para tratá-las, e mais doentes existem para serem tratados e mais empresas farmacêuticas fabricam remédios. Há de maneira sutil um desejo humano em ser categorizado dentro de grupos e muitas vezes essa angústia de não pertencer a nenhum grupo leva a pessoa ao médico ou psicólogo. A pergunta “Doutor, o que eu tenho?” é uma das mais comuns. O problema do diagnóstico em saúde mental é que junto do medicamento - que é importante para alguns casos - tirarmos a responsabilidade da pessoa quanto à aspectos da sua vida privada.

A MAIORIDADE PENAL

Temos também a questão espinhosa da maioridade penal que está sendo discutida em um contexto em que menores de 18 anos se mostram plenamente capazes de cometer crimes. Interessante notar que na Carolina do Norte, um dos estados norte-americanos, a menoridade penal termina aos 6 anos. Suécia e Noruega, dois países com longa tradição de proteção ao menor, estabeleceram a maioridade penal aos 15 anos. Os países da América do Sul são, em média, os com maior idade penal. Já os asiáticos e africanos estão no outro extremo, países com forte influência católica também tendem a ter a maioridade penal maior do que países com preponderância de outras religiões como a protestante, hindu, muçulmana ou budista. Ou seja, não há 'uma' idade 'correta'. (https://direito.folha.uol.com.br/)

Existem argumentos bons, contra e a favor da redução da maioridade penal no Brasil e me mostro agora favorável, depois de idas e vindas, depois de ser contra e ser a favor; muito embora acredite que a redução penal não é exatamente o problema que deveríamos nos preocupar. Nesse sentido, vejo que limitar à certa idade a resposta total de um sujeito à crimes é algo artificial. Não sou a favor da redução da maioridade penal. Sou a favor da exclusão de uma faixa de idade mínima pois, responsabilizar pode tem mais efeitos benéficos do que proteger. E quando falamos em proteção, estamos falando em quê? Mandar o jovem para a fundação CASA ao invés de uma cadeia? Não sei. Proteger nesse caso tem relação com fazer se cumprir a lei que no caso do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) e no caso da legislação sobre penitenciárias já está de bom tamanho.  É lei que - presos adultos ou jovens - devem passar por um processo de socialização e ter a possibilidade de reintegração. Isso acontece? Não! Por isso, quando um certo governador chamado Geraldo abraçar essa causa e propor a redução da maioridade penal em ano de pré-eleição, desconfie. O problema da maioridade penal está sendo tomado como um “super-problema”, quando na verdade ele representa a causa de um processo de múltiplas falhas cumulativas do sistema educacional.      

Há necessidade de (1) reelaborar e fazer funcionar mecanismos de “punição” ou reinserção social que já existem para uma criança. Hoje, por exemplo, temos uma “penitenciária infantil” (o que é chamado Fundação CASA); e (2) há que se discutir qual a melhor maneira de se educar crianças, jovens e adultos de maneira responsável. Para citar um exemplo de responsabilização na educação, podemos utilizar o currículo ao longo de toda vida estudantil como prova para entrar na faculdade. Outra coisa, que venho percebendo por meio de relatos de professores, é que a progressão continuada acaba eliminando a responsabilidade sobre a frustração e o erro do dia a dia dos alunos. Ou seja, dizemos aos alunos: “Você errou? Não estudou? Não tem problema!”. Como se frustração e erro fosse algo a ser evitado porque somos “pobres coitadinhos” que se traumatizam frente às dificuldade da vida. Lembro-me de um professor de origem Russa, que em suas aulas de bioquímica se revelava indignado, pois nós utilizávamos lápis e borracha. Ele se indignava porque um erro não deve ser simplesmente apagado com uma borracha e sim riscado suavemente à caneta. Ele dizia: “Se você apagar o seu erro com borracha, como vai lembrar de que errou?”            

Vem a pergunta de por que parecemos ter asco à responsabilidades?  

Penso que responsabilizar uma pessoa por seus atos, inclusive criminais, não significa desprotegê-la, pelo contrário. Uma das demonstrações mais dignas do amor visa responsabilizar o sujeito perante a sua vida. Dar limites à uma criança significa, ao mesmo tempo, dar liberdade suficiente para que ela descubra seu campo de atuação no mundo; é portanto expandir sua gama de responsabilidades.

A ideia fundamental que se precisa cultivar, penso, é que o sujeito desde muito cedo na vida tenha que arcar com a responsabilidade de no futuro garantir suas condições, seus meios e sua dignidade como um ser humano que deseja e que atua no mundo, sem protecionismos do estado, da medicina internacional ou da família. Proteção em excesso cria retardados mentais. Isso sim é crueldade!

 

Compartilhar: