Mais jovens, qualificados e conectados
Este é o perfil da nova geração no campo brasileiro traçado em pesquisas recentes de consultorias e associações da área
O produtor agrícola brasileiro da atualidade tem um nível de educação consideravelmente superior ao que era observado há 30 ou 40 anos, uma abordagem mais técnica, maior receptividade às tecnologias e quase 60% deles está na faixa etária entre 25 e 44 anos. São as principais conclusões do estudo ‘Inovação no agronegócio e a qualificação do produtor brasileiro na era digital’, de dezembro de 2021, divulgado pela consultoria EY em colaboração com a CropLife Brasil – associação que reúne as principais empresas envolvidas na cadeia de produção agrícola.
Para o engenheiro agrônomo, professor universitário e consultor Marcos Fava Neves [leia entrevista com ele nesta edição], esses dados mostram que “a nova geração vem forte e é protagonista na busca por uma agricultura competitiva e resiliente para superar os desafios das mudanças climáticas e das exigências regulatórias”. Ele também cita a pesquisa da consultoria Mckinsey, divulgada em 2022, que mapeou o comportamento do agricultor brasileiro, mostrando que têm preferência por interações digitais, são pioneiros em adotar tecnologias agrícolas e mais sustentáveis. “Temos a liderança na adoção de diversas práticas sustentáveis, como o sistema de plantio direto, uso de insumos biológicos, culturas de cobertura e muito mais”, exemplifica.
Recentes, esses estudos traçam um perfil de agricultor mais jovem que o descrito no último Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado em 2017. O perfil predominante do produtor brasileiro era, então, predominantemente branco, com 45 a 54 anos de idade, embora houvesse nuances de gênero de uma região do país a outra. Por exemplo: enquanto em estados do Sul os mostravam homens liderando praticamente 90% das fazendas, as regiões Norte e Nordeste traziam as mulheres comandando ao menos um quinto das propriedades. Em sua conclusão, o Censo já apontava um agricultor aberto a profundas mudanças.
Explicam e corroboram os dados da EY/CropLife e McKinsey as conclusões de outra pesquisa recente, da consultoria especializada Fruto Agrointeligência, ao revelarem que algumas áreas da agricultura brasileira já estão sendo lideradas pela nova geração. Caso, por exemplo, dos produtores de algodão, onde 60% têm menos de 35 anos e 52% possuem curso superior. Em seguida, vêm os agricultores do Cerrado, com 44% abaixo dos 35 anos e 42% com curso superior e, por fim, os produtores de hortaliças, entre os quais 40% têm menos de 35 anos e 26% possuem curso superior.
Como ponto em comum, tais estudos sugerem que a renovação no campo segue acelerada e isso pode ter tudo a ver com esse perfil atualizado dos empreendedores rurais: mais jovens, qualificados e conectados.
Mas não foi sempre assim.
Breve história do agricultor brasileiro
Uma das profissões mais antigas de que se tem relato na história da humanidade, a de agricultor teve início, no Brasil, entre as comunidades indígenas, que já cultivavam alimentos como abóbora, amendoim, milho e mandioca para consumo próprio, muito antes de os colonizadores portugueses atracarem pela primeira vez em praias brasileiras. De acordo com o geógrafo social Melhem Adas, por volta de 1530, os portugueses introduziram mudas de cana-de-açúcar na colônia, com as quais deram início, pela região Nordeste, à monocultura que por muito tempo foi a base econômica da colônia. A partir de então, prevaleceu no campo brasileiro plantações em grandes latifúndios tocadas por mão de obra escrava até 1888, quando a escravatura foi abolida em definitivo no Brasil.
Àquela altura, a cultura cafeeira – iniciada por aqui no século 18, com as primeiras mudas trazidas da Europa – já havia entronizado seus “barões”. Desde o século 19 liderava as exportações, com o declínio da mineração. Em 1929, porém, a Quebra da Bolsa de Nova Iorque introduziu uma crise na cultura. “Os Estados Unidos, até então o maior consumidor de café, deixaram de comprá-lo e, em consequência, não tínhamos mercado para absorver a grande produção”, afirma Adas. O advento forçou o país a buscar diversificação na agricultura.
A atividade no campo permanecia, então, predominantemente braçal, com seus trabalhadores divididos entre donos de terras e camponeses. Estes últimos, a partir do início do século 20, passaram a ganhar as feições dos imigrantes, vindos de diferentes países europeus (Itália, Espanha, entre outros) e asiáticos (Japão principalmente) para trabalhar nas lavouras brasileiras.
Naquele contexto, surgiram, em pequenas parcelas internas ou externas dos latifúndios, o que a professora Maria de Nazareth Baudel Wanderley descreve – em seu estudo de 2009 intitulado “O campesinato brasileiro: história de resistência” – como espaços que escapavam da ocupação pelos senhores da terra e eram, sob formas distintas, usados produtivamente por pequenos agricultores. Neles ocorriam, segundo ela, “uma forma social de produção, cujos fundamentos se encontram no caráter familiar, tanto dos objetivos da atividade produtiva – voltados para as necessidades da família – quanto do modo de organização do trabalho, que supõe a cooperação entre os seus membros”.
Grande ou pequeno, o agricultor daquele início do século 20 pagava o preço de utilizar práticas antigas de manejo, passadas de uma geração a outra, sem muitas atualizações, tanto em seu conhecimento quanto nas ferramentas utilizadas no campo. Ao menos até por volta dos anos 1950, menos de 2% das propriedades rurais contavam com máquinas agrícolas. Segundo o portal “A Trajetória da Agricultura Brasileira”, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), faltavam aos agricultores de então conhecimentos sobre solos e variedades; as recomendações de manejos eram escassas e as tecnologias da informação quase desconhecidas no campo.
De acordo com estudo sobre a agricultura do Brasil publicado em 1971, por Edward Schuh e Eliseu Alves, a falta de conhecimento sobre como utilizar solos tropicais da melhor forma resultava, então, em baixo rendimento por hectare e pouca produção, o que exigia a conversão de extensas áreas naturais em lavouras e pastagens, nas quais práticas inadequadas causaram severos impactos ambientais, como erosão e assoreamento. Ainda assim as fazendas não produziam o suficiente para atender à demanda interna por alimentos, em um período de industrialização e crescimento populacional.
Modernização
O quadro começa a mudar com o início da modernização da agricultura brasileira, ocorrida entre 1960 e 1970, que trouxe adoção de máquinas, equipamentos e insumos de origem industrial nos processos de produção agrícola. Foi criado por esta época o Dia do Agricultor, em 28 de julho, com a sanção do Decreto de Lei nº 48.630, de 27 de julho de 1960, pelo então presidente da República, Juscelino Kubitschek. Sua intenção foi homenagear Dom Pedro II, responsável pela criação, exatos 100 anos antes, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que desde 1930 respondia pela denominação de Ministério da Agricultura.
Por volta dos anos 1990, ainda segundo o estudo de Maria de Nazaré, o Estado brasileiro criou a categoria "agricultura familiar", para a qual formulou um programa de apoio – o Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Paralelamente, surgiam novos tipos de agricultura no Brasil, que hoje se dividem entre: moderna, intensiva, extensiva, familiar, patronal e orgânica [veja quadro a respeito].
Todo esse movimento obrigou o agricultor brasileiro a se reinventar para permanecer no campo. Prosperaram os que melhor foram adequando suas práticas inovações que foram surgindo, alavancadas por investimentos em pesquisas, como os avanços da engenharia genética, a chegada das biotecnologias, o desenvolvimento de defensivos agrícolas mais seguros e tecnológicos, a máquinas, implementos e novas técnicas de irrigação e adubação, mas, principalmente, os que buscaram estudo formal e qualificação. Tudo isso trouxe o agricultor brasileiro ao perfil predominante hoje, no campo.
OS TIPOS DE AGRICULTURA NO BRASIL
Moderna
Surgiu a partir da chegada de novas tecnologias no campo e se baseia em pesquisas científicas, por isso está evolução constante;
Intensiva
Surgiu com o objetivo de atender à crescente demanda mundial por alimentos, a partir do uso de maquinários, insumos, defensivos, que possibilitaram aumentar a produção e rentabilidade da lavoura;
Extensiva
É baseada nas técnicas básicas de produção, com baixo investimento em tecnologia e pouca mecanização. No Brasil, tem forte presença principalmente entre pequenos agricultores, e seu uso está muito ligado à alimentação de subsistência e ao abastecimento de mercados locais.
Familiar
Caracterizada pelo trabalho conjunto de uma mesma família, é fortalecida por diversas políticas públicas, por contribuir para a produção de alimentos, geração de empregos, desenvolvimento econômico das regiões rurais e manutenção de boas práticas tradicionais de cultivo;
Patronal
Mais utilizada por médias e grandes propriedades com grande potencial produtivo, tem sua produção totalmente voltada para o mercado interno e exportação, recebendo forte investimento em otimização de gestão da lavoura.
Orgânica
Sua base está no uso de insumos de origem natural, além do baixo uso de defensivos e fertilizantes. Seu grande diferencial está na capacidade de desenvolver tecnologias apropriadas a cada solo, clima, biodiversidade, topografia, água e radiações.
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