Conheça histórias de moradores de Ribeirão Preto que foram ajudar o Rio Grande do Sul

Conheça histórias de moradores de Ribeirão Preto que foram ajudar o Rio Grande do Sul

Voluntários viajaram mais de 1400 quilômetros para trabalhar de forma voluntária na recuperação das cidades atingidas pelas enchentes históricas

Era manhã de sábado e o técnico em telecomunicações Douglas Loureiro Gomes de Souza sentiu um incômodo. Primeiro, ele achou que o mal-estar era resposta do corpo ao calor incomum que ocupou a região de Ribeirão Preto, cidade onde mora, durante boa parte do outono. Mas enquanto ele checava as redes sociais e as notícias do dia, com o celular na mão, antes mesmo
de levantar da cama, Douglas percebeu que a sensação estranha vinha do que ele via ocorrer no Rio Grande do Sul. Sentiu que precisava fazer algo.

 

Segundo a Defesa Civil do Governo do Estado, 463 das 497 cidades gaúchas foram diretamente afetadas pelas tempestades e chuvas que castigaram o sul do país entre os meses de abril e maio deste ano. Boletim divulgado no dia 30 de maio mostra que 169 pessoas morreram e 44, estão desaparecidas por causa das enchentes.

 

Tão rápido quanto o avanço da água sobre as cidades, notícias e imagens dos estragos se espalharam pela internet e tomaram o noticiário. A enxurrada de informações fez com que milhares de brasileiros iniciassem uma corrente de solidariedade para ajudar as mais de 654 mil pessoas que tiveram de deixar suas casas. Toneladas de alimentos, material higiênico, medicamentos, água e dinheiro começaram a ser levantados nos quatro cantos do país para minimizar os prejuízos dos atingidos pela chuva. Douglas resolveu ir além. “Comecei a desmarcar todos os compromissos que tinha na semana seguinte e a fazer contato com moradores de cidades atingidas pelas enchentes, pelas redes sociais, para tentar planejar uma viagem. Eu precisava ajudar”.

 

Um dos compromissos que precisou esperar era uma tatuagem de um tribal, que ele faria na terça-feira seguinte, no estúdio do amigo Jhonatan Artal Padovan. “Quando ele me ligou desmarcando e me falou que iria para o Sul ajudar eu nem pensei e falei: eu vou com você”, conta o tatuador. Os dois começaram a levantar fundos para ajudar nos custos da viagem de mais de 1400 quilômetros. Logo, uma dezena de amigos e conhecidos se juntaram à missão de arrecadar dinheiro, água e ração. “Em algumas horas éramos um grupo grande, com muita gente que ajudou sem poder ir, mas que foi fundamental para que nós fossemos”, conta Jhonatan.

 

Quatro dias depois, os dois amigos e outros quatro moradores de Ribeirão Preto se juntaram em dois carros, com carretinhas alugadas, e desceram o mapa até a região metropolitana de Porto Alegre. “Eu consegui fazer contato pelas redes sociais com algumas pessoas que trabalham na Prefeitura de Igrejinha”, conta Douglas. A pequena cidade de cerca de 35 mil habitantes teve 80% da área urbana atingida pelas chuvas. Mais de 25 mil moradores precisaram sair das casas por causa das enchentes. “A realidade estando lá é muito pior do que a gente imaginava ser. Tirar lama e barro das casas como se nunca fosse acabar é um trabalho pesado, com que os moradores sozinhos, sem ajuda, teriam ainda mais dificuldade”, diz Jhonatan.

 

O grupo ficou seis dias entre as cidades vizinhas de Igrejinha e Três Coroas, como conta Jhonatan. “Ficamos em um abrigo e seguimos para ajudar moradores indicados pelo pessoal das prefeituras das duas cidades. Era acordar e partir para casas atingidas para ajudar na limpeza, retirada dos móveis, tentar recuperar algo, além de levar água e comida para o pessoal”, conta. “Nossa vontade era ficar mais tempo, ajudar mais gente. Acho que todo mundo que tiver a possibilidade de ajudar deveria ir. É impossível mensurar a satisfação em poder ajudar”, diz Douglas.

 

Em entrevista coletiva, o governador Eduardo Leite (PSDB) estimou que o custo de reconstrução do Rio Grande do Sul deverá superar os R$ 19 bilhões. “Nós sabemos que o número será ainda maior, pois ainda não tivemos uma visão detalhada de tudo o que precisará ser reconstruído”, disse. 

 

A viagem de volta do grupo demorou quase dois dias. Agora, eles acompanham as notícias do Sul de uma forma diferente. “Parte do nosso coração ficou lá”, disse Douglas ao chegar em
Ribeirão Preto.

 

TRILHA DE SOLIDARIEDADE

 

“Nós vimos pelo menos três idosos chorando copiosamente quando a gente chegou”, conta a advogada de Ribeirão Preto Helga Sanchez. Ela foi ao sul em comboio com outros 18
colegas em 13 veículos off roads e com tração 4x4, capazes de superar estradas irregulares. “Nós temos um grupo que está acostumado a fazer trilhas, encarar terra e barro por diversão. Pensamos que poderíamos ajudar com os nossos veículos e experiência”, conta o advogado Edson Oliveira.

Eles se concentraram na cidade de Fazenda Vilanova, que fica a cerca de 90 km de Porto Alegre. Depois de dois dias de viagem, eles se organizaram junto a uma paróquia para levar as doações para comunidades mais distantes. “Nossa intenção é fazer a logística funcionar. Estão chegando doações de todo o país e muitas vezes esse material não chega para quem está ilhado, em áreas rurais que também foram afetadas”, conta Edson. “Nós vimos casas com o telhado cheio de barro. É impressionante. Eles ainda vão precisar de muita ajuda. Algumas crianças na cidade de Estrela nos pararam pedindo roupas porque eles estavam com muito frio em suas roupas molhadas. Toda ajuda aqui ainda não será o bastante”, conta Helga.

 

“Foi uma experiência de ressignificação de vida para todos, um recomeço mesmo. Você passa a ver o mundo com outros olhos depois que vê o que vimos lá. Nós fomos para ajudar, mas
também acabamos sendo ajudados na alma”, conta Edson.

 

ANIMAIS À ESPERA DE ADOÇÃO

 

A pedagoga e motorista de aplicativo Danielle Loureiro, que também paralisou o ganha pão diário em Ribeirão para ajudar no Rio Grande do Sul, voltou da viagem solidária com uma nova “filha adotiva”. “Nós estivemos em um abrigo de animais nos primeiros dias da nossa viagem. É de cortar o coração ver a quantidade de animais carentes. Se eu pudesse eu adotaria todos”, conta.

 

Cerca de seis mil cães e gatos estão em um abrigo provisório montado na cidade de Canoas, no Estado. São animais resgatados das ruas, que fugiram ou foram abandonados durante as enchentes. Segundo o censo animal de Porto Alegre, divulgado em fevereiro deste ano, só na capital existem 815,4 mil cães e gatos de estimação. Em todo o Estado mais de 15 mil cães, gatos, cavalos e aves estão em abrigos espalhados pelas cidades atingidas pelas enchentes.


“Não era minha intenção adotar um cachorro nessa viagem”, garante Danielle. Mas a intenção foi mudando conforme os dias pesados de trabalho voluntário foram passando. No abrigo de Canoas, ela se apegou a uma cachorrinha já idosa, que se aninhou em suas pernas para se aquecer. “Mas a gente ainda ia trabalhar duro alguns dias. Infelizmente eu não podia pegar
naquele momento. Foi bem difícil sair dali sem ela”, lembra.

 

Já na parte final da viagem, durante a limpeza de uma casa na cidade de Três Coroas, ela soube que uma família vizinha estava com uma cachorrinha recém-nascida, sem condições de cuidar. “Eu fui até lá e foi amor à primeira vista. Todo o grupo aprovou a ideia sem pensar, mesmo com uma longa viagem de volta pra casa. Ela estava bem fraca, tinha dois meses de vida e não queria comer há dias”, conta. 


Primeiro, o grupo chamou a nova tripulante de Bah, referência à interjeição típica da fala gaúcha. Mas Aurora, que significa recomeço, foi o nome definitivo da cachorrinha. “Eu tenho três filhas e pensava nelas a todo o momento lá. Elas adoram animais. Foi uma festa quando elas se encontraram”, comemora Danielle.


Aurora passou por uma consulta veterinária em Ribeirão Preto e ainda está assustada. “Ela já está comendo. Aos poucos o trauma vai passar”, aposta a nova tutora.


Fotos: Arquivo Pessoal

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