Inovação no setor público

Inovação no setor público

Larissa Eiras, ex-secretária de Desenvolvimento e Inovação de Ribeirão Preto, fala sobre os desafios enfrentados à frente da pasta bem como o legado deixado para a cidade

Criada em 2021, a Secretaria de Inovação e Desenvolvimento de Ribeirão Preto tem a missão de impulsionar o crescimento econômico e tecnológico do município, promovendo políticas de desburocratização, incentivo ao empreendedorismo e conexão entre governo, empresas e universidades. À frente de importantes iniciativas na área, Larissa Eiras atuou como secretária da pasta durante o segundo mandato da gestão Duarte Nogueira (PSDB), contribuindo para a implementação de programas voltados à inovação e à modernização da gestão pública.

 

Larissa Eiras é advogada, mestre em Direito pela USP e pós-graduada em Gestão de Cidades pela FAAP. Possui experiência em gestão pública, direito administrativo, constitucional e urbanístico, além de contratos e licitações. Seu trabalho é voltado para a modernização legislativa, desburocratização, inovação no setor público e promoção da transparência e compliance em organizações. Em entrevista, ela detalhou os desafios e avanços na consolidação de Ribeirão Preto como um polo de tecnologia, além das políticas adotadas para facilitar o desenvolvimento de startups e atrair novos investimentos para a cidade.
 

Ainda não é de conhecimento de toda a população que Ribeirão Preto possui uma Secretaria de Inovação e Desenvolvimento. Poderia nos contar quais são as principais atribuições dessa pasta e a sua importância para o município?
 

A Secretaria de Inovação é a mais jovem da administração pública municipal, implementada em janeiro de 2021. Fui convidada a integrar a equipe pelo então secretário Eduardo Molina e juntos enfrentamos o grande desafio de estabelecer as bases da Secretaria. Sendo uma estrutura recém-criada, contávamos com uma equipe reduzida e um orçamento limitado, o que exigiu criatividade e gestão eficiente para consolidar suas operações e fortalecer sua atuação. A Secretaria de Inovação e Desenvolvimento tem importância fundamental para ajudar a impulsionar o desenvolvimento econômico e tecnológico da cidade por meio da desburocratização, atração de investimentos e conexão entre governo, empresas, universidades e sociedade civil para fomentar a inovação e a transformação digital.
 

Quais são os principais gargalos que Ribeirão Preto ainda enfrenta para se consolidar como um polo de inovação e tecnologia?
 

Ribeirão Preto já se destaca como um polo de inovação e tecnologia, com hubs como Dabi Business Park, Onovolab e Supera Parque. Em 2023, foi reconhecida entre os 100 maiores ecossistemas de inovação do Brasil pelo Ranking 100 Open Startups, superando cidades como Santos e Sorocaba, além de capitais como Rio de Janeiro e Recife. A forte vocação para a saúde e a parceria com a USP consolidaram o Supera Parque como um dos principais centros de inovação do país. Criado em 2014, o Supera Parque apoia empresas de base tecnológica (EBTs) em áreas como Saúde, Biotecnologia, Agronomia, Bioenergia e TIC. Resultado de uma parceria entre USP, Prefeitura e o Estado, é gerido pela FIPASE. A Prefeitura financia cerca de 60% do orçamento e oferece incentivos fiscais para atrair empreendimentos.
 

Atualmente, Ribeirão Preto concede redução de ISS, isenção de IPTU, ITBI e taxas para empresas de tecnologia e inovação. No entanto, ainda há desafios para fortalecer o polo tecnológico. Um dos principais é ampliar a divulgação desses incentivos, permitindo que mais empresas os aproveitem. Também é fundamental expandi-los para outras regiões, descentralizando o desenvolvimento e simplificando a abertura de empresas. Outro grande desafio é reter profissionais de tecnologia, já que muitos migram para polos como São Paulo e Campinas. Para fortalecer o ecossistema local, é essencial investir em capacitação, parcerias entre universidades e empresas e fomentar um ambiente de inovação mais dinâmico e atrativo.
 

Durante sua gestão na Secretaria de Inovação e Desenvolvimento, quais foram os principais feitos que você destacaria no que se refere a políticas públicas voltadas à inovação?
 

Durante minha gestão como Secretária Adjunta de Inovação, avançamos significativamente na construção de políticas públicas voltadas à inovação, criando um ambiente propício para o desenvolvimento tecnológico e fortalecimento do ecossistema inovador da cidade. Entre as principais iniciativas, destaco o Programa “Sandbox”, regulamentado pelo Decreto 68/2024, que institui ambientes experimentais de inovação científica, tecnológica e empreendedora, permitindo a criação de bancos de testes regulatórios e tecnológicos para fomentar parcerias estratégicas e projetos de cooperação. Também implementamos o Programa Inova Cidades, autorizado pela Lei Ordinária 14846/2023, que possibilita acordos de parceria com empresas privadas para oferecer internet gratuita em espaços públicos e impulsionar o desenvolvimento de tecnologias inovadoras. Além disso, regulamentamos a Lei de Liberdade Econômica por meio do Decreto 170/2023, promovendo a simplificação de processos, fiscalização orientadora e aprovação tácita para facilitar a abertura e operação de negócios. O Decreto 286/2023 complementa essa iniciativa ao classificar 1.067 atividades econômicas como de baixo risco, dispensando-as de alvarás, o que rendeu a Ribeirão Preto o Prêmio “Liberdade para Trabalhar nos Municípios”. Por fim, criamos o Programa Empresa Fácil, um sistema totalmente online que automatiza o processo de abertura, alteração e encerramento de empresas, reduzindo a burocracia e garantindo mais eficiência ao empreendedorismo na cidade.
 

Como o setor público pode atuar de forma mais eficiente ao lado de universidades, startups e empresas para fomentar o ecossistema de inovação?
 

O programa “Sandbox” é um dos principais instrumentos para tornar a atuação conjunta entre setor público, universidades, startups e empresas mais eficiente. Além disso, o Programa “Inova Cidade” também se destaca como uma ferramenta essencial para fortalecer o ecossistema de inovação em Ribeirão Preto. Já há um acordo em vigor entre a Unaerp e a Prefeitura, firmado em 2024, permitindo que alunos de graduação e pós-graduação desenvolvam projetos de pesquisa e extensão universitária vinculados à gestão municipal, sem custo ao município. Para ampliar esse impacto, é essencial expandir o programa para outras instituições acadêmicas e startups, promovendo um ambiente colaborativo de troca de conhecimento e desenvolvimento de novas tecnologias.
 

Outra estratégia importante seria a criação de um Fundo Municipal de Inovação, destinado ao financiamento de startups e projetos universitários voltados a soluções sustentáveis e modernização da gestão pública. Além disso, a Administração Pública pode adotar a modalidade de diálogo competitivo nos processos licitatórios para a contratação de soluções tecnológicas, conforme previsto na nova Lei de Licitações (Lei Federal 14.133/2021). Esse modelo permite que o governo dialogue com empresas especializadas antes de definir a melhor solução para um problema complexo, evitando a escolha de tecnologias já obsoletas.
 

Por fim, é fundamental que o setor público apoie os “Arranjos Produtivos Locais” (APLs), que reúnem empresas, cooperativas e instituições de um mesmo setor produtivo para compartilhar infraestrutura, conhecimento e inovação. A Secretaria de Inovação teve um papel ativo no apoio ao APL da Saúde da região metropolitana de Ribeirão Preto, que engloba 273 estabelecimentos industriais dos segmentos de dispositivos médicos, saúde animal e cosméticos. Esse arranjo fortalece o setor da saúde, atrai novas empresas e conecta universidades, startups e instituições, tornando a região uma referência na área da saúde em diferentes aspectos, como serviços, indústria, tecnologia, educação e pesquisa.
 

Como a cidade pode se preparar melhor para reter talentos qualificados e evitar a fuga de profissionais para grandes centros?
 

Trata-se de problema complexo e multifatorial que depende de diálogo e aproximação do Poder Público e dos diversos atores da sociedade civil organizada: empresas, universidades e entidades do Sistema S. Em termos de políticas públicas, acredito que o primeiro passo é fortalecer a conexão entre universidades e o mercado de trabalho, incentivando a criação de programas de estágio e trainee para reter talentos formados localmente, antes de sua diplomação nas universidades. Considerando que a “qualidade de vida” é um dos fatores que leva a fuga desses profissionais para outros lugares, importante que o Poder Público melhore a infraestrutura urbana, investindo em políticas de mobilidade urbana que facilite o deslocamento, segurança, lazer e moradia acessível.
 

Você sempre defendeu a transparência e a modernização da gestão pública. Como a inovação pode ser usada para tornar os serviços públicos mais eficientes e acessíveis?
 

A inovação melhora continuamente os serviços públicos, exigindo escuta dos usuários, identificação de falhas e mapeamento de oportunidades. A nova lei de licitações permite diálogo competitivo, garantindo soluções tecnológicas mais eficazes. O "Sandbox" possibilita testes antes da implementação em larga escala. A transparência é essencial, com diretrizes de dados abertos e avaliação contínua por meio de pesquisas. Em 2024, a Prefeitura lançou o Geoportal, centralizando informações urbanísticas para cidadãos e empreendedores. Também modernizamos a Carta de Serviços, tornando seus fluxos mais claros, conforme as leis de Governo Digital e Acesso à Informação. Essas ações fortalecem a relação com a população e tornam a gestão mais eficiente.
 

Muitas iniciativas de inovação dependem da continuidade das políticas públicas. Como garantir que Ribeirão Preto mantenha um planejamento estratégico para inovação até 2030, independentemente de mudanças de governo?
 

O Plano Diretor de Tecnologia da Informação e Comunicação (PDTIC) é o principal instrumento para garantir um planejamento estratégico de longo prazo para a inovação no setor público. Em Ribeirão Preto, o PDTIC foi aprovado pelo Decreto nº 109/2020 com um período de vigência de quatro anos (2020-2024), tornando este um momento ideal para sua renovação e ampliação até, no mínimo, 2030. Além disso, o PDTIC deve incorporar diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, promovendo ações como incentivo ao uso de tecnologias inovadoras (ODS 9), digitalização de serviços públicos para cidades mais conectadas (ODS 11), fortalecimento da transparência e governança digital (ODS 16), inclusão digital e capacitação profissional (ODS 4) e implementação de soluções sustentáveis para reduzir o impacto ambiental (ODS 13). Outro mecanismo essencial para assegurar a continuidade das políticas de inovação é a criação e institucionalização de um Conselho Municipal de Inovação, formado por representantes do governo, universidades, setor privado e sociedade civil. Esse conselho teria caráter consultivo e desempenharia um papel fundamental no apoio ao planejamento e à gestão da inovação no município. Além disso, poderia estabelecer métricas de desempenho e elaborar relatórios periódicos, garantindo transparência e continuidade. Para evitar descontinuidade política, os conselheiros deveriam ter mandatos fixos, independentes da administração vigente, assegurando que a inovação em Ribeirão Preto siga um planejamento estratégico sólido e sustentável até 2030.

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