Um Pacote... com pouca coisa dentro

Um Pacote... com pouca coisa dentro

Por Marcos Fava Neves, especial para o Portal NovaCana,

em 02 de Maio de 2013.

(autorizado o uso desde que citada a fonte)

Antes de partir para a conjuntura, começo este texto comentando sobre o pacote do governo federal. Receber um pacote sempre gera expectativa. O que será que encontraremos dentro? Será um presente, algo de valor, algo de que vamos gostar? Reza a etiqueta que a pessoa deve abrir o pacote sempre na frente de quem o deu, para que a nossa reação possa ser acompanhada e o momento servir como ocasião de engraçamento. Apesar de ser difícil, mesmo assim devemos tentar manter uma reação positiva ao abrir: forçar um sorriso ou dizer algo como um "opa, estava precisando mesmo".

Segunda-feira, 22 de abril, foi o dia escolhido pelo governo para mostrar aos entusiastas da cana-de-açúcar e da área de energias renováveis qual foi o pacote preparado para tirar o setor de uma de suas piores situações nos últimos 30 anos – causada, em boa parte, pelo próprio governo. Muitos foram a Brasília e acompanharam in loco os anúncios. Outros, como eu, ficaram ligados na internet aguardando as primeiras notícias e eventualmente ligando para algumas pessoas que estavam lá.

Eis que ao abrir o pacote, tão esperado e alardeado desde o ano passado por ministros e secretários de governo, não tivemos como esconder a cara de tacho.  Basicamente, veio a isenção de PIS e Cofins pedida há muitos anos por nós, que representará um alívio de 12 centavos no custo, e um importante volume de créditos à disposição.

Como contrapartida, o governo pediu o retorno dos investimentos com longo prazo de maturação. Porém, faltou no pacote o principal: um simples papel, uma única folha que fosse, dizendo qual justamente é o papel do etanol e do setor de cana na matriz de combustíveis e na matriz energética brasileiras. Algo simples como os norte-americanos fizeram, que projetasse volumes e porcentagens, com metas até 2030 para uso de etanol hidratado e gasolina no mercado, para mistura de anidro na gasolina e outros mais. Algo que fosse acordado entre governo e setor privado, para que os investimentos pudessem voltar justamente com uma visão de longo prazo. Perdemos mais uma chance.

Para aumentar ainda mais a cara de tacho, a mídia divulgou o pacote como algo feito para reduzir os preços do etanol e forçar a queda nos preços da gasolina. Exatamente o inverso do objetivo real, que é o de tirar custos de produção do etanol para que as margens voltem ao azul e os investimentos ressurjam. Fica para mim confirmado que este governo, nestes 20 anos em que estudo o assunto, consegue ser um dos mais míopes na questão da energia renovável. De toda forma, algum movimento houve, e agora o foco deve ser em cima da redução do ICMS sobre este produto nos estados.

Vamos às conjunturas. Esta análise se divide em cinco grandes fatores para mostrar como estamos caminhando com a cana em 2013. Exponho os fatos ligados a macroeconomia, cana, movimentos empresariais, etanol e açúcar.

Em relação à macroeconomia, de acordo com projeções do Departamento de Agricultura dos EUA (Usda), o crescimento econômico global deve ser de 3,3% a.a. até 2022, puxado principalmente pelo mundo emergente. Países em desenvolvimento devem crescer em média 5,6% a.a. no período, sendo a China 7,8% a.a. e a Índia 7,5% a.a. Demais economias emergentes terão média de 4,2% a.a. A Europa deve ficar quase estagnada na década, com um crescimento de 1,7% ao ano em média. Idem para o Japão, com 1,1% ao ano. Como os EUA devem crescer em média 2,6%, passarão de 26% do PIB global para 24% até 2022. China representará 13% e Ásia 24%. Países desenvolvidos verão sua participação no PIB mundial cair de 67% para 58% em dez anos.

A população continua crescendo, mas a taxas menores, 1,0% a.a. na próxima década contra 1,2% a.a. na década passada. Países em desenvolvimento respondiam em 2010 por 80% da população mundial. Em 10 anos serão 82%. China e Índia representarão 37% da população global em 10 anos. Os EUA trabalham com uma estimativa de que o preço do barril de petróleo deve crescer de US$ 93,20 (projeção média de 2013) para US$ 120 (custo de aquisição em refinaria) em 10 anos, o que manterá a viabilidade econômica de diversos tipos de biocombustível no médio e longo prazo.

Em relação à cana, a safra, provavelmente recorde, de 600 milhões de toneladas no centro-sul já vem sendo colhida em bom ritmo. Espera-se recuperação da produtividade, de pelo menos 8 a 10 toneladas acima. A quantidade de chuvas foi acima da média neste primeiro trimestre, o que tem ajudado em volume na produção de cana. Porém, prejudicou os plantios de cana de 18 meses e também as operações de colheita. Caso o clima comece a secar e a esfriar, e com o uso dos maturadores, temos perspectivas de melhora no ATR.

Boa recuperação também no Mato Grosso do Sul, onde espera-se colher 44 milhões de toneladas, 18% a mais que no ciclo 12/13 e com 66% destinado a etanol (são 24 usinas, sendo 13 mistas e 11 exclusivamente de etanol), produzindo 680 milhões de litros de anidro, 1,67 bilhão de litros de hidratado e 2,2 milhões de toneladas de açúcar. A área plantada também deve aumentar 15%, quase 100 mil hectares. Boas notícias vindas do MS.

Destacam-se diversos movimentos e investimentos (empresas). A Biosev conseguiu levantar mais de R$ 800 milhões com seu IPO. Não deixa de ser uma positiva notícia ao setor, um sonho há muito tempo postergado pelos antigos controladores da Santa Elisa. Agora inicia-se uma nova fase na empresa. Sem dúvida, quanto maior o número de grupos listados em Bolsa, e quanto mais utilizados e fortes forem os mecanismos contratuais de futuros do açúcar e etanol na BMF, maior serão a previsibilidade e a transparência conquistadas.

A Archer estima o endividamento do setor em R$ 49,7 bilhões. Ante uma expectativa de faturamento bruto de R$ 66,5 bilhões na safra, entende-se o tamanho do buraco onde se encontra o setor sucroenergético. Lembrando que endividamento elevado deteriora margens e também as operações, levando a comercializações precipitadas. É um tema que precisa ser resolvido.

A Raizen (Cosan) deve produzir este ano 10% a mais de cana, atingindo 62 milhões de toneladas, e uma safra mais alcooleira. A Odebrecht segue firme nos seus planos de investimento. Este ano o aporte será de R$ 1 bilhão, e nos planos futuros, de mais de R$ 50 bilhões.

Em relação ao etanol, as exportações nos últimos 12 meses de etanol (Archer Consulting) foram de quase 3,5 bilhões de litros, que representaram em valores US$ 2,4 bilhões (preço de US$ 690 por metro cúbico). Vem se mostrando um mercado firme neste ano.

No mercado interno os preços mostram já uma recuperação em relação ao ano passado, sendo o hidratado comercializado a R$ 1,30 por litro na usina e a R$ 1,40 o anidro. Outra recuperação vem do volume consumido. Associadas do Sindicom, que representam 60% do mercado, venderam 15% a mais de etanol neste primeiro trimestre de 2013 do que no ano passado. Porém, a explosão no consumo de gasolina continua, e a Petrobras aumentou em 40% suas importações no primeiro trimestre do ano em comparação a 2012. O déficit da Petrobras está em US$ 7,4 bilhões no trimestre.

Minha maior preocupação é a de se monitorar diariamente a pressão contrária ao etanol de milho nos EUA. Existem muitos grupos contrários à aprovação do E15, inclusive pedindo uma revisão do E10. Um recuo seria altamente danoso ao agronegócio brasileiro e também ao setor de cana. O etanol e os carros flex nos EUA poderiam propiciar algum controle sobre os preços dos grãos, da mesma forma que o etanol no Brasil segura o preço do açúcar. Se o preço do milho cair devido à superprodução nos EUA, a tendência seria a de se produzir mais etanol e usar nos automóveis E85 nos EUA, contribuindo para desovar o excesso de produção e com isto dando mais equilíbrio ao mercado.

Em relação ao açúcar: o primeiro trimestre de 2013 começou bem em termos de volume de exportações. Os embarques do Brasil foram de 6 milhões de toneladas, um volume quase 70% maior que o do primeiro trimestre de 2012. Em recursos, foram exportados US$ 2,9 bilhões de dólares, 35% a mais que no trimestre do ano passado, justificado por um menor preço médio. O destaque nos importadores são os Emirados Árabes, com mais de 100% de crescimento (650 mil toneladas importadas), e a Índia, com quase 400 mil toneladas importadas. Quando se considera os últimos 12 meses, estamos 7% acima.

Porém, o preço está estagnado em 18 cents por libra-peso. Deve ficar nesse patamar, talvez podendo chegar a 19, dependendo do uso da cana para etanol. O etanol tem um preço equivalente a entre 18 e 19 cents, o que estabelece um piso para o mercado de açúcar. Se o preço do açúcar abaixa, aumenta a produção de etanol. Nosso problema principal está na escalada dos custos de produção. Nos últimos anos, estes vêm crescendo pelo menos 10% a 15% ao ano, e constantemente acima do índice de inflação.

Se de um lado a Índia exerce grande pressão pelo crescimento da sua população e mercado consumidor, por outro o setor de açúcar deve passar por desregulamentação, o que no médio prazo o deixará mais competitivo, em função de investimentos internacionais, fusões, aquisições e do processo de seleção que normalmente ocorre. Temos que observar este fato.

Difícil prever como terminará o ano para o setor de cana, pois são muitas as variáveis em jogo. Mas em uma coisa já apostei aqui: termina-se melhor que no ano passado.

MARCOS FAVA NEVES é professor titular de planejamento e estratégia na FEA/USP Campus Ribeirão Preto e coordenador científico do Markestrat. Em 2013 é professor visitante internacional da Purdue University (Indiana, EUA).

 

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