Um Gol da Barbárie no Jogo do Avanço Científico

Um Gol da Barbárie no Jogo do Avanço Científico

Prof. Dr. Marcos Fava Neves

(uma versão um pouco mais compacta deste texto foi publicada como opinião do UOL, em 18/04/15, com o título "Ranços Ideológicos Contaminam Debate sobre Transgênicos. Aos interessados, basta colocar este título no google para encontrar)

Esta história é composta de capítulos felizes e tristes. Comecemos pelos felizes.

A cadeia produtiva do madeira, onde se encaixa o eucalipto, é uma das mais modernas e competitivas existentes em solo brasileiro e grande geradora de renda. Seus números impressionam. Em 2014, o setor exportou US$ 9,95 bilhões, sendo US$ 7,22 bilhões em papel e celulose. O Brasil já tem 5,5 milhões de hectares de florestas plantadas produzindo cerca de 15 milhões de toneladas de celulose. Em 2013, segundo o IBA, a cadeia gera 4,4 milhões de empregos diretos e indiretos, arrecada quase R$ 9 bilhões de impostos e tem um PIB de R$ 56 bilhões. E a boa notícia, que abre grande oportunidade ao Brasil, é que estima-se que até 2030 a demanda internacional por madeira aumentará 60%. Porém, o setor sofre também com os aumentos de custos de produção que impactaram praticamente todos os negócios do Brasil.

A FuturaGene é empresa que tem origem em 1993, em Israel, e destaque em pesquisa e desenvolvimento genético de plantas para os setores florestal, visando atender à crescente demanda por culturas produtoras de fibra, combustível e energia renovável, para o já conhecido cenário de redução da disponibilidade de terras e de recursos hídricos. Tem estruturas corporativas e de P&D em São Paulo e Itapetininga, em Xangai (China), e em Rehovot (Israel). 40% de seus quadros são mestres e doutores. Foi adquirida pela Suzano Papel e Celulose em 2010, visando potencializar o patrimônio florestal desta.

 Desde 2001 desenvolve o eucalipto geneticamente modificado (GM) que segundo suas pesquisas feitas desde 2006 em quatro campos experimentais  (SP, BA e PI) tem dado resultados positivos, apresentando aproximadamente 20% de aumento de produtividade em comparação com o convencional, com maior volume de madeira utilizando menos recursos, graças à expressão de  uma proteína vegetal que atua no processo de elongação das células durante o crescimento do eucalipto. Este ganho de produtividade deve trazer mais competitividade a esta cadeia produtiva, ajudando o Brasil a conquistar o crescimento do mercado mundial e gerar maior sequestro de CO2 por hectare, arrecadação de impostos, rentabilidade aos produtores e inclusão econômica e social.

 Em janeiro de 2014, a FuturaGene submeteu à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) um pedido de liberação comercial do eucalipto geneticamente modificado, a primeira empresa brasileira privada a submeter uma planta geneticamente modificada para aprovação comercial. Após a aprovação, segundo a empresa, será feito plantio de forma gradual, de acordo com as práticas de manejo florestal adotadas pela empresa na implantação de qualquer novo clone. Espera-se colher em seis ou sete anos.

 Segundo a empresa, diversos estudos foram realizados por cientistas independentes familiarizados com a produção e a avaliação do eucalipto para confirmar a segurança do produto, não tendo apresentado toxicidade sobre outros organismos, demonstrando segurança na composição foliar, boa decomposição de biomassa, semelhança fenotípica, e com  interações ecológicas, tanto em relação a insetos, decompositores, micro-organismos e doenças quanto às características climáticas e de solo, como seca, vento e deficiência de nutrientes, semelhantes ao convencional.

 Ainda segundo as pesquisas, o eucalipto apresenta pouco potencial de cruzamento com espécies selvagens e não possui potencial para se tornar planta invasora. Há ainda estudo de cientista da UFRGS que mostra equivalência entre as amostras de mel produzidas em áreas de árvores geneticamente modificadas e convencionais; ausência de efeitos tóxicos no mel, entre outras evidências. A empresa ainda precisa convencer o Forest Stewardship Council que este produto pode ter o selo de sustentabilidade, cuja decisão será em 2017.

 O MST, Instituto de Defesa de Consumidores, Associações de Produtores de Mel e diversas ONG’s contestam estes estudos, bem como alguns concorrentes da Suzano. Mais uma vez, tem-se um debate no campo da ciência, mas sempre contaminado por ranços ideológicos quando se trata de transgênicos.

Tenho grande confiança na CTNBio, composta por corpo científico formado por 27 titulares e 27 suplentes, todos com título de doutor em áreas afins à biotecnologia, como órgão competente para realizar a avaliação de biossegurança de organismos geneticamente modificados (OGMs) no Brasil. O modelo brasileiro de avaliação da biossegurança de organismos geneticamente modificados é visto internacionalmente como um dos mais completos e rigorosos do mundo, sendo até considerado lento. Suas decisões são tomadas de maneira democrática, sempre levando em conta o Princípio da Precaução. É no campo da ciência que os debates deveriam se dar, no “estádio” da CTNBio. Mas não foi o que se viu.

 Na manhã de 05/03, aproximadamente 1.000 mulheres integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) invadiram a sede da FuturaGene, em Itapetininga (SP), danificaram casas de vegetação e destruíram as mudas experimentais. Ao mesmo tempo, outro grupo composto por cerca de 300 integrantes do MST ocupou a reunião da CTNBio, em Brasília.

 Para mostrar a violência do ataque, a carta a seguir foi por mim recebida, e escrita por  um dos integrantes da CTNBio.

“Caros amigos. Eu estava na reunião da CTNBio quando ela foi invadida com violência pelo MST. A violência foi tanta que feriram uma funcionária da CTNBio quando meteram o pé na porta para entrar à força na sala. Quem liderou este ataque foi supostamente um ex-membro da CTNBio, representante do MDA, que supostamente também financiou a invasão na fazenda da Futura Gene/ Suzano. Muitos estavam bêbados já cedo pela manhã. Mando um vídeo feito no fundo da sala. Entraram berrando e empurrando. Apavoraram. Muitas pessoas saíram de seus lugares e foram para a frente da sala, perto dos membros da CTNBio procurando segurança. Eu fiquei paralisada e felizmente abracei meu computador e outros pertences. Pensam que é exagero? Pois não foi, há relatos de roubo de computadores. Conseguiram seu intento: acabar com a reunião. A violência, os roubos e a destruição da pesquisa pode até ter sido financiada com o dinheiro de nossos impostos. Os ônibus que levaram as mil mulheres para a destruição da fazenda eram luxuosos: ônibus executivos com abundância de comida e bebida dentro. Esse é o governo que temos.....e todos ficaram impunes. Ninguém foi preso. Dá vergonha de ser brasileiro...

 A ação dos invasores do MST na sede da FuturaGene resultou na perda de anos de estudos e pesquisas em decorrência da destruição de mudas que, após possível aprovação comercial pela CTNBio, seriam utilizadas para dar continuidade aos plantios experimentais no campo. Também foram perdidas mudas de projetos que ainda estão em fase inicial e/ou intermediária em relação à avaliação de performance e estudos regulatórios. Houve ainda os danos emocionais aos funcionários e a brasileiros como eu. O evento repercutiu internacionalmente na comunidade científica, e a carta anexa foi por mim recebida por renomado cientista internacional.

 “Just a note of firm solidarity and deep chagrin. I have just been informed about the senseless destruction at your experimental station in Brazil and the postponement of the CTN-Bio discussion. in the past hours, I have read as much information from the Brazilian and international media as I could find. I trust no one was physically hurt during this terrible occurrence. I am sad for Brazil (my second home), for science, for the people who are being misguided and abused and of course for all who are dedicating their lives, their efforts, their intellects, their resources and their hearts to contribute to building a better world for all. There is much to be done and more courage will be demanded. Count on me”.

Além da repercussão nacional e internacional, causou espanto que uma mobilização absolutamente bem organizada e orquestrada muitos dias antes, de 1000 pessoas e cerca de 40 a 50 ônibus sincronizados se deslocando por estradas não foi percebida antes pelas autoridades policiais tanto estaduais quanto federais, para que fosse feita a prevenção do ataque. É realmente preocupante. Foi interessante observar também a grande quantidade de sites e blogs de ONG’s internacionais que vibraram com esta destruição em território brasileiro.

 Esta invasão, destruição e desrespeito institucional aos investidores, aos cientistas e à imensa maioria dos brasileiros, que se chocou com o fato, foi mais um triste episódio na rica história do agronegócio brasileiro, que vem sustentando há décadas o desenvolvimento econômico, social e ambiental de nossa sociedade.

 Não há nada mais perigoso a um país que o desrespeito às regras do jogo, às instituições, o “ganhar no grito”. A ciência não pode se curvar à barbárie, bem como nossas autoridades não podem ser lenientes com o crime.

 Que a próxima reunião da CTNBio possa ter garantido um ambiente onde as discussões existam de maneira democrática, e que a ciência vença, seja qual for a decisão tomada. Espero também que este triste caso de invasão e destruição nunca mais se repita no Brasil e que seus invasores tenham contra si uma coisa absolutamente simples: a aplicação da lei.

 Marcos Fava Neves é Professor Titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, Campus de Ribeirão Preto. Autor, co-autor de 50 livros publicados em 7 países. 

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