Sem segredos

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De volta a Ribeirão Preto com nova turnê, Nando Reis fala sobre sobriedade, processo de criação e ‘surpresas’ que planeja para o futuro

No cenário da música brasileira, poucos artistas têm a habilidade de se reinventar continuamente, mantendo a autenticidade e a profundidade de seu trabalho por um longo prazo. Nando Reis é um desses nomes. Dono de uma carreira que atravessa gerações, o cantor e compositor retorna aos palcos com "Uma Estrela Misteriosa", sua nova turnê, marcada pelo lançamento de um álbum de inéditas após quase uma década sem composições originais (o último havia sido “Jardim-Pomar”, de 2016). O hiato é o mesmo período que o músico diz estar sóbrio. “Hoje, com 61 anos, me sinto muito melhor, mais lúcido. Sinto uma vitalidade própria”, diz. E apesar da “nova fase” pessoal, a obra do artista mantém o amor como temática central do seu trabalho. “Juntos. Só o Amor. Sara a dor”, canta na faixa “Daqui por diante”.
 

Vindo de uma mega turnê com o Titãs, que passou por grandes estádios e festivais, como o Lollapalooza, Nando diz ter virado a chave para se conectar de forma mais intimista ao público. A maior parte dos shows da turnê que começou em setembro é em pequenas casas de evento ou em teatros, como em Ribeirão Preto, onde se apresenta nos dias 2 e 3 de novembro, no Theatro Pedro II. “É um show que tem uma proposta mais próxima, quase como uma conversa, sabe? É uma chance de apresentar as músicas novas e revisitar aquelas canções que marcaram minha trajetória. O teatro é perfeito para isso, ainda mais o Theatro Pedro II, que é lindo. Já toquei nele antes (a última vez foi em 2016), mas essa é uma oportunidade rara,” conta o cantor. A turnê celebra o lançamento de "Uma Estrela Misteriosa Revelará o Segredo", seu novo álbum, que reúne nada menos que 30 músicas, incluindo 26 inéditas e algumas regravações, todas fruto de um processo colaborativo.
 

Para Nando, o período sem lançar um álbum de inéditas foi uma oportunidade de amadurecimento e introspecção criativa. “Ao longo desses anos fui guardando composições e, no processo de gravação, outras surgiram. A criação foi assim, fluida, gravada com uma banda ao vivo em um ritmo que eu já pratico, mas com uma intensidade e uma velocidade diferentes,” explica. No meio desse período houve uma pandemia e Nando Reis diz ter ficado longe de redes sociais depois de um esgotamento. “Vivemos momentos complicados e houve um desgaste, uma sobrecarga, por isso precisei me afastar”, explica.
 

Sobre o processo de criação, ele diz ter o mesmo ritmo do início da carreira. “Sou da década de 1980, quando todo mundo lançava um álbum novo por ano. O mundo mudou e eu, obviamente, passei a ter um ritmo de lançamentos distinto do que estava acostumado, obedecendo ao mercado. Mas, no fundo, eu sou um compositor de grande produtividade. Eu sou ligado nessa coisa da quantidade, da série, do agrupamento de itens semelhantes, mas distintos ao mesmo tempo. Esse é o raciocínio que eu tenho não só para músicas, mas para minha própria carreira. Fazer um disco é como organizar vasos, reunindo e agrupando diferentes espécies. Tudo é análogo”, diz. Inicialmente agendada apenas para o dia 2 de novembro em Ribeirão Preto, o show teve rapidamente os ingressos esgotados e uma nova data, no dia seguinte, foi confirmada no início desta semana. A expectativa também é de casa cheia no domingo e expectativa pelo segredo a ser revelado pela estrela misteriosa.
 

Confira a entrevista que o músico concedeu com exclusividade à Revide.

 

Você acaba de lançar um álbum de inéditas depois de quase uma década. Como foi o processo de composição do 'Estrela...'? Ele é fruto de um período específico ou foi composto durante todo esse tempo?

Eu estava sem lançar um disco com músicas inéditas desde 2016, então já fui guardando algumas composições ao longo do tempo e acabei compondo outras durante todo o processo de gravação. As composições são minhas, salvo algumas que são de minha autoria com parcerias, mas tudo foi gravado com uma banda ao vivo, arranjado e gravado imediatamente num processo semelhante ao que eu faço, mas muito mais veloz. A produção é do Barrett Martin, que tocou bateria em todas as faixas, e do Peter Buck, grande músico e guitarrista do R.E.M., que tocou as faixas do disco triplo (menos o disco bônus). Esse período de gravação foi prazeroso, por estar com uma banda muito boa, que inclui também Os Infernais e meu filho Sebastião.

