Ciência a favor do campo

Ciência a favor do campo

Para reduzir as perdas agropecuárias sem deixar cair a produtividade e garantindo o uso sustentável, os engenheiros agrônomos Marcos Matos e Glauco Cortez defendem a presença de um agrometeorologista

Diante das mudanças climáticas e do aumento da demanda por alimentos, reconhecer as limitações dos recursos da terra, sabendo identificar as necessidades do produtor, é essencial para se chegar a bons resultados de produtividade no campo. Nesse sentido, um profissional em Agrometereologia — ainda pouco conhecido no mercado — pode ser a peça-chave para o desenvolvimento das atividades agropecuárias de forma eficiente e sustentável. Com formação mais abrangente, este especialista estuda as relações entre o clima, o solo e os seres vivos, avaliando os fenômenos climáticos que influenciam na produção agrícola.

Na opinião dos engenheiros agrônomos, Marcos Matos e Glauco Cortez, a Agrometeorologia é indispensável na formação dos profissionais que se dedicam à agropecuária e aos produtores rurais. Docente e diretor superintendente da Instituição Universitária Moura Lacerda, mantenedora do Centro Universitário e do Colégio Moura Lacerda, e pró-reitor administrativo da instituição, Glauco revela que um dos principais objetivos da especialidade é colocar a meteorologia a serviço da agropecuária para melhorar o uso da terra, aumentando a produtividade através do uso racional de água e de solo.

Na entrevista concedida ao colega Marcos, Glauco aponta algumas mudanças necessárias para que haja um melhor aproveitamento dessa ciência em favor do agronegócio brasileiro. Além da relação climática com a produção, a Agrometeorologia pode contribuir de forma eficiente para a previsão e a proteção contra geadas e fogo na mata, assim como para o planejamento de sistemas de irrigação, dos calendários de plantio e de colheita, dos locais destinados a cada cultura, das variedades certas para as áreas selecionadas, entre outros decisões importantes.

Marcos: A meteorologia e a atividade agropecuária estão intimamente ligadas?
Glauco:
Sim. Desde a antiguidade, aquelas pessoas que conseguiam prever os eventos climáticos eram muito respeitadas. No antigo Egito, os faraós tinham consultores nesse assunto porque dependiam, basicamente, das cheias do rio Nilo para ter boas safras. Dá para dizer, então, que a Agrometeorologia, de uma forma ou de outra, sempre existiu. Essa ciência está voltada para o estudo dos efeitos dos fatores climáticos na produção agropecuária.

Marcos: A ciência pode estimar com precisão os eventos climáticos?
Glauco:
Não, porque não é uma ciência exata. Um instituto de pesquisa dificilmente consegue fornecer a previsão do tempo com exatidão em um prazo maior do que três dias. Normalmente, eles apontam uma média percentual de probabilidade de chuva, porque tudo isso é muito dinâmico, depende de uma série de fatores que não estão, diretamente, ligados ao sistema produtivo e necessitam de uma análise técnica. Daí a importância de termos um especialista em Agrometeorologia, que saiba interpretar estes dados e utilizá-los corretamente nos sistemas de produção agropecuários.

Marcos: Qual a importância e as atribuições desse profissional?
Glauco:
Ele será responsável por cruzar informações da fisiologia vegetal e da meteorologia, fazendo uma ligação direta entre os dados para predizer quando o produtor poderá semear ou colher, ou seja, quando as condições climáticas estarão mais favoráveis ao processo. Hoje em dia, a maioria das culturas está mecanizada e a máquina não colhe se a planta estiver úmida, por exemplo. Analisando a evolução climática de uma região, eliminando os riscos naturais, como um ataque de pragas e o efeito do fotoperíodo, o agrometeorologista consegue estimar com elevada probabilidade a época certa de colher, ou melhor, quando a planta estará no ponto ideal para essa operação.

Marcos: O que significa fotoperíodo?
Glauco:
É o número de horas que a terra fica exposta à luminosidade do sol. No verão, temos os dias mais longos. Isso acontece a partir do equinócio da primavera e vai aumentando até o solstício de verão, em dezembro. Depois se altera, ou seja, vai diminuindo até a chegada do inverno, em junho. Os equinócios são quando o dia e a noite têm, exatamente, 12 horas de luminosidade, não importa o lugar onde se esteja no globo terrestre. São as datas de início da primavera e do outono.

“Agrometeorologia é indispensável na formação dos profissionais que atuam nas áreas agropecuárias”, orientam Marcos e GlaucoMarcos: O clima é mutável?
Glauco:
O clima, por si só, é imutável em suas especificações, seja subtropical de altitude, tropical chuvoso ou equatorial. A mudança climática ocorre porque a terra passa por alterações periódicas, por ciclos, ao consideramos longos períodos de tempo (dezenas de milênios de anos). Há épocas mais quentes e outras, mais frias. Na realidade, o que existem, em muitos casos, são anomalias climáticas, como a que ocorreu no início de 2014, quando tivemos um verão muito seco, praticamente sem chuvas. Se essa situação fosse uma tendência ou uma mudança climática, a estiagem continuaria nos anos seguintes, o que não ocorreu. Na verdade, as mudanças climáticas acontecem de forma leve e gradativa porque, se ocorressem em uma escala muito intensa, poderiam levar à extinção da maioria dos seres vivos, pois eles não teriam capacidade de se adaptar tão rapidamente, inclusive o homem.

Marcos: Há registros dessas alterações na evolução da humanidade?
Glauco:
Sim. As glaciações são um exemplo disso e são periódicas. Na história da Terra, ocorreram vários períodos glaciais e glaciações que cobriram 32% dos continentes e outros 30% dos oceanos. Entretanto, a situação se altera em um novo ciclo. Até agora, ninguém conseguiu afirmar com certeza porque isso ocorre, mas está relacionado, diretamente, com os movimentos da Terra e do Sol. A partir do momento que há menor quantidade de radiação solar, a água tende a se congelar. Assim, se nós estamos vivendo uma era interglacial (entre duas glaciações), espera-se que a temperatura se eleve ao longo dos anos. Nesse contexto, eu, como engenheiro agrônomo, preciso tomar muito cuidado ao considerar o dióxido de carbono (CO2) o vilão do efeito estufa, porque ele é o gás da vida. A partir dele, as plantas conseguem transformar o carbono mineral em orgânico, produzindo açúcares ou carboidratos, fontes primárias de energia para a vida na Terra. Esse gás é um dos elementos essenciais para o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, na produção de alimentos. Portanto, se não houver CO2, não haverá fotossíntese e não teremos oxigênio, essencial para a vida humana.

Marcos: Por falar em vida, onde tudo começou?
Glauco:
Estudos científicos propõem que tudo começou nos oceanos. Com a evolução, o surgimento das algas marinhas iniciou o processo que levou à fotossíntese, produzindo oxigênio para a água e, posteriormente, para a atmosfera. Após essa fase, os organismos mais simples, como os musgos, saíram do mar e começaram a fazer a fotossíntese em terra, permitindo a expansão do reino vegetal e, depois, do animal. Assim, se o gás da vida é o CO2, não se pode afirmar que o clima está mais quente porque a concentração dele dobrou na atmosfera. Existem outros fatores e outros gases que também devem ser considerados nessa análise.

Marcos: Qual seria o maior problema nesta questão?
Glauco:
Há muitos fatores a serem considerados. Por exemplo, alguém consegue me responder como a camada de ozônio está hoje? Antes, o tema estava presente na mídia, a ponto dos fabricantes de produtos à base de clorofluorocarbonetos, o CFC, terem que mudar as formulações para não prejudicarem o meio ambiente e a camada de ozônio. No entanto, poucos sabem que, na realidade, ele é um gás muito barato e sua patente comercial estava para vencer. A partir daí, todos poderiam usar esse gás sem pagar royalties. A mudança teve efeito na camada de ozônio? Hoje, sabemos que os substitutos do CFC são considerados gases causadores do efeito estufa. Por isso, é preciso tomar muito cuidado ao falar em mudança climática provocada pela ação do homem. O ser humano está na terra há um tempo relativamente curto, cerca de 25 mil a 30 mil anos, enquanto que os dinossauros passaram por aqui há 170 milhões de anos. Isso aconteceu porque eles não danificaram tanto a natureza? Concordo que existe uma mudança climática em curso, mas não da forma como ela está sendo tratada hoje, colocando o homem e suas ações como a principal causa.

Marcos: Como a mudança acontece e quais as suas consequências?
Glauco:
É muito difícil prever um cenário de mudança climática, entretanto, é consenso que eventos extremos relacionados ao clima tendem a ficar mais intensos e mais frequentes, como tornados, ciclones e furacões. Já houve vários furacões, alguns extremamente trágicos, outros nem tanto, mas se o clima está mudando (a Terra está ficando mais quente a cada dia), a tendência é que esses eventos se repitam com maior proximidade. Quando estes fenômenos acontecem esporadicamente, podem ser considerados como anomalias climáticas.

Marcos: Como as técnicas agrometeorológicas contribuem na tomada de decisão?
Glauco:
Na realidade, uma anomalia climática não permite uma decisão acertada. Se em novembro de 2013 nós soubéssemos que em janeiro de 2014 não iria chover, teríamos alertado os produtores rurais dos potenciais riscos. Muitos perderam sua safra porque não houve chuva. Nas situações de rotina, uma análise dos fatores meteorológicos pode informar aos produtores a melhor época de plantio ou de colheita, assim como pode alertar sobre a ocorrência de geadas ou a necessidade de irrigação de uma lavoura. Muito produtores perguntam: por que devo ter irrigação se planto no período da chuva? Como engenheiro agrônomo, tenho que informar que a compra de um sistema de irrigação pode permitir o plantio em outras épocas do ano, ou seja, fora de safra.

Marcos: Os fatores meteorológicos interferem diretamente nos níveis de produção?
Glauco:
Sim, eles contribuem para aumentar ou para reduzir a produtividade, seja na agricultura ou na produção animal. A entrevista foi acompanhada pela jornalista Rose RubiniA chuva fora de época ou veranicos (períodos de seca que podem ocorrer no verão) são fatores que interferem, diretamente, nos níveis de produção das culturas. O cultivo em ambiente protegido, no qual o produtor consegue maior controle dos fatores meteorológicos, permite a produção em épocas do ano com menor oferta de produto, portanto, com maior preço de comercialização.

Marcos: Qual sua sugestão para evitar esse problema?
Glauco:
Se tivéssemos um sistema de acompanhamento e alerta das condições meteorológicas em campo, seria mais fácil tomar decisões. Infelizmente, esse sistema ainda não está disseminado no país. Para reduzir os danos decorrentes das mudanças no tempo, o homem trouxe a produção para ambientes protegidos, como as estufas. Se ele não consegue controlar o tempo, cria condições ideais para a produção. O mesmo acontece nos sistemas intensivos de produção animal, onde, mantidos em áreas delimitadas, consigo melhorar o manejo, controlar a temperatura, a vacinação e a alimentação, sem fazer com que o animal se movimente muito. Com isso, melhoramos o ganho de peso e a qualidade da carne ou do leite.

Marcos: Quais os principais serviços meteorológicos disponíveis aos produtores?
Glauco:
O ideal seria que os produtores tivessem uma estação meteorológica na propriedade, mas isso demandaria alto investimento. Se ele tiver alguns instrumentos básicos, e até mais acessíveis, como um recipiente que sirva como pluviômetro e um conjunto de termômetros no qual consiga medir temperaturas máximas e mínimas, já teria uma grande ajuda. Agora, se fosse possível medir a evaporação e a radiação solar, seria ótimo, mas demandaria cálculos e equipamentos que nem sempre o produtor está apto ou tem. Por isso, seria melhor contratar os serviços de um profissional, como o engenheiro agrônomo ou o zootecnista, com experiência em agrometeorologia. Para reduzir custos, isso poderia ser cotizado entre os produtores ou mesmo por meio de cooperativas, que já disponibilizam equipe técnica aos cooperados.

Marcos: O uso da agrometeorologia torna agricultura mais sustentável?
Glauco:
Sim, e vale ressaltar o uso da meteorologia de forma geral. O meteorologista também pode ajudar, pois vê o tempo e não a planta. Com isso consegue, por meio de equações matemáticas, fazer uma previsão climática. Já a agrometeorologia não está preocupada com a previsão do tempo. Ela utiliza informações que podem ser coletadas por meteorologistas e traduz isso para o sistema de produção, seja ele animal ou vegetal. Isso começa a partir da escolha da melhor variedade da cultura desejada, que esteja bem adaptada ao clima da região onde será cultivada, por exemplo.

Marcos: O que é preciso levar em conta?
Glauco:
Primordialmente, as condições climáticas do local de produção: como as plantas ou os animais vão se adaptar a esse clima. Além disso, é preciso ter um levantamento mínimo das condições por um determinado período, para não ter surpresas no meio da safra. Outro fator importante é conhecer os índices pluviométricos médios da região escolhida, o que permite determinar as melhores épocas de semeadura e, combinadas com a seleção das variedades mais adaptadas a essa situação, estimar com boa chance de acerto a época de colheita.

Marcos: Qual o desafio do uso da água nos sistemas produtivos?
Glauco:
O conhecimento científico gerado nas últimas décadas comprova ser possível usar a água com racionalidade e sem desperdício. Quando começamos a usar irrigação na agricultura não estávamos preocupados com qual era a eficiência ou se havia desperdício. Até porque a água jogada na terra, de uma forma ou de outra, se não for absorvida pela planta, chegará ao lençol freático e voltará para seu ciclo natural. Porém, ela passa a ser desperdício quando jogada em excesso, pois pode causar erosão do solo e assoreamento de rios próximos. Outro ponto a ser superado são as retiradas aleatórias e em excesso, que vemos hoje em vários pontos do Brasil, como por exemplo, no rio São Francisco. É preciso ser ecologicamente correto, manter os limites nas margens dos rios e utilizar somente a água necessária no processo de produção agrícola.

Marcos: Como fazer isso?
Glauco:
Com a utilização de equipamentos de irrigação dotados de novas tecnologias, mais eficientes, e escolhendo o tipo certo de sistema de irrigação para cada tipo de cultura, como o gotejamento, por exemplo, que leva água direto para cada planta. 

Marcos: Por que este processo é importante?
Glauco:
Nosso planeta quase não tem água potável. Dos 75% de sua superfície coberta por massas líquidas, apenas 3% é de água doce. Desses 3%, cerca de 0,2% estão disponíveis para utilização humana e produção de alimentos. Então, voltando a uma anomalia climática como a estiagem de 2014, este fato acendeu um alerta para que o homem use a água de forma racional e, em paralelo, busque formas para reutilizar esse recurso proveniente das chuvas, de sistemas produtivos ou mesmo do esgoto. Outro ponto essencial é fazer a divisão e a cobrança por este bem tão precioso da melhor forma possível.

Marcos: De que forma pode ser feita esta divisão?
Glauco:
A água que existe hoje na Terra é a mesma que sempre existiu, nunca aumentou ou diminuiu. Teremos que buscar sistemas cada vez mais eficientes na forma de utilizar a água e aumentar a conscientização da população nas áreas urbanas e rurais. Israel, que fica no meio do deserto, é um bom exemplo. O país tem uma elevada produtividade agrícola e cidades altamente tecnológicas. Em alguns lugares, a água salgada é dessalinizada. É um processo caro, mas possível. Por lá, o uso da água não é controlado, porém, como o recurso é escasso, é consumido de forma consciente, usando somente o que é necessário. 

Parceiro educacional

“Durante a Agrishow 2016, como diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag/RP), tive a honra de acompanhar a cerimônia promovida pela Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (Aeasp), que reconhece a atuação dos principais profissionais de Agronomia do ano. Na ocasião, Glauco Cortez foi homenageado por sua sólida e relevante contribuição na área do ensino. Foi justamente por causa da educação que tive a satisfação de conhecê-lo. Ele tem sido um grande parceiro do Programa Educacional Agronegócio na Escola, da Abag/RP. Esse bate-papo foi gratificante, pois tive a oportunidade de debater assuntos de relevante importância não apenas para os produtores rurais, mas para toda a sociedade. Trata-se de uma discussão que sempre gera controvérsias, mas com profundo conhecimento, o professor Glauco conseguiu dirimir mitos e quebrar paradigmas.” Marcos Matos, diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). 

Texto: Rose Rubini
Fotos: Júlio Sian

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