Consulta popular vai definir quais escolas de SP serão transformadas em unidades cívico-militar
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil

Consulta popular vai definir quais escolas de SP serão transformadas em unidades cívico-militar

Proposta do governador Tarcísio de Freitas enfrenta críticas e resistência de professores e alunos; cenário de insegurança seria principal motivo da mudança

Um projeto do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), pretende transformar até 100 escolas estaduais de ensino médio em unidades cívico-militares a partir de 2025. Pelo projeto, sancionado no início do ano, militares da reserva desempenharão o papel de professores nas escolas. Uma consulta popular será aberta ainda neste mês para definir se a mudança será implantada já no próximo ano. A Secretaria Estadual de Educação ainda não divulgou quantas das 25 escolas estaduais de ensino médio de Ribeirão Preto manifestaram interesse em participar da transformação. Em maio, um canal foi aberto para que diretores e coordenadores escolares registrassem seu interesse.

 

"As escolas cívico-militares são um instrumento fundamental para resgatarmos valores perdidos em nossa sociedade, como respeito, disciplina e responsabilidade", discursou Tarcísio durante um evento conservador em Santa Catarina, no início do mês. Ele foi ovacionado pelos participantes alinhados ideologicamente com o ex-presidente Jair Bolsonaro e com o presidente argentino Javier Milei, também presentes no evento.

 

O governador disse não entender como alguém possa ser contra o programa. No entanto, há um número significativo de profissionais e estudantes contrários à mudança. "A violência nas escolas é um problema complexo que não será resolvido apenas com a presença de militares. É necessário investir em políticas públicas que abordem as causas sociais e estruturais da violência", defendeu Carolina Martins, pesquisadora da área de educação da Universidade de São Paulo (USP). A mudança tem gerado diferentes reações entre alunos, pais e educadores. Alguns alunos veem a mudança com bons olhos, como é o caso de João Paulo Celegate, estudante do primeiro ano do ensino médio da Escola Estadual Cônego Barros, de Ribeirão Preto. "Acho que a disciplina militar vai ajudar a melhorar o ambiente escolar. Às vezes, a falta de respeito e de ordem atrapalha muito o aprendizado", disse o estudante.

 

Por outro lado, professores e diretores expressam preocupação com a militarização do ambiente escolar. O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) entrou na Justiça contra o programa. "Vamos empregar todos os recursos possíveis para impedir que essa imposição ilógica seja efetivada", prometeu Fábio Moraes, presidente da Apeoesp. “Vamos nos mobilizar para impedir a transformação de escolas regulares em escolas cívico-militares ou a criação dessas escolas com recursos da educação; para que não sejam pagos salários superiores aos de professores para militares aposentados; e para que não sejam formatadas as mentes de nossas crianças e jovens de acordo com o pensamento único do militarismo”, informou uma nota divulgada pelo sindicato.

 

AUnião Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes) também criticou o A projeto. “Nós, estudantes, estamos unificados com os professores para dizer não a esse projeto que visa sucatear a nossa educação. Defendemos a valorização dos professores, uma escola de qualidade, digna e com uma boa infraestrutura”, ressaltou a nota da entidade. A Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) criticou o modelo de escolas cívico-militares, classificando-o como inconstitucional. "O modelo de escolas cívico-militares fere os princípios da gestão democrática do ensino público, previstos na Constituição Federal. A presença militar nas escolas pode representar uma ameaça à liberdade deexpressão e à pluralidade de ideias no ambiente escolar", disse a entidade em nota.

 

O ministro da Educação, Camilo Santana, disse observar com cautela a reforma proposta pelo governo paulista. "Os estados têm autonomia para implementar suas políticas educacionais, mas é preciso respeitar a Constituição e garantir que a educação pública seja inclusiva e de qualidade", afirmou. Para a professora e coordenadora da Rede Emancipa em Ribeirão Preto, movimento social de cursinhos populares focado em alunos de baixa renda, o caminho deveria ser outro. "A maioria das escolas aptas para a implementação do modelo cívico-militar está localizada nas periferias. Nossas escolas estaduais precisam de melhorias na infraestrutura, aumento no quadro de professores, investimento em uma educação de qualidade, e não de policiais dentro das escolas doutrinando, intimidando e reprimindo nossos estudantes", crítica Bruna Silva (foto ao lado).

 

O motorista Carlos Pardinho tem dois filhos matriculados no Ensino Médio e diz que a mudança pode ser positiva se não houver nenhum tipo de truculência. “Acho que pode ajudar a dar uma sensação de segurança nas escolas, mas essa presença militar precisa ser compreendida por todo mundo, até onde eles podem ir e até onde os alunos podem”, diz.

 

Tarcísio garante que a iniciativa é necessária para enfrentar os desafios do sistema educacional paulista e que seguirá a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). "Estamos trazendo um modelo que combina a excelência acadêmica com a disciplina militar. Isso vai proporcionar um ambiente mais seguro e propício para o aprendizado", afirmou em uma coletiva de imprensa.

 

Em 2022, projeto foi barrado pela Justiça. Há dois anos, a Apeoesp conseguiu barrar um projeto semelhante, proposto pelo deputado Tenente Coimbra (PL) e sancionado pelo então governador João Dória, que permitia a militarização das escolas estaduais. Na ocasião, a legislação foi considerada inconstitucional pelo Judiciário paulista, pois a submissão de projetos sobre programas educacionais é uma atribuição do Poder Executivo, e o projeto em questão havia sido originado na Assembleia Legislativa. Desta vez, no entanto, a proposta do PL foi feita pela própria administração de Tarcisio. "Estamos preparados para investir o necessário e oferecer o suporte adequado para que essa transformação seja bem-sucedida. Nosso objetivo é que todas as escolas cívico-militares de São Paulo se tornem referências de qualidade e disciplina", prometeu.

 

NOVA MUDANÇA

 

Apesar de ainda ser gradual, a mudança na formação dos jovens, se efetivada, será a segunda reforma no ensino paulista em menos de dois anos. Neste ano, todos os 3,5 milhões de estudantes matriculados em 5,3 mil escolas tiveram uma reestruturação no currículo. Até 2023,a grade curricular possuía 12 disciplinas fixas para todos os alunos. Em 2024, passou a contar com três opções de aprofundamento: Ciências da Natureza e suas Tecnologias + Matemática; Linguagens e suas Tecnologias + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; e Ensino Profissionalizante. O aprofundamento é escolhido pelo estudante na 1ª série e cursado durante as 2ª e 3ª séries. "O tempo destinado ao aprendizado de língua portuguesa foi ampliado em 60% (considerando as aulas de língua portuguesa e redação e leitura) e de matemática em 70% (considerando as aulas de matemática e educação financeira). Outra demanda atendida da rede foi a reinclusão das aulas de física, geografia e história na 3ª série do Ensino Médio, com duas aulas de cada matéria na última etapa do Ensino Médio", explicou a secretaria em nota. 

 

Ainda de acordo com a pasta, "as disciplinas de arte, filosofia, sociologia e tecnologia e robótica, passaram a ter duas aulas no Ensino Médio e foram aprimoradas na matriz curricular dos itinerários formativos. Ou seja, estudantes que optam pela área de Humanas, têm quatro aulas de arte e mídias digitais e outras quatro aulas de filosofia e sociedade moderna. As aulas de robótica foram inseridas no itinerário formativo de Exatas, com oito aulas complementares de tecnologia e robótica." Além disso, novas disciplinas foram implantadas para todos os alunos a partir da 1ª série: Educação Financeira, Projeto de Vida, Redação e Leitura e Aceleração para Vestibular. A Formação Geral Básica, que engloba disciplinas tradicionais como matemática e língua portuguesa, permaneceu em todos os anos. Segundo o governo, a grade praticada em 2024 não será alterada nas escolas escolhidas para a transformação cívico-militar.

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