 

Olhando para sua trajetória, como você enxerga a evolução do seu som e da sua composição, desde a época dos Titãs até seu trabalho solo atual? Há algo que surpreendeu até você nessa jornada?

Tudo é surpreendente. Na verdade, trabalhar com o que eu faço é buscar a surpresa através do abstrato e organizar de uma forma que seja original. No entanto, isso é uma uma trajetória de desenvolvimento de criação de linguagem. Eu fiquei 20 anos nos Titãs, comecei com 19 anos, sou membro fundador da banda. Um trabalho coletivo como uma banda tão, digamos, eclética, numerosa e democrática como os Titãs, é justamente essa costura de diferentes pensamentos, diferentes linguagens. E isso foi um grande aprendizado e descoberta. Até que a partir de um determinado momento, eu já não conseguia dar vazão dentro da banda à minha própria produção como compositor e ao meu pensamento musical, que tem sua peculiaridade. Então eu saí em 2002, continuei gravando discos e realizando shows. Tenho uma banda quase fixa, com quem trabalho, porque eu gosto e acredito muito. Para mim, a melhor forma de identificar o que é novo, é em cima de uma base semelhante, sabe, imagine uma mesa com feltro verde quando a cada vez você joga um dado e daí consegue rapidamente ver a combinação desses dados. Mas eu estou sempre sendo surpreendido e buscando me surpreender, porque trabalhar com outros músicos é sempre contar com a contribuição de pensamentos de gente talentosa, que também vai se renovando. A junção gera o inesperado, sobretudo esse álbum.

 

Você tem planos a longo prazo? Quais são os próximos passos depois dessa turnê? Foi noticiada uma parceria com o cantor Leo Santana e até a possibilidade de você tocar no carnaval de Salvador. Há mais planos que você pode adiantar?

Planos a longo prazo eu sempre tenho, mas eu não gosto de adiantá-los, porque como todo plano, ele é só um desejo, e eu não me fixo, embora eu tenha um plano para me direcionar, até para ter um norte, nem sempre ele é realizado, ele é apenas uma direção. Sobre a parceria com o Léo, eu tenho convidado artistas de diferentes regiões, idades para fazerem versões das minhas músicas novas. Há outros que eu não vou revelar. Será uma surpresa, inclusive para mim, os detalhes dessa parceria. Como diz Gil, meu mestre, ‘mistério sempre há de pintar por aí’.

 

Em Ribeirão Preto, você vai se apresentar no Theatro Pedro II. Você vem de uma super turnê com dezenas de shows em estádios e grandes arenas com o Titãs. Como o espaço e o ambiente influenciam sua performance ao vivo, existe uma diferença de preparação ou de troca com o público?

Ah, sim, é muito diferente. Foi uma emoção me apresentar no Allianz com os Titãs, seis noites com quase 50 mil pessoas, mas eu gosto também desse contato mais próximo com a plateia, eu me sinto à vontade, acho que me comunico melhor. E esse show, especialmente, se presta a isso, porque é um show que apresenta músicas novas, apesar de muitas das canções conhecidas estarem presentes. É uma combinação entre as canções novas com as canções mais conhecidas. Além disso, o teatro é lindo. Já me apresentei algumas vezes lá, mas é raro eu poder tocar em teatro. Esse show é em um lugar perfeito, tanto que eu vou fazer duas datas. Convido a todos para comparecerem, porque além de eu ter comigo uma banda magnífica, que tem a presença mais do que especial do Peter Buck e Barrett Martin, que são músicos que moram nos Estados Unidos, é uma oportunidade única para todo mundo assistir esse show inédito, “Uma Estrela Misteriosa”.

 

Pode falar um pouco sobre o que preparou para essa turnê, vai passear por toda a carreira? E sobre os músicos que te acompanham? Quantos e quem são? Poderia destacar algo nesse sentido?

Essa turnê, “Uma Estrela Misteriosa”, apresenta o disco quádruplo que lancei este ano, intitulado “Uma Estrela Misteriosa Revelará o Segredo”, que reúne 30 músicas, entre elas, 26 inéditas e 4 regravações. Além delas, na turnê apresento grandes hits da minha carreira, como “All Star”, “O Segundo Sol”, “Relicário” e “Marvin”, para que todos possam celebrar mais ainda esse momento ao meu lado. Para este trabalho, contei com a colaboração de músicos excepcionais e talentosos rock, de bandas mundialmente conhecidas como Pearl Jam, Guns N' Roses, Nirvana, R.E.M. e Patti Smith Group. Esses amigos foram apresentados a mim e contribuíram para o disco por meio do Barrett Martin, que toca e convive com eles, além do Jack Endino. Peter Buck é meu parceiro em duas faixas do álbum, é membro da banda que gravou o disco e também estará presente nos shows da turnê, além de Sebastião.

 


Foto: Felipe Campos\divulgação

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