"O agro do futuro já começou"

"O agro do futuro já começou"

Professor da USP e referência internacional em agronegócio, Marcos Fava Neves fala sobre inovação, sustentabilidade e o protagonismo do Brasil na produção de alimentos para o mundo

Ribeirão Preto recebe, em junho, um dos mais importantes encontros internacionais sobre o futuro do agronegócio. Pela primeira vez no Brasil, a conferência anual da International Food and Agribusiness Management Association (IFAMA) será sediada, entre os dias 23 e 26 de junho, no Centro de Eventos do RibeirãoShopping, em Ribeirão Preto. A escolha da cidade não é casual: encravada no coração de uma das regiões agrícolas mais produtivas do planeta, a metrópole do interior paulista se consolidou como um polo de inovação, conhecimento e negócios ligados ao setor.

 

A IFAMA reúne líderes globais do agro, executivos, pesquisadores, formuladores de políticas públicas e jovens talentos, com o objetivo de debater os grandes temas que movem a cadeia de alimentos, fibras e bioenergia. Sustentabilidade, transição energética, segurança alimentar, digitalização e novos modelos de negócios estarão no centro das discussões em 2025, ano estratégico para a consolidação de práticas que levem o planeta a cumprir as metas de neutralidade de carbono (um dos gases a contribuírem para o aquecimento global), ao mesmo tempo em que se busca alimentar uma população que deve ultrapassar os 8 bilhões de pessoas.

 

Entre os nomes que encabeçam esse movimento está o professor Marcos Fava Neves, um dos idealizadores da vinda da IFAMA ao Brasil. Com mais de três décadas dedicadas ao estudo do agronegócio, ele é hoje professor titular da Faculdade de Economia e Administração (FEA-RP/USP), consultor internacional, autor de dezenas de livros e um dos brasileiros mais influentes na agenda do agro global.

 

Em entrevista à Revide, ele analisa os desafios e oportunidades que se colocam diante do agronegócio brasileiro no cenário mundial, discute o papel da inovação e da comunicação no reposicionamento do setor e detalha os objetivos do evento que reunirá em Ribeirão Preto as principais lideranças do agro internacional.

 

 

O senhor teve participação importante na organização da World Conference da Ifama neste ano. Qual é a importância desse evento para o agronegócio global e qual será sua contribuição?

“Tenho o privilégio de participar da IFAMA desde 1994, uma associação fundamental para o futuro do agronegócio global. Fundada por Ray Goldberg, de Harvard, criador do conceito de agronegócio, a entidade promove há mais de 30 anos o debate entre executivos, especialistas, empresas e acadêmicos de todo o mundo. Em 2024, na edição em Almeria (Espanha), propusemos sediar o evento no Brasil. Agora, em 2025, participo como presidente da conferência, representando a Harven Agribusiness School, ao lado da FB Group, nossa parceira na organização”.

 

Quais são as principais tendências discutidas na IFAMA que devem moldar o futuro do agro?

Vivemos o que chamo de ambiente dos “3 Vs”: “variáveis variando violentamente”. Estamos diante de desafios como mudanças climáticas, guerras, pragas, exigências de consumidores, novas tecnologias, e instabilidades econômicas. Em meio a isso, destacam-se debates sobre sustentabilidade, biotecnologia, transformação digital, inteligência artificial, cooperativismo, novos formatos de liderança e o fortalecimento do consumidor. Costumo dizer: “quem manda é a demanda”. O tema central da conferência será: “Impulsionando alimentos e bioenergia com inovação e sustentabilidade”, incentivando soluções de crescimento responsável para atender à demanda futura.

 

A IFAMA é reconhecida por apresentar inovações. O que mais lhe chamou atenção nas últimas edições?

A conferência é um palco global para inovações acadêmicas e empresariais. São apresentados avanços como lavouras mais resilientes via biotecnologia, bioenergia com captura de carbono, e plataformas digitais que conectam produtores e consumidores com mais transparência. Também vemos redesenho de produtos alimentares mais saudáveis e sustentáveis. Em 2024, o Brasil levou cinco estudos de caso, e o da Ourofino Agrociência, de Ribeirão Preto, venceu entre 50 concorrentes globais. Neste ano, levaremos outros sete casos, incluindo a Coplana, Veroo Cafés, Cachaça SôZé e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), finalista entre os três melhores do mundo.

 

O Brasil é protagonista nos fóruns internacionais ou ainda é visto como mero fornecedor?

Nosso protagonismo cresceu muito. Quando comecei na IFAMA, o Brasil ainda importava alimentos. Hoje, é potência exportadora. Detemos, por exemplo, 80% do comércio mundial de suco de laranja, mais da metade da soja e açúcar, além de posições de liderança em carnes, café, papel e celulose. Também somos referência em sustentabilidade, com programas como o Renovabio e a “Carne Carbono Neutro”. Recentemente, recebi uma turma de pós-graduação da Purdue University, dos EUA. Visitaram empresas como São Martinho, Cooxupé e Cutrale. Ficaram encantados. Em dez anos, já recebi 300 executivos que retornam como embaixadores do agro brasileiro.

 

Mas há críticas sobre o Brasil nesses fóruns. Quais os principais pontos de atenção?

O maior ponto é o desmatamento ilegal, muitas vezes em áreas sem titulação. É crime e mancha a reputação do Brasil. Ofusca nossos excelentes indicadores: 66% do território preservado, alta presença de energias renováveis, baixas emissões de CO² per capita, além de tecnologias agrícolas limpas. Outro problema é a nossa comunicação internacional: ainda falhamos em mostrar nossos avanços de forma clara e assertiva. Precisamos de representantes bem-preparados, dados concretos e estratégias de articulação mais eficazes.

 

Esses fóruns também são espaços de construção de imagem e influência. O Brasil está aproveitando essa oportunidade?

Ainda não o suficiente. Muitos líderes não compreendem o poder transformador desses fóruns. São oportunidades de aprendizado, de influência e de relacionamento. Nesta edição, por exemplo, será redigida uma carta com a posição do agro global à COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), que ocorrerá em Belém (PA). Será entregue ao embaixador André Corrêa do Lago pelo presidente da IFAMA, Aidan Connolly, com apoio de nomes como o do ministro Roberto Rodrigues e de Maurilio Biagi Filho. Estar presente é influenciar.

 

O senhor defende há tempos a profissionalização da mão de obra no agro. O que ainda falta?

Falta gente qualificada. Em todos os segmentos, da colheita às usinas, a reclamação é unânime. Precisamos de uma visão estratégica de longo prazo: mudar a mentalidade da educação básica à superior, investir nas escolas técnicas e acabar com políticas assistencialistas que desestimulam o trabalho. A educação deve focar em inovação, produção e venda. Costumo dizer: “sem inovação, produção e venda, não tem geração de renda... e nem distribuição de merenda”.

 

Como está a formação de jovens líderes no setor?

A IFAMA tem um Conselho de Jovens e promove competições de estudo de caso com talentos de todo o mundo. As universidades precisam estimular a integração internacional, o domínio de idiomas e a visão global. Foi por isso que criamos a Harven Agribusiness School: para formar líderes preparados para contextos interdependentes, com mentalidade inovadora.

 

Com a presença crescente de multinacionais no campo brasileiro, como garantir soberania?

Não vejo como ameaça. Pelo contrário: são parceiros para o desenvolvimento. Desde que a produção, os empregos e a arrecadação fiquem aqui, é positivo. Casos como o da Atvos, controlada por fundo árabe, e o da SLC Agrícola, com ações na bolsa, mostram que é possível receber investimento externo e ainda liderar soluções. São empresas que se apresentam na IFAMA como exemplos globais.

 

A participação brasileira em fóruns internacionais pode abrir novos mercados? O que deve ser priorizado?

Sim. Precisamos fomentar pesquisas de impacto e estudos de casos inspiradores. Universidades públicas e privadas deveriam premiar professores e alunos que levarem trabalhos a eventos internacionais. Isso eleva rankings, atrai parcerias e impulsiona a reputação acadêmica. Empresas também podem investir nisso com suas equipes de P&D. Fazemos isso há 30 anos, em média. Levamos cinco trabalhos por edição da IFAMA.

 

Em um mundo instável, qual é o papel do agro como agente de estabilidade?

O agro garante segurança alimentar, emprego e desenvolvimento. O Brasil é a “cozinha do mundo”, abastecendo hoje 800 milhões de pessoas — e com capacidade para atender até 2 bilhões. Nenhum país pode abrir mão disso. Por isso, o Brasil deve “voar abaixo do radar” geopolítico: não tomar lados, apenas produzir e exportar, combatendo a fome e promovendo a paz.

 

O senhor projeta mais barreiras comerciais no futuro? Como o Brasil deve se preparar?

Sim, principalmente ambientais e sanitárias, exigidas por países desenvolvidos. A projeção é que, em 2050, 80% dos estômagos estarão na Ásia e na África. O fluxo será das Américas para esses continentes. O Brasil precisa de estratégia de longo prazo, expandir produção sem desmatamento, como já temos feito: aumentamos 20 milhões de hectares sem ampliar a área total do agro, apenas convertendo pastagens. E a bioenergia será um trunfo: com mais etanol, biodiesel, biometano, agricultura circular e novos combustíveis sustentáveis.

 

E como a Harven Agribusiness School se insere nesse cenário?

A Harven nasce com o propósito de formar líderes para essa nova era do agro, com base em inovação, mérito, visão global e compromisso com o impacto social. É fruto da união de instituições como a Markestrat e o Grupo SEB, do empresário Chaim Zaher. Queremos preparar jovens e executivos para liderar com inteligência, sensibilidade e coragem o agro do futuro.


Foto: Lucas Nunes

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