Médicos e pesquisadores da USP de Ribeirão Preto defendem o distanciamento social

Médicos e pesquisadores da USP de Ribeirão Preto defendem o distanciamento social

Documento assinado por 16 profissionais, defende o distanciamento social e propõe medidas graduais de reabertura no futuro

Dirigentes e profissionais de saúde, vinculados à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCFMRP) e da Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HCFMRP (FAEPA) elaboraram um documento com o objetivo de contribuir na análise do impacto da pandemia e das ações de controle na região. 

No texto, divulgado nesta segunda-feira, 20, os profissionais apresentam os dados científicos que se têm, até o momento, sobre o novo coronavírus e, com base nesses achados, quais são os possíveis cenários futuros. Ao todo, são 16 especialistas do alto escalão da Saúde na USP.

Segundo os pesquisadores, as evidências científicas demonstram o impacto positivo do distanciamento social sobre a transmissão do vírus e sobre a adequação da capacidade do sistema de Saúde na cidade.

Apesar disso, eles ainda não descartam uma possível elevação no número de infectados na cidade caso as medidas de isolamento sejam abandonadas. Eles são enfáticos que o cenário seria muito pior sem o isolamento.

Observando a maneira como o vírus se comporta, é possível entender o motivo da apreensão dos pesquisadores. A transmissão pode ocorrer de uma pessoa sem sintomas e, no geral, o período de transmissão pode durar de cinco a oito dias, mas já há casos registrados de períodos de 14 dias. Por isso, eles recomendam o distanciamento social, uso de máscara e de sempre lavar a mão com água e sabão, prática que é mais eficiente do que o álcool em gel.

Os cientistas observaram o comportamento do vírus em países que optaram por um isolamento rígido e nos países que subestimaram a epidemia. De acordo com um e tudo do Imperial College London, as medidas tomadas na Europa até o dia 31 de março, salvaram em cerca 59 mil vidas. Algo em torno de 64% menos mortes do que teria acontecido, se nada tivesse sido feito.

"Não obstante o impacto da política de distanciamento social tenha implicações negativas sobre a economia, não se deve contrapor a saúde da economia à vida das pessoas: essa postura se constitui em falso antagonismo conceitual", escrevem os pesquisadores de Ribeirão Preto.

De acordo com o documento, os dados disponíveis sobre pandemias anteriores demonstram justamente o oposto, ou seja, que há um consenso entre medidas de contenção do vírus e de proteção econômica. "Assim, essa discussão é superficial e parece ser contaminada por aspectos com conteúdo emocional decorrentes das consequências econômicas imediatas dessa pandemia", acrescentam.

Deste modo, os pesquisadores preveem dois cenários plausíveis: o primeiro, com o distanciamento social e com o aumento do número de casos de maneira gradual e progressiva, de modo que seja possível atender a demanda com os recursos disponíveis nos hospitais.

O segundo, com a flexibilização precoce e desorganizada, poderá levar a população a acreditar que o pior momento da crise já passou, "o que definitivamente parece que não aconteceu ainda na nossa região", adiantam os cientistas no texto. Nesse cenário, haveria um pico no número de casos além da capacidade de atendimento dos hospitais. O que resultaria em mais pessoas infectadas, mais mortos e, por conseguinte, mais mortes por faltas de leito de pessoas com ou sem a Covid-19.

Economia e reabertura

Os pesquisadores avaliam que, independentemente das medidas que sejam tomadas, haverá impactos na economia. A profundidade e a duração da crise dependerá de quais medidas serão tomadas. Não obstante, eles concordam que manter as pessoas vivas e isoladas é melhor do que ver o número de mortos subir. 

"Nenhuma economia sobreviveria com seus cidadãos sendo infectados, adoecendo, e se sentido ameaçados de não terem acesso ao atendimento hospitalar ou cuidados de terapia intensiva na medida em que a pandemia avança. Neste contexto, o distanciamento social ampliado é imperativo e até onde percebemos, nesta pandemia da Covid-19, a única alternativa a ser
adotada"

Por isso, eles propõe, uma evolução da fase atual, chamada de Distanciamento Social Ampliado, para a de Distanciamento Social Seletivo, que devem ser adaptadas para cada
região e ser pautadas pelas recomendações da Organização Mundial de Saúde. 

Todavia, para que isso ocorra, é necessário um estudo em conjunto da situação da epidemia na cidade, além de uma comprovação por meio de testes de que os casos de covid-19 atingiram um patamar "seguro". Todos esses fatores só serão alcançados, segundo os pesquisadores, por meio do isolamento social.

"A segurança desse processo dependerá de disponibilidade maior de informações epidemiológicas, o que implica em necessidade de ampliação do número de exames diagnósticos com o objetivo de verificar a amplitude de contaminação populacional existente", recomendam.

Grupo de retomada

Na última sexta-feira, 17,  o governo municipal publicou decreto que institui a criação de um grupo de transição e retomada após a quarentena.

O grupo terá o papel de formular medidas necessárias para minorar os efeitos da pandemia no município e estudar as melhores formas de manter a população segura e, ao mesmo tempo, recuperar e economia.

A equipe será composta por um representante de cada entidade a seguir: gabinete do prefeito, Comitê Técnico de Contingenciamento Covid-19, universidades, indústrias, comércio, setor de serviços, agronegócio, setor financeiro e do serviço social

O grupo será coordenado pelo representante das universidades e assessorado pelo representante do gabinete do prefeito.

Empresários são contra

Também na sexta-feira, entidades que representam empresários e o comércio em Ribeirão Preto emitiram notas de repúdio contra prorrogação da quarentena decretada pelo prefeito Duarte Nogueira (PSDB) e pelo governador João Doria (PSDB).

Se posicionaram contrárias às medidas de isolamento social a Associação Comercial e Industrial (Acirp), o Centro das Industrias do Estado de São Paulo (Ciesp), o Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp) e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL).

"Entendemos que é importantíssimo proteger vidas humanas, no entanto, não pode ser levado em consideração apenas esse lado para a tomada de decisões que impactam profundamente as vidas de centenas de milhares de trabalhadores", escreveu o Sincovarp em nota conjunta com a CDL.

Já a Acirp descreveu a medida do governo municipal e estadual como insensível e desorganizada. "Diante do que pode vir a ser a maior crise global do século, a única medida dos poderes constituídos tem sido a interrupção das atividades do setor produtivo e o isolamento horizontal da população indistintamente", informou a Associação.

As entidades se viram contrariadas após, na visão delas, o prefeito Duarte Nogueira ter sinalizado uma possível reabertura do comércio a partir do dia 22 de abril. Oficialmente, a Prefeitura não divulgou nenhuma informação que indicasse uma flexibilização da quarentena.

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Imagem: Revide

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