Jardim Aeroporto: um bairro "improvisado"

Jardim Aeroporto: um bairro "improvisado"

Carente em distintos aspectos, o Jardim Aeroporto segue como um retrato da precariedade em Ribeirão Preto, mas conta com solidariedade e o trabalho de voluntários e líderes comunitárias

Texto: Angélica Moraes e Silvia Pereira

 

A área de aproximadamente 34,78 hectares que hoje abriga o Jardim Aeroporto – segundo dados da Prefeitura de Ribeirão Preto – fazia parte, até o início do século 20, da Fazenda das Palmeiras, de propriedade dos irmãos Matheus e Vicente Manoel dos Reis. Quem conta é o historiador José Antonio Correa Lages, em seu livro “Ribeirão Revisitada”. 


O primeiro polo de atração para a área foi a inauguração, em 1939, do Aeroclube de Ribeirão Preto — embrião do aeroporto que ganharia o nome de um de seus fundadores, o médico ribeirãopretano Luiz Leite Lopes. A ocupação do espaço por moradores demorou mais. Na Prefeitura de Ribeirão Preto, consta que o loteamento Jardim Aeroporto foi aprovado na data de 4 de agosto de 1953. No início dos 1960, os primeiros moradores se instalaram ao redor do aeroporto, de forma improvisada. 


A família de Terezinha da Silva Leite, hoje com 82 anos, está entre as primeiras a se instalarem. Em 1973, ela adquiriu com o marido, Antônio Leite, um terreno na quadra 05, lote 12, onde construíram uma moradia muito básica para abrigar os seis filhos. “Quando cheguei aqui, era um matagal. Tinha muitos bichos. A gente tinha que tirar cobras de cima das camas para dormir. Não tinha bar, supermercado, nada, era preciso ir ao Quintino fazer compras. E como não tínhamos carro, era a pé mesmo”, conta. Sem energia elétrica, a família garantia a iluminação com lamparinas, que abasteciam com diesel comprado em um posto de combustíveis, também longe de casa. E sem sistema de água e esgoto, armazenavam água das chuvas para beber e preparar os alimentos.

 

Trechos da história


Rosângela Antônio Leite, 52 anos, nora de Terezinha, uma das atuais líderes comunitárias do Jardim Aeroporto conta porque os primeiros terrenos do loteamento foram vendidos sem nenhuma benfeitoria. “Quando os antigos proprietários foram começar a vender os lotes, viram que tinha sem-teto invadindo. Para não perder terrenos, começaram a vender baratinho. Foi quando eu comprei”, conta. Outras famílias foram atraídas pelo mesmo motivo ao longo da década de 1980, vindas principalmente do Nordeste, lembra Rosângela. 


O loteamento não impediu as invasões, que passaram a ocorrer dentro de uma mata vizinha. Foi como surgiu a primeira das oito comunidades atualmente existentes na região do Jardim Aeroporto, não por acaso chamada Favela da Mata. “Até hoje ainda tem invasão aqui”, conta Rosângela. Segundo dados do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), de 2018, uma grande parcela do bairro é formada por assentamentos precários, compostos, até aquela data, por 949 moradias improvisadas.

 


Dona Terezinha da Silva Leite foi uma das primeiras moradoras do loteamento que veio a se tornar o Jardim Aeroporto

 

Urbanização


Um novo boom populacional voltou a ocorrer na década de 1990, muito graças ao início da urbanização, para a qual contribuiu a luta de muitos líderes comunitários, entre eles a mãe de Rosângela, Elza Vitor dos Santos, uma semianalfabeta com um talento nato para a liderança. 


Rosângela mostra, orgulhosa, fotos dela ao lado de políticos locais nos eventos periódicos que organizava para a criançada do bairro. Dona Elza ia atrás de ajuda para as famílias mais carentes, mesmo sendo também muito pobre, e importunava os políticos pedindo infraestrutura para o bairro. Eventualmente, elas começaram a chegar, sob a administração de diferentes prefeitos.

 


Rosângela herdou da mãe, Elza, tendência à liderança comunitária: ‘somos pobres ajudando outros pobres’


“O Gasparini colocou água e a luz. O Jábali começou a colocar o asfalto. Depois disso, a vereadora Delvita Pereira Alves veio pedir voto e trouxemos ela para nos ajudar”, lembra Rosângela, que herdou da mãe e passou para a filha, Josimara Leite, o impulso de ajudar quem mais precisa dentro da própria comunidade. “Somos pobres ajudando outros pobres”, comenta. Hoje, a casa de ambas sedia dois projetos sociais: o “Maria Sai do Pote” e o “João e Maria”, que provê atenção à infância carente do bairro por meio de atividades lúdicas e ocupacionais que as impedem de ficar na rua.

 


Na casa alugada pela família, Josimara atende crianças carentes no projeto ‘João e Maria’


Eventualmente, o Jardim Aeroporto passou a receber aparelhamento urbano: na parte da Educação, a CEI (Centro de Educação Infantil) Professor Hortêncio Pereira da Silva, a EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) Teresa Hendrica Antonissen e a EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Jaime Monteiro de Barros, que atendem, juntas, 1.500 alunos, segundo dados da Prefeitura de Ribeirão Preto. Mas ainda falta uma de Ensino Médio, segundo Josimara, que tem pressionado lideranças políticas com pedidos para instalação de uma EJA (Escola para Jovens e Adultos) no bairro. 


Na área de Saúde, a população conta hoje com a UBS (Unidade Básica de Saúde) Jardim Aeroporto, mas para líderes comunitárias ouvidas pela reportagem ainda faz falta um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Questionada, a Secretaria da Assistência Social da Prefeitura respondeu que o CRAS-6, instalado no Jardim Florestan Fernandes, atende às famílias do Jardim Aeroporto.

 

Mercado imobiliário 


De acordo com o último Censo do IBGE, o bairro possui 16.103 habitantes. Segundo dados da Prefeitura, possui 20 vias, entre ruas e avenidas, e faz divisa com os loteamentos Jardim das Palmeiras e Vila Hípica. Seu mercado imobiliário é formado, de acordo com o empresário Edalberto Lopes Faria Ramalho, da Sonia & Ramalho Imóveis, por imóveis comerciais e residenciais, com predominância dessa última modalidade. “Para venda, a faixa de valores dos imóveis negociados vai de R$ 180 a 280 mil. Para locação, são negociados imóveis com aluguéis de R$ 1.000 a R$ 1.500”, informa.


Ramalho acrescenta que, graças à anunciada internacionalização do Aeroporto Leite Lopes, o mercado imobiliário no bairro está “com perspectiva muito boa em curto e médio prazo”, já tendo ocorrido uma valorização por conta da notícia. 


Ele confirma, porém, que ainda ocorrem invasões de grandes áreas por lá. “Nossa empresa mesmo já teve frustradas algumas negociações por conta desse problema. Ali tem um grande conglomerado de comunidades carentes, que, esquecidas pelo poder público, acabam invadindo terrenos particulares para fins de moradia improvisada. E promover a desocupação dá muito trabalho. É preciso entrar com processo judicial, que costuma demandar tramitação de três a cinco anos até a decisão final, que nem sempre resulta em sentença pela desocupação”, conclui. 

 


 

 Confira mais sobre o Jardim Aeroporto e outros bairros de Ribeirão Preto na editoria "Nosso bairro, nossa história".

 


Fotos: Luan Porto

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