Corrida pela vacina

Corrida pela vacina

Municípios e empresas privadas travam batalhas políticas, econômicas e judiciais contra o governo federal pela compra das vacinas

Texto: Paulo Apolinário


A vacina contra a Covid-19 é um dos produtos mais cobiçados em todo o mundo neste momento. Além do evidente interesse em salvar vidas, o medicamento se tornou um valioso recurso político e econômico. Essa briga de potências globais tem reflexos no cenário local. Ribeirão Preto, ao lado de outros municípios brasileiros, entrou na disputa pela aquisição do imunizante contra o novo coronavírus. No início de março, a Câmara Municipal deu o aval para a Prefeitura adquirir as vacinas por conta própria caso o governo federal descumprisse o que estava previsto no Plano Nacional de Imunização (PNI). A medida toma como base uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, “diante do cenário calamitoso de ineficiência do governo federal e do Ministério da Saúde em controlarem a pandemia e conduzirem o plano de imunização nacional, determinou que os municípios podem ter autonomia na compra dos imunizantes e assim garantirem que suas populações sejam protegidas”.

Além disso, foi aprovado protocolo de intenção para a compra de vacinas elaborado pela Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). O documento faz parte de um acordo firmado entre municípios brasileiros com a finalidade de adquirir imunizantes para combate à pandemia, medicamentos, insumo e equipamentos na área da saúde. A intenção é dar suporte aos municípios caso o PNI não consiga suprir a demanda de vacinas. O documento foi idealizado durante reunião da FNP no dia 1º de março. O prefeito Duarte Nogueira (PSDB) esteve presente. “O consórcio não é para comprar imediatamente, mas para termos segurança jurídica no caso de o PNI não dar conta de suprir toda a população. Nesse caso, os prefeitos já teriam alternativa para isso”, esclareceu o ex-prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), presidente da FNP. Jonas reforçou que a primeira tentativa será para que os municípios não precisem desembolsar nada para a aquisição das vacinas.

Preparando-se para uma possível compra, a Prefeitura de Ribeirão Preto publicou, no dia 7 de abril, um decreto que destina recursos para a aquisição de vacinas pelo município. O projeto autoriza a criação de uma conta corrente do município no Banco do Brasil especificamente para a compra dos imunizantes. A conta recebeu um aporte de R$ 25 milhões. “Não são recursos federais, estaduais ou da iniciativa privada. São recursos dos contribuintes e da cidade de Ribeirão Preto, objeto de economia das nossas secretarias”, declarou Nogueira. O decreto delimita que o valor seja gasto até o dia 30 de novembro de 2021 com as vacinas. Caso haja saldo após esse período, o recurso terá destinação livre pelo governo municipal. De acordo com o prefeito, o preço médio das doses gira em torno de dez dólares. Com a quantia que será depositada, o município teria potencial para adquirir 500 mil doses. No momento, o governo federal ainda detém o monopólio de compra de vacinas em todo o país. Contudo, segundo o prefeito, o decreto deixa o município preparado para quando um espaço surgir. “Se tiver uma brecha, por menor que seja, nós estaremos preparados. Não querermos excluir o governo federal, queremos apenas reduzir a morosidade que o Plano Nacional de Imunização está impondo aos brasileiros”, ressaltou Nogueira. A reportagem solicitou informações atualizadas da Prefeitura sobre o andamento das tratativas para a compra das vacinas, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

INICIATIVA PRIVADA

Além das prefeituras, a iniciativa privada também está de olho na compra das vacinas. A princípio, segundo projeto aprovado pelo Senado e sancionado pelo governo federal, as clínicas privadas poderão comprar as vacinas somente após a vacinação dos grupos prioritários pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda assim, após esse período, as clínicas deverão doar 50% das doses adquiridas ao sistema público de saúde. A Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABVAC) tem encampado essa disputa política buscando saídas mais viáveis para as clínicas. De acordo com a associação, a decisão do governo trata-se de uma “transferência de obrigação” para o setor privado. Enquanto os detalhes da abertura para esse setor são discutidos, as clínicas já se preparam para a aquisição dos imunizantes.

Em Ribeirão Preto, Marcelo Roveri, diretor médico da clínica ProntoVacin, conta que, mesmo ainda não sendo liberado, já há procura pelas vacinas desde o início do ano. Ademais, ele acrescenta que o local tem se preparado para a chegada dos medicamentos. “Inclusive, temos um compromisso de compra e venda desde janeiro com a vacina indiana [Covaxin], mas até o momento não foi liberada. Se for liberada, nós temos condições de fazer uma campanha tanto na clínica quanto no local externo, fazer um drive thru e fornecer um espaço mais acessível para a população”, explicou Marcelo.  Já o médico Éder Minari, da VaciClínica, não vislumbra uma data exata para a compra das doses. Éder ressaltou que, no momento, somente a vacina Pfizer/BioNtech possui registro para uso definitivo, sendo assim possível sua comercialização. “Apesar dos esforços dos governamentais, há uma forte demanda interna nos países produtores e uma escassez de vacinas em todo o mundo. A expectativa fica para o segundo semestre quando haverá uma oferta maior de vacinas, com outras obtendo o registro para uso definitivo, guia de importação, aprovação dos preços, e toda parte regulatória, e o que é mais importante e não depende do governo: a disponibilidade do produto”, argumentou o médico. 

MAIS DOSES

De acordo com o Vacinômetro do Governo do Estado de São Paulo, foram aplicadas 169.985 doses em Ribeirão Preto, sendo que 60.386 pessoas receberam o reforço. O total de pessoas imunizadas equivale a 8,4% da população ribeirãopretana. Em números gerais, o município ocupa a sexta colocação no Estado. Porém, em cobertura vacinal da primeira dose, ou seja, a quantidade de pessoas que receberam a primeira dose em relação à população, Ribeirão Preto aparece no 348° lugar entre os 645 municípios paulistas. Até o fechamento desta edição, a cidade recebeu 193 mil doses. A diferença de cerca de 24 mil é reservada para garantir a aplicação da segunda dose e para a aplicação nas faixas etárias que já possuem agendamento aberto. 

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