A Vitória do Selvagem na Operação Robert Howard

A Vitória do Selvagem na Operação Robert Howard

Prof. Dr. Marcos Fava Neves

Este meu segundo conto traz uma bonita, mas também triste história. Nos convida ao lindo e ensolarado Vale do São Francisco, que tenho o privilegio de visitar há quase 15 anos. E o título do conto... sertão, semiárido, Robert Howard e  selvagem, qual seria a relação entre eles?

Conheci na região de Lagoa Grande (PE), cidade bem próxima às lindas Petrolina e Juazeiro, imortalizadas por Jorge de Altinho, na emocionante canção Petrolina e Juazeiro (“nas margens do São Francisco, nasceu a beleza, e a natureza ela conservou...”) uma gente trabalhadora e empreendedora, que junto com a Codevasf, a Embrapa, o Sebrae, e outras organizações do Estado e privadas, lutaram para, quase no meio do nada, criar um polo produtor mundial de vinhos e uvas.

Numa história merecedora do nosso apoio, esta brava gente meteu a cara para competir com a Califórnia, Europa, Austrália, África do Sul, Chile e Argentina, produzindo os vinhos da nova latitude (paralelo 8).

Despertou curiosidade, e escrevemos para a Universidade de Harvard, imaginem... Harvard... um estudo de caso, “um conto”, sobre a produção de vinhos lá na região. Este conto voou para o mundo com o endosso da marca  Harvard. Em 2010, no gélido janeiro em Boston, apresentei o conto para 200 executivos do mundo e aos professores de Harvard, com direito a degustação dos vinhos ao final. Fiquei emocionado e orgulhoso ao vê-los apreciando nossa inovação e o Brasil participando do jogo mundial.

A feira da uva e do vinho de Lagoa Grande (Vinhuva Fest), já em sua oitava edição, visa entre outros esforços, criar esta marca, este conceito mundial. É resultante do  desenvolvimento daquela região pelo trabalho, pela geração de emprego e inclusão, afinal, a produção de frutas emprega muita gente. Visitei fazendas que chegam a empregar 1500 pessoas.

Até então temos um conto feliz:  uva, vinho, música, Boston, Harvard, trabalho, sol e o Vale do São Francisco... Mas na segunda parte do conto vem o vinagre.

A Vinhuva Fest de 2013 foi cancelada, devido a mais uma invasão nas fazendas produtoras, feita por pessoas que, tal como eu, não tem terras, os ditos “sem terras”, coordenadas por um antigo e eficiente movimento, porém, ainda na informalidade. Apesar da reintegração de posse concedida, nada foi feito, trazendo um clima de insegurança, como em outras regiões do Brasil que quer trabalhar e produzir. Resultado: grande evento... evento do ano... cancelado.

O Instituto do Vinho e a Associação dos Produtores e Exportadores de Frutas do Vale do São Francisco, verdadeiras pérolas e exemplo na atividade de empreender com ações coletivas, emitiram nota onde prestam solidariedade aos trabalhadores e empresários da propriedade alvo deste crime de invasão e depredação, que produz há mais de 40 anos, sendo destaque em responsabilidade social e no relacionamento com seus funcionários (Valexport).

Com o cancelamento, advindo da invasão, insegurança e tolerância crescente com o crime no Brasil, perdeu a parcela da região e do país que quer se conectar no jogo mundial. Perderam também milhares de pessoas: os empreendedores, comerciantes, donos de restaurantes, de lojas, de pousadas, de hotéis, taxistas e, inclusive, perderam os ambulantes que hidratariam os participantes sob o sol de novembro em Lagoa Grande.

Venceu, como vem vencendo cada vez mais batalhas, a parcela do Brasil que não aceita participar do jogo jogado e consagrado no mundo e tem como meta, como modelo de desenvolvimento econômico, social e ambiental, provavelmente alguma tribo rudimentar ou primitiva.

Se em Boston escapei de dar explicações sobre mais este fato do Brasil selvagem em ação, pois ocorreu depois, o conto termina relatando que tenho, para minha tristeza e de vocês, perdido cada vez mais tempo para explicar este tipo de notícia fora do Brasil, afinal, estamos provendo ao mundo fartos contos de ações selvagens.

A motivação para o título deste conto vem do fato que recebo, com assustadora e crescente frequência, além da invasão contada acima, que levou ao cancelamento da feira, depoimentos de produtores rurais cujas fazendas, armadas apenas com suas famílias, seus tratores, seu esforço e sua vontade de trabalhar e produzir, foram invadidas (assaltadas) por bandos criminosos armados ou desarmados, estimulados pela impunidade reinante.

Falta concluir fazendo a relação com o que viram até agora... Robert Ervin Howard, escritor, nasceu no também semiárido Texas em 1906, e se suicidou 30 anos depois, ao saber que a mãe estava em coma. Curiosamente foram velados e enterrados juntos.

Porém, em pouco tempo de vida, Robert Howard deixou um patrimônio à humanidade: uma série de excelente contos, principalmente sobre invasões, operações e batalhas selvagens, lutas tribais, e temas congêneres. Entre seus destaques está a criação do famoso personagem Conan, o bárbaro. 

Marcos Fava Neves é professor titular de planejamento estratégico e cadeias alimentares da FEA-RP/USP). Autor de 25 livros publicados em oito países. É professor visitante da Purdue University (Indiana, EUA) em 2013.

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