Secretário de Saúde omitiu mensagem trocada com empresário, aponta PF

Secretário de Saúde omitiu mensagem trocada com empresário, aponta PF

Segundo Polícia Federal, mensagem indica possível favorecimento em licitação para a contratação de serviço de ambulância

A Polícia Federal de Ribeirão Preto concluiu o relatório baseado nas buscas e apreensões feitas na Prefeitura, no dia 11 e maio, a respeito da dispensa de licitação para a contratação do serviço de ambulâncias no município. De acordo com os agentes, o secretário municipal de Saúde, Sandro Scarpelini, teria omitido mensagens importantes trocadas com Aníbal Carneiro, proprietário da SOS Assistência Médica Familiar, vencedora da licitação. 

O documento elaborado pela Polícia Federal ainda será apreciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e poderá se tornar um processo contra os envolvidos. Nas 145 páginas do relatório, o delegado Daniel Vilmom Vizicato afirma que Scarpelini, Carneiro e a servidora Jane Aparecida Cristina, conscientemente, fraudaram a licitação.

O relatório narra que Carneiro tomou conhecimento da licitação por meio de um parente que trabalha no Samu e que, "de imediato", teria tomado providências para obter as cotações enviadas pelas demais empresas.

"De modo a lhe possibilitar apresentar a de menor valor. E, tendo em vista a proximidade que mantinha com Sandro Scarpelini, com contatos diários e troca de favores, é impossível imaginar que, desta vez, não teria se valido deste privilégio", alega a Polícia

Ao apresentar, de forma impressa, as mensagens em seu celular, a PF alega que Scarpelini teria omitido, deliberadamente, conversas que manteve com Carneiro sobre a licitação. Segundo depoimentos, os envolvidos alegam que Carneiro não falou da licitação com Scarpelini, apenas com a servidora Jane, que era a responsável na Secretaria da Saúde pelo processo.

"Sendo que estas mensagens comprovam que Aníbal [Carneiro] tinha, e sempre teve, contato com Sandro e não com Jane, uma vez que, caso fosse o contrário, como quiseram fazer crer os investigados, Aníbal manteria contato direto com Jane”, consta no relatório.

Na mensagem trocada, o empresário pergunta a Scarpelini se ele “já tinha ganhado as ambulâncias”. Confira:

 Mensagens que teriam sido omitidas pelo secretário de Saúde, segundo a PF

A PF também diz que Scarpelini realizou a dispensa indevida de licitação. O pedido para um reforço na frota partiu do próprio Samu e foi acatado pela Secretaria de Saúde. Contudo, ao tramitar pelo Secretaria da Administração, o processo foi devolvido à pasta de Saúde com um parecer jurídico que sugeria a realização da contratação por meio de pregão eletrônico, ainda mais porque os prazos seriam reduzidos pela metade, ou seja, seria concluído em aproximadamente 20 dias.

“Deste modo, percebe-se que Sandro deu causa a uma dispensa indevida de licitação e, assim agiu, não inadvertidamente ou por inabilidade, mas deliberadamente, com o intuito de possibilitar a contratação da empresa de Aníbal, favorecendo-o financeiramente e, como consequência, causando dano ao erário municipal, uma vez que os próprios representantes da empresa derrotada afirmaram que proporiam valores menores, caso fossem instados a fazê-lo”, escreve a Polícia Federal.

Outro lado

O Portal Revide entrou em contato com a Secretaria de Saúde, por meio de nota, a pasta informa que prestou todas as informações necessárias à Polícia Federal e que aguarda o pronunciamento oficial referente ao relatório.

"Em relação às investigações referentes ao aluguel das ambulâncias, a Secretaria de Saúde esclarece que prestou todas as informações necessárias à Polícia Federal.
Informa ainda que aguardará o pronunciamento oficial referente ao relatório citado já que as investigações ocorrem em segredo de justiça e o vazamento do mesmo é considerado ilegal podendo até mesmo prejudicar o andamento das investigações", informou a pasta.

Entenda o caso

Segundo o edital da dispensa de licitação, além do aluguel dos quatro veículos, devem estar incluso equipes, manutenção, combustível e outras necessidades.Os carros foram utilizados, principalmente, para suprir o aumento de demanda gerado pela pandemia do novo coronavírus.

O contrato previa um valor fixo por ambulância e um valor variável por quilômetro rodado. A média mensal de cada veículo é de R$ 68,9 mil, segundo levantamento do governo. O que resultaria em um gasto mensal de até R$ 275 mil por mês ou R$ 1,1 milhão nos quatro meses.

Segundo os documentos da contratação, a licitação foi feita em três lotes. O primeiro, no valor de até R$ 722 mil contempla os serviços de motorista, supervisores e técnicos de enfermagem. O segundo lote é referente a variável de quilômetros rodados pelas ambulâncias e apresenta uma estimativa de até R$ 226 mil.

Por fim, o terceiro lote diz respeito à locação dos automóveis pelo valor de R$ 189 mil. Desse modo, de acordo com a Secretaria da Saúde, o valor não alcançará a cifra de R$ 1 milhão, pois a quilometragem não foi tão elevada quanto se esperava. 

A Secretaria de Saúde informou que chegou aos valores após analisar o preço de mercado dos serviços. "Foram avaliados valores de mercado para estes profissionais, para um serviço de funcionamento 24 horas ininterruptas por sete dias da semana", declarou a Secretaria por meio de nota. Ao todo, três empresas foram consultadas. Uma ofereceu um valor de R$ 1.136.000,00, que foi superior ao oferecido pela vencedora.

Porém, uma das interessadas ofereceu R$ 563 mil pelos mesmos serviços. Contudo, segundo a Prefeitura, a empresa não apresentou Certidão Negativa de Débitos Federal e Municipal, além de não apresentar documentação relativa à capacitação técnica das equipes.

Scarpelini

Durante oitiva da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal que investiga a dispensa de licitação das ambulâncias, realizada no dia 17 de agosto, os vereadores questionaram o secretário de Saúde sobre uma reunião realizada com o proprietário da empresa vencedora, Aníbal Carneiro, durante um domingo enquanto estavam sendo realizadas as estimativas de preço.

Scarpelini declarou que não tinha conhecimento da participação da empresa no processo e foi convidado para a reunião por algumas pessoas, dentre elas o próprio Anibal, e o assunto a ser discutido inicialmente seria a solicitação de voluntários para auxiliarem nas filas da vacinação da gripe, visto que a campanha de vacinação estava próxima. No entanto, durante o encontro, foi oferecido ajuda de membros da maçonaria na aquisição de aventais.

O secretário afirmou em diversos momentos, que a Secretaria da Administração é responsável pelos contratos, e que se observaram algum valor incoerente, é dever da secretaria executar outros orçamentos. As criticas de Scarpelini à pasta da Administração, comandada por Marine de Oliveira, começaram depois que a secretária teria insinuado que, caso a licitação apresentasse algum problema, esse problema deveria ter surgido na Saúde.

Em entrevista à Revide no início do mês, Scarpelini criticou a fala da secretária. Confira um trecho da entrevista:

Revide: Durante a CPI das Ambulâncias, a secretária municipal de Administração, Marine de Oliveira, declarou que não é comum o envio da estimativa de preços às empresas, como ocorreu com a empresa que venceu a licitação. Ela disse que isso poderia ser um indício de direcionamento. Gostaria que o senhor comentasse essa discussão a respeito do orçamento, da estimativa de preços e a fala da secretária.

Sandro: Abrimos essa licitação, porque estávamos com uma epidemia de dengue e porque as notícias do mundo e do Ministério da Saúde não eram boas. Dos 210 funcionários do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], chegamos a ter 80 afastados simultaneamente. Com isso, encaminhei a estimativa de preço que fizemos e uma requisição, justificando a compra, para a Secretaria de Administração. Lá, eles checaram se os documentos estavam corretos e abriram a licitação. No dia 27 de março, o dia fatídico, depois de encaminhadas as estimativas, eles mandaram um e-mail para as empresas afirmando que, entre as 12h e as 17h, estavam aceitando o envio das propostas comerciais, que corresponde a marcar um dia para receber as propostas em um envelope fechado.

Porém, se você chegasse na secretaria às 11h daquele dia e pedisse vistas do processo, eles seriam obrigados a mostrar. E você iria ver todas as estimativas que as empresas mandaram. É isso que recomendam os Tribunais de Contas. Após esse período, viram que a vencedora foi uma empresa de São Paulo, que ofereceu R$ 500 mil. Só que faltaram documentos importantes e foi dada uma chance para a empresa mandar os documentos, mas eles não enviaram. Fomos, então, para a segunda empresa, que tinha entregado todos os documentos. Por isso, o que a Marine falou foi uma infelicidade da parte dela, uma maldade ou algum recado para alguém. Fiquei oito anos na Faepa, administrei quase R$ 3 bilhões da saúde e não tenho uma anotação no Tribunal de Contas no meu nome, não ia ser por conta de um negócio desses que eu faria qualquer bobagem.

CPI

Na quarta-feira, 26, a Câmara leu o relatório final da CPI que investiga essa dispensa de licitação. No documento, de 34 páginas, os vereadores acusam o secