Escola de Ribeirão Preto admite primeiro aluno transexual no interclasse masculino
Escola Tomaz Alberto Whately faz trabalho de integração e aceitação dos alunos homossexuais e transexuais

Escola de Ribeirão Preto admite primeiro aluno transexual no interclasse masculino

Estudante de 17 anos já conseguiu o direito do nome social na escola

Pela primeira vez, um aluno transexual disputou o torneio interclasse da Escola Estadual Thomaz Alberto Whately, nos Campos Elíseos, em Ribeirão Preto. Miguel Henrique Rezende, de 17 anos, disputou competição de futsal masculina no colégio pela primeira vez.

Nesta quinta-feira, 13, o time do 3º ano C, do qual Miguel faz parte, entrou em quadra para disputar as quartas de final do torneio da escola. Miguel, que já havia feito um gol na competição, começou a partida no banco de reservas.

De quem o tempo já retirou esta memória, vale relembrar: as competições de interclasse, ainda mais em colégios com muitas salas e alunos, como é o caso do Thomaz Alberto, são verdadeiros derbies juvenis. Com os hormônios à flor da pele, cada lance é disputado como em uma final de Copa do Mundo. A torcida vibra até em cobrança de lateral.

E, no meio de toda essa energia adolescente, Miguel é só mais um aluno. Que vibra, comemora e se diverte com os amigos. Mesmo entrando no final do segundo tempo para ajudar o time, o 3º ano C perdeu por 4 x 2 para a equipe do 1º ano A. Apesar disso, esta foi uma competição que ficará marcada na memória de Miguel.

Organização

A movimentação para que o aluno conseguisse disputar a competição masculina começou no início do ano. Após conseguir o nome social na escola, feito que ele divide com outros dois estudantes, os próprios companheiros de time acompanharam Miguel na conversa com a diretora da escola, Camila Veloso Perini, que aceitou o pedido e os auxiliou no processo.

"A escola, em si, trabalha muito bem com os alunos transexuais. Claro que temos algumas pessoas que não aceitam muito bem. O que não deixa de ser um reflexo da sociedade, infelizmente", comenta Isac Ferreira, professor de educação física. Além de Isac, professores de outras áreas, como a sociologia, também ajudam os alunos nesse processo.

Agora, para conseguir o nome social oficial, Miguel precisa, primeiro, completar 18 anos. “Para conseguir o nome social, tem que pagar. E, como minha família não tem condições, porque é caro, a ONG Arco Íris faz um mutirão e realiza o processo de várias pessoas de graça. Meu nome está na lista deles e, assim que eu fizer 18 anos, vou tirar o meu nome social”, explica o aluno, que, inclusive, escolheu o próprio nome. "É forte. Nome de anjo", acrescenta. 

Aceitação

No início, a mãe de Miguel, a dona de casa Vanessa Rezende teve um susto. “É uma surpresa pela mudança, mas não foi difícil depois disso. Eu sempre apoiei as atitudes dela. Nunca me deu trabalho com nada. Então, isso para mim foi surpresa, mas é melhor do que ver minha filha triste. São coisas da vida, se você acha melhor assim, o importante é ser feliz e ficar bem com você. Seja feliz”, diz Vanessa.

A mãe ainda relembra que as inquietações do filho com o próprio corpo sempre o acompanharam, desde os primeiros anos de vida. “Desde pequena eu sempre arrumei como menina e ela sempre desfazia os penteados que eu fazia. Quando eu olhava para a rua, ela estava soltando pipa e brincando com os meninos. Como foi minha primeira filha, admito que muitas vezes eu até forçava, tratava como uma bonequinha”, relembra.

Miguel conta que começou a entender o que estava acontecendo no início de 2017.  “Não me sentia confortável com o meu próprio corpo. Eu sentia uma tristeza que não conseguia explicar. Sentia como se eu estivesse em um corpo emprestado”, confessa.

Após conversar com amigos, com a mãe e pesquisar muito sobre o tema, Miguel entendeu que ele não se adequava ao gênero de nascença. Atualmente, ele namora uma menina e ambos se consideram heterossexuais. Isso acontece, pois existe uma diferença entre o gênero e orientação sexual. Entenda um pouco mais nessa matéria.

Como está no terceiro ano do ensino médio, o aluno já pensa no futuro e, atualmente, além da escola, também faz um curso de farmácia e pretende começar um cursinho pré-vestibular em 2019 para ir atrás do seu grande sonho: ser um cirurgião. “Sonho com isso, não por conta do dinheiro, mas porque eu quero salvar vidas”, finaliza.

Procedimento médico

Em Ribeirão Preto, para quem deseja realizar a redesignação sexual, tanto com o tratamento hormonal quanto com a cirurgia, existem protocolos baseados nos critérios definidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Primeiramente, é imprescindível que a pessoa seja maior de idade - no caso de Miguel, ele só poderá realizar o tratamento, caso queira, a partir de 2019.

O interessado, seja por necessidade espontânea ou encaminhado por outro profissional, passa, primeiramente, por uma avaliação clínica com um médico residente de Ginecologia e Obstetrícia e, em seguida, por avaliação psicológica e psiquiátrica. Pelo SUS, essa pessoa, obrigatoriamente, vai para um atendimento com equipe multidisciplinar.

Vencida esta etapa, o usuário inicia os atendimentos psicológicos e é periodicamente avaliado pelo médico para análise clínica e laboratorial do estado de saúde geral e adequação da terapia hormonal. Após o período mínimo de dois anos, avalia-se a possibilidade de realização da cirurgia de transgenitalização, feita no Hospital das Clínicas de São Paulo.

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Sob supervisão de Marina Aranha.

 

 


Fotos: Paulo Apolinário

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