Entenda o que configura trabalho análogo à escravidão
A escravidão contemporânea está presente em vários locais pelo país

Entenda o que configura trabalho análogo à escravidão

Especialistas em direito trabalhista esclarecem como identificar e denunciar situações de trabalho escravo

O Brasil é um país com um passado marcado por mais de 300 anos de escravidão. Essa raíz escravista, ainda exerce influência nos dias atuais. Casos, no meio rural e urbano, de pessoas vivendo em cativeiro, realizando atividades sem ter seus direitos trabalhistas garantidos são relatados por todo país.

 

O episódio mais recente foi o de uma empregada doméstica de 82 anos resgatada após trabalhar por 27 anos em condição análoga à escravidão para um casal em Ribeirão Preto.  

 

Segundo dados do programa “Escravo, nem pensar!”, da ONG Repórter Brasil, mais de 57 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas à escravidão nas zonas rural e urbana, no período entre 1995 e 2021. O número demonstra a persistência do trabalho forçado na sociedade atual.

 

Além disso, um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2011, aponta que, em geral, o perfil comum do trabalhador rural explorado pela escravidão contemporânea é homem, negro, analfabeto funcional, tem idade média de 31,4 anos e renda declarada mensal de 1,3 salário-mínimo.

 

Com cerca de 77% vindos do Nordeste. Já relacionado a escravo doméstico, a predominância é de mulheres analfabetas ou que não concluíram o quinto ano do Ensino Médio, correspondendo a 62% das mulheres submetidas ao trabalho escravo.

 

O que é trabalho análogo à escravidão?

 

“Considera-se trabalho análogo ao de escravo quando um trabalhador tem que cumprir jornadas excessivas de trabalho ou que atue em ambiente insalubre ou sem condições mínimas de saúde, segurança e higiene”, explica a sócia-advogada da Brasil Salomão e Matthes Advocacia, Marília Meorim Ferreira De Lucca e Castro, que atua na área trabalhista.

 

Atividades laborais que coloquem os trabalhadores em situações que os tornem alheios aos seus direitos são consideradas como uma forma de trabalho escravo. Ser impedido de ter acesso a recursos básicos, como água potável, sanitários e equipamentos de proteção, submetido a situações em que o indivíduo se sinta obrigado a permanecer trabalhando, em jornadas longas e intensas sem descanso. Ou, então, sofrer descontos no salário sem aviso prévio com justificativa, por parte do patrão, de ressarcimento de gastos com o empregado, são indícios do trabalho escravo moderno.

 

Leia mais:

 

Empregada doméstica de 82 anos é resgatada de trabalho escravo em Ribeirão Preto, afirma MPT

 

Como identificar um indivíduo sujeito a essa situação?

 

“Normalmente, os indivíduos são aliciados com propostas de trabalho e ao chegarem ao destino, as vítimas deparam-se com condições degradantes de trabalho, alimentação e alojamento, além da retenção dos documentos, até que as vítimas quitem as suas dívidas [com os patrões]”, destaca Marília sobre as características da aliciação de trabalhadores da zona rural ao trabalho escravo.

 

Já no meio urbano, essa situação é, em sua maioria, praticada como escravidão domestica, que se mune de uma particularidade. “Ela vem travestida de afeto e amor. Muitos dos empregadores estão com as vítimas desde a infância e com a falha de tratá-los como sendo da família, vão submetendo essas pessoas a condições de clara objetificação”, detalha a advogada. O fato desse tipo de trabalho ocorrer dentro de casa dificulta sua identificação. “Geralmente a denúncia não é feita pela vítima, é alguém que está fora e observa o contexto”, completa.

 

“Enfim, no contexto dos Direitos Humanos, toda condição, no trabalho, que viola a dignidade do trabalhador pode ser um indicativo de que ele pode ser vítima de trabalho escravo contemporâneo”, conclui Perla Müller, advogada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Ribeirão Preto.

 

Leia mais:


"Como ela pedia remédio se a patroa é uma médica?": Vizinhos revelam detalhes da mulher mantida como escrava em Ribeirão Preto

 

O que diz a lei sobre essa situação?

 

Segundo o artigo 149 do Código Penal brasileiro, a pena para os empregadores que submetem funcionários a condição análoga a de escravo é de dois a oito anos de prisão. 

 

“Além da privação da liberdade, o agente ainda responderá pela reparação dos danos materiais e morais causados à vítima, pagando a ela indenização. Também terá que responder pelo descumprimento dos direitos trabalhistas da vítima”, complementa Müller sobre a punição para os empregadores.

 

Os artigos 203 e 207, do Código Penal, também aplicam punições aos responsáveis pela situação. O primeiro incrimina a privação dos direitos garantidos pela legislação do trabalho, por meio de violência ou fraude, com pena de detenção de um a dois anos e multa correspondente a violência. O segundo artigo, trata da alienação dos trabalhadores para se locomover a outro local do território nacional, nesse caso a punição é prisão por um a três anos e multa.

 

“[O empregador] ainda vai para a ‘lista suja’ do trabalho escravo, isto é, terá seu nome lançado no cadastro de empregadores autuados pelo Ministério do Trabalho usando mão de obra análoga à de escravo”, conclui a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Ribeirão Preto.

 

Como denunciar 


Situações suspeitas de trabalho análogo à escravidão podem ser denunciadas através do Sistema Ipê ou de forma presencial, em unidades do Ministério Público do Trabalho e nas Superintendências Regionais do Trabalho.

 

As denúncias podem ser feitas ainda por telefone ou por meio do disque 100. Para relatar casos desse tipo de condição não é necessário identificação.

 

Leia mais:

"Nenhum caso foi tão cruel quanto esse", afirma procurador sobre doméstica resgatada
 


Foto: Pixabay (imagem ilustrativa)

Compartilhar: