Luta por direitos
Advogado Daniel De Lucca

Luta por direitos

Dia do Trabalho ressalta a importância da luta por direitos e melhores condições de trabalho em todo o mundo; Daniel De Lucca e Castro, especialista em direito trabalhista, debateu o cenário atual

O Dia do Trabalho, 1º de maio, é comemorado em todo o mundo como uma homenagem aos trabalhadores e à luta por melhores condições de trabalho. A data lembra uma sequência de manifestações em prol da jornada de oito horas de trabalho, que aconteceram em Chicago, nos Estados Unidos, em maio de 1886. No confronto com a polícia, muitos manifestantes morreram. Para analisar o cenário atual, ouvimos Daniel De Lucca e Castro, que é sócio-advogado do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia e coordenador da área trabalhista. O advogado falou sobre o Programa Emprega + Mulheres, um importante marco para a inserção e manutenção de mulheres no mercado de trabalho. Além disso, o especialista abordou temas como trabalho on-line, direitos e deveres dos trabalhadores e dos empregadores e o que configura trabalho escravo.

 

Como o Emprega+Mulheres (lei nº 14.457/2022) pode ajudar a promover a igualdade de gênero no mercado de trabalho?

O Programa Emprega + Mulheres tem por escopo incentivar a inclusão e a permanência de mulheres no mercado de trabalho. Para isso, aprovou medidas que encorajam as empresas a contratar, capacitar e promover mulheres. As medidas incluem flexibilidade no horário de trabalho, prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência, e incentivo à qualificação em áreas estratégicas. A lei também prioriza a alocação de vagas para trabalhadores com filhos menores de seis anos em atividades que possam ser realizadas remotamente e permite a antecipação de férias individuais para mães de crianças com até dois anos. O programa inclui, ainda, outros pontos complementares, como o apoio ao microcrédito para mulheres, por exemplo.

 

Quais são as principais mudanças trazidas por essa lei em relação à licença-maternidade?

A lei amplia a licença-maternidade em empresas cidadãs em mais 60 dias. Essa extensão pode ser compartilhada com o pai se ele também trabalhar em uma empresa cidadã. No caso das mães, os 60 dias ainda podem ser substituídos por 120 dias com meia-jornada. Ainda, mediante requisição formal do empregado interessado, o empregador poderá suspender o contrato de trabalho do empregado com filho, cuja mãe tenha encerrado o período da licença-maternidade para prestar cuidados e estabelecer vínculo com os filhos, para acompanhar o desenvolvimento deles e apoiar o retorno da esposa ou companheira ao trabalho.

 

Como funciona o processo de denúncia em caso de discriminação de gênero no ambiente de trabalho?

A legislação estabelece medidas para criar um ambiente de trabalho mais saudável e seguro para as mulheres. Para isso, as empresas devem adotar ações no sentido de incluir regras de conduta nas normas internas para combater a violência em todas as suas formas, estabelecer procedimentos para o recebimento e o acompanhamento de denúncias, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos aplicáveis, incluir temas relacionados à prevenção e ao combate ao assédio nas atividades e práticas da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), e, principalmente, realizar ações de capacitação, orientação e sensibilização dos empregados e empregadas de todos os níveis hierárquicos sobre temas relacionados à violência, assédio, igualdade e diversidade no trabalho, no mínimo, a cada 12 meses.

 

Como as empresas podem garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores que realizam trabalho remoto?

Partindo do pressuposto que estamos tratando de uma relação de trabalho subordinado, o conceito de trabalho remoto, ou teletrabalho, é trazido pelo artigo 75-B, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que o considera como sendo ‘a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo’. Tal forma de trabalho deve constar de um instrumento escrito, sendo certo, também, que existe todo um conjunto de normas, desde a Constituição Federal de 1988, passando também por legislação infraconstitucional, que garante ao trabalhador um meio ambiente de trabalho seguro, impondo-se ao empregador o dever de assim proporcionar. Portanto, tendo o empregador tal responsabilidade, o nosso conselho é para que forneça a estrutura adequada para o trabalho remoto, quer em termos de equipamentos, quer em termos de estrutura/ergonomia, inclusive treinamentos. Tais condições devem ser pactuadas por escrito, contribuindo, assim, para a prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

 

O que pode ser considerado acidente de trabalho quando se atua em home office? Como a empresa e o funcionário devem agir nesses casos?

O trabalhador pode, em decorrência de falta de estrutura adequada para o exercício do trabalho remoto do ponto de vista da ergonomia, adquirir Lesão por Esforço Repetitivo (LER). Aqui, lembramos que o trabalho é exercido ‘longe’ dos olhos do empregador e isso impõe, no nosso entendimento, ainda mais atenção com tais aspectos. Fato é que qualquer problema de saúde daí advindo deve ser imediatamente comunicado ao empregador, a fim de que o mesmo cumpra com as suas obrigações, dentre elas, a emissão de Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT), por exemplo.

 

Muito se discute sobre a regulamentação dos entregadores por aplicativo. Na sua opinião, é possível conciliar garantias para os trabalhadores e obrigações para empresas, como contribuição para a previdência, sem que haja a formalização do vínculo empregatício? Ou a carteira assinada seria a solução?

Este é um assunto complexo, mas é certo, e nisso ninguém diverge, que é uma classe de trabalhadores sem qualquer tipo de assistência. Importante dizer que a Justiça do Trabalho ainda não firmou jurisprudência sobre a natureza deste tipo de prestação de serviços. Se por um lado há autonomia dos entregadores em escolher o dia e o horário de trabalhar, assumindo, também, o risco e o custo do veículo utilizado no trabalho, há, de outro lado, àqueles que defendem a existência do trabalho subordinado nos termos previstos no artigo 3º da CLT. A linha é tênue. Sem se adentrar nessa discussão e respeitando ambos os posicionamentos, é fato que o poder público, leia-se Executivo e Legislativo, não pode continuar se omitindo. O que se lê é que algumas plataformas já deixaram de oferecer o serviço em nosso país, pois não há segurança jurídica também para elas. Talvez fosse interessante, enquanto não há a regulamentação sobre o assunto, exigir do motorista por aplicativo, no ato do cadastro e, para mantê-lo, que o mesmo seja contribuinte individual perante a Previdência Social, arcando com o recolhimento previdenciário. Ou, ainda, que as plataformas assumam parte deste custo. Digo isso para que os motoristas tenham o mínimo de proteção previdenciária em caso de acidente, por exemplo.

 

A lei das domésticas é um importante marco no direito trabalhista brasileiro. Porém, não é raro vermos casos de patrões que conseguem burlar essa legislação. Em algumas situações, se aproximando de um trabalho análogo à escravidão. Quais seriam sinais de alerta na relação empregador-doméstica? O que passa do limite do que é aceito pela legislação atual e adentra no abuso?

Podemos pensar em diversas formas de abuso. Abuso no elastecimento sistemático da jornada de trabalho, sem o correspondente pagamento das horas extras, proibição da pausa para descanso e refeição, retenção de parte do salário como forma de compensar supostas dívidas com alimentação oferecida pela família, excesso de pedidos de ‘favores’ para que a empregada trabalhe nos dias destinados ao descanso semanal. Há casos ainda mais graves em que ‘brincadeiras’ passam do limite e caracterizam verdadeiros casos de assédio moral e sexual. Não é demais ressaltar que, além da proteção conferida pela Justiça do Trabalho, a violência cometida contra empregada doméstica também encontra amparo na Lei Maria da Penha.


Foto: Arquivo Revide

Compartilhar: