Americanas: shareholders versus stakeholders

Americanas: shareholders versus stakeholders

Na obra que escrevi, intitulada “Gestão de Organizações: teoria e prática”, disponível na Amazon, comento sobre o conflito de interesses entre os shareholders e os stakeholders. O gestor financeiro de uma empresa [Chief Financial Officer (CFO), em inglês], que deve prestar contas diretamente ao diretor executivo [Chief Executive Officer (CEO), em inglês] e indiretamente aos acionistas (shareholders, em inglês), tem como principal objetivo a maximização do investimento feito por eles. De forma simples e objetiva, deve adotar estratégias para que a empresa obtenha o maior lucro possível.

P
or outro lado, na busca pela lucratividade, o gestor financeiro também deve estar preocupado com os interesses dos stakeholders, que são as pessoas físicas e jurídicas que possuem algum tipo de interesse direto (clientes, fornecedores, instituições financeiras, funcionários e governo) ou indireto (comunidades próximas e sociedade como um todo) com a empresa.

A teoria, que infelizmente é muitas vezes esquecida na prática, ensina que é imprescindível que o gestor financeiro busque formas de maximizar o lucro da empresa sem prejudicar os interesses dos stakeholders, pois, caso sejam adotadas medidas que os prejudiquem, o lucro pode até aumentar no curto prazo, mas, com certeza, pode ficar comprometido no longo prazo. Acredito que é isso que ocorreu no caso das Americanas, cuja situação está sendo amplamente divulgada pela mídia.

Segundo Fabio Alperowitch, em matéria publicada pela Capital Reset, os executivos de alto escalão da Americanas, durante anos, supostamente, fraudaram as demonstrações financeiras da empresa, ocultando um rombo colossal, trazendo vultosos prejuízos a centenas de milhares de acionistas, debenturistas, credores, fornecedores, cotistas dos fundos imobiliários que detêm suas lojas e aos executivos que possuíam parcela relevante de suas reservas em planos de incentivo, além de colocar em risco o emprego de mais de 40 mil pessoas. Lembrando da teoria que citei, na busca pelo lucro a qualquer custo, esqueceram-se de levar em conta os interesses dos stakeholders.

Alperowitch afirma que o ocorrido pode ter relação com a cultura organizacional da empresa, portanto, é um tema que precisa ser debatido – sob o risco de continuarmos nos deparando com histórias semelhantes. Para amparar sua afirmação, ele comenta que consta no site da Americanas que um de seus valores é “ser obcecado por resultados”. Segundo definição do dicionário Michaelis da língua portuguesa, obcecado significa “cego; que está com a razão sem discernimento; que insiste no erro; apegado a uma ideia fixa de maneira irracional”.

“Não é difícil concluir que, se o valor da empresa é a obsessão por resultados, assim será sua cultura e, portanto, sua prática. A busca pelo resultado a qualquer custo inclui passar por cima dos interesses dos stakeholders para atender interesses próprios, muitas vezes negligenciando integridade e ética”, comenta Alperowitc.

O autor também comenta que o capitalismo está passando por uma transição muito importante, mas que eu acredito que deve, efetivamente, sair da teoria e passar a ser colocada em prática: a transição da versão mais hostil do capitalismo (shareholder capitalism) para um sistema em que empresas contemplam seus stakeholders nos processos decisórios (stakeholder capitalism). Provavelmente, segundo Alperowitc o debate ESG só encontrou espaço para reverberar por conta dessa transição.

“Em 2019, a FAMA Investimento comunicou que estava zerando sua exposição em Americanas, entre outras coisas, por questões ESG, ligadas a relações nada sadias com seus fornecedores e opacidade das demonstrações financeiras, além de dificuldade de acesso à companhia. A postura da companhia, escancarada na última semana, não passava despercebida a um olhar ESG mais atento, que busca, além dos números, entender como uma companhia se relaciona com seus stakeholders, sua cultura e governança”, conclui Alperowitc.

Caso não conheça o significado e a importância da ESG, um tema contemporâneo no mercado corporativo, convido você a ler dois textos que postei em meu Blog que tratam disso. Basta clicar nos links:

Balanço Social: a ferramenta para formalizar ações voltadas à ESG

A importância da ASG para a sobrevivência das empresas

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