Testes genéticos preditivos auxiliam na detecção de doenças e no diagnóstico precoce

Testes genéticos preditivos auxiliam na detecção de doenças e no diagnóstico precoce

Testes que exploram ancestralidade, saúde e bem-estar para uso pessoal, já estão disponíveis aos consumidores; especialistas debatem os limites e os cuidados éticos

Na vanguarda da Medicina personalizada, os testes genéticos preditivos têm se mostrado promissores ao salvar vidas e antecipar tratamentos com o acompanhamento profissional adequado. Cada indivíduo é único, e essa unicidade é, em grande parte, determinada pelo DNA.

 

Os pontos específicos de material genético presentes em cada pessoa contêm informações sobre o organismo e influenciam características físicas, como cor dos cabelos, tom de pele, predisposição à calvície e à obesidade, bem como as chances de desenvolver doenças como câncer e diabetes. 


No cenário dos avanços tecnológicos e científicos, tornou-se possível mapear as características genéticas de cada indivíduo. A crescente popularidade dos testes genéticos preditivos possibilita uma tomada de ação mais informada em relação à saúde e bem-estar, possibilitando medidas preventivas personalizadas.

 

Esses testes, que exploram ancestralidade para uso pessoal, já estão disponíveis, sem necessidade de prescrição médica. Apesar do horizonte de possibilidades, ainda há certa controvérsia sobre a relevância de alguns testes. Especialistas ponderam que é necessário cautela na oferta desse serviço puramente como mercadorias por alguns laboratórios.


Laura Diniz Vagnini, farmacêutica bioquímica, é a responsável técnica e diretora de operações no laboratório Centro Paulista de Diagnóstico, Pesquisa e Treinamento (CPDP). Ela ressalta que esse é um tema que precisa de atenção, pois o paciente precisa estar ciente do que será investigado na sua amostra de sangue, quais serão as possibilidades de resultados e que a interpretação do resultado tem que ser feita por um profissional capacitado.

 

“Os principais benefícios para que esses testes sejam oferecidos é a possibilidade de prevenção de doenças a partir de um tratamento assertivo”, destaca Laura Vagnini

 

Para esses testes, explica Laura, é necessário que o paciente assine um consentimento informado que estão claras as informações sobre o teste que está se submetendo e aos resultados que serão informados, pois deve-se respeitar o direito do paciente em não querer ser informado de algum resultado.

 

“Os principais benefícios para que esses testes sejam oferecidos é a possibilidade de prevenção de doenças a partir de um tratamento assertivo, mas vale ressaltar aqui a importância de não se utilizar essas tecnologias de forma indiscriminada”, pontua a especialista. Além dos testes já mencionados, o CPDP ainda realiza testes em gestantes e bebês. Esses exames podem identificar predisposições ao aborto, além de uma triagem neonatal capaz de analisar 287 genes associados a mais de 340 doenças tratáveis no recém-nascido.


Daniel Dentillo, biomédico, PhD em genética e diretor de um laboratório em Ribeirão Preto, explica que os testes genéticos preditivos conseguem identificar “potenciais” em cada pessoa. “Esse potencial pode ser desde uma predisposição à diabetes e a uma maior necessidade de vitaminas, como também uma maior capacidade de realizar exercícios de alta intensidade por mais tempo. Isso ajuda a personalizar alimentação e os treinamentos”, detalha.

 

Todos os dados gerados a partir desses testes, desde informações simples, como cor de cabelo, até dados sensíveis, como doenças genéticas mais graves, devem ser armazenados com segurança em um banco de dados. Isso porque, na era da informação, dados com esse nível de sensibilidade podem ser usados para diversos fins imorais, como, por exemplo, evitar que uma seguradora tenha de cobrir certas despesas, que um banco conceda um empréstimo de longo prazo. Ou, simplesmente, para constranger o dono daquele genoma mapeado.

 

Por isso, Dante Gávio, doutor em genética e sócio de Danilo, reforça a necessidade de uma atuação ética e segura. “A ética está atrelada ao sigilo quanto às informações genéticas dos pacientes e à execução do teste estritamente para a finalidade à qual ele foi vendido. A privacidade do paciente deve ser preservada de qualquer maneira”, comenta Gávio.

 


Danilo Dentillo e Dante Gávio, sócios em um laboratório, explicam como os testes preditivos podem ajudar no tratamento precoce de doenças 

 

Bioética


Laura enfatiza que o profissional deve se valer os princípios bioéticos da beneficência e não maleficência, ou seja, mensurar as vantagens desses testes para o indivíduo contrapondo o impacto que um resultado positivo pode acarretar na sua saúde mental.

 

“A questão da privacidade é outro ponto delicado e conflitante, pois, a partir do momento que o indivíduo tem conhecimento de alguma alteração genética de origem hereditária, se faz necessário, pelo ponto de vista médico, informar a família dessa alteração, pois, muitas vezes, os familiares podem ser beneficiados com essa descoberta”, pontua.

 

Por outro lado, o paciente tem o direito de não querer informar seus dados genéticos para os familiares, o que gera um conflito ético relevante. “Nesse campo, entra o direito legal. As leis precisam estar claras para que os indivíduos que se submetem a testes genéticos e têm resultados que podem afetar seus familiares tenham a obrigação moral de informar os mesmos, para que esses sejam beneficiados através da prevenção ou tratamento de uma determinada doença”, acrescenta Laura. 


Victor Evangelista de Faria Ferraz, médico geneticista e professor do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), ressalta que os testes preditivos podem ser utilizados em diferentes áreas da Medicina, mas sem perder de vista seu uso ético pelos profissionais.

 

Dentre as áreas de aplicação, o docente destaca as síndromes de predisposição hereditária ao câncer e doenças neurológicas genéticas de aparecimento tardio. A detecção de variações familiares causadoras de predisposição ao câncer de mama, por exemplo, permite antecipar exames de vigilância, como mamografia, ou mesmo indicar exames mais complexos, como ressonância magnética, e, eventualmente, até apoiar a indicação de cirurgias redutoras de risco, como, por exemplo, a retirada de mama ou ovários.

 

“Por outro lado, nem sempre podemos, ainda, fazer algo que mude o desenvolvimento da doença, como em algumas doenças neurológicas de aparecimento tardio, mas a informação pode ser importante para tomada de decisões em outros campos e mesmo para eventuais tratamentos que possam se desenvolver no futuro”, avalia Ferraz.

 


Victor Ferraz destaca que os testes preditivos podem ser utilizados em diferentes áreas da Medicina, mas sem perder de vista seu uso ético pelos profissionais

 

Pesquisas em andamento


Ribeirão Preto é uma referência quando o assunto é a pesquisa genética no país. Existem grupos no complexo FMRP e no Hospital das Clínicas (HCRP), ambos da USP, que estão trabalhando com doenças nas quais o teste preditivo é um recurso importante.

 

Entre eles, o grupo de Aconselhamento Genético do Câncer ligado ao Departamento de Genética da FMRP, com atuação clinica dentro do HCRP, que investiga as síndromes de predisposição hereditária a câncer. Outro exemplo é o grupo de Neurogenética, ligado ao Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP, que, há anos, atua no campo científico e clínico, junto ao HCRP, em doenças neurológicas de causa genética, muitas delas, de aparecimento tardio.

 

Por fim, o grupo de Oncologia Clínica, ligado ao Departamento de Imagens Médicas, Hematologia e  Oncologia Clínica da FMRP, atuando na investigação da susceptibilidade genética a câncer de mama, câncer renal e outros, na população brasileira. 

 

Cuidados éticos

O professor e médico geneticista Victor Ferraz elencou alguns cuidados éticos importantes com os testes genéticos preditivos.

 

– A privacidade do teste deve ser preservada sempre. Há implicações importantes por exemplo, nos planos de saúde.

 

– O teste sempre deve ser consentido explicitamente, sempre realizado de livre espontânea vontade, após esclarecimento sobre o que é realmente o exame e que tipo de resultado e impacto pode trazer.

 

– Testes genéticos preditivos em crianças só devem ser realizados para doenças em que o acometimento seja na infância, ou que uma intervenção nessa idade possa mudar o que vai acontecer no futuro.

 

– O laboratório precisa ter uma política clara sobre a guarda e uso do material genético e os dados que foram obtidos, garantindo sigilo e anonimato.


Foto destaque: Freepik

Compartilhar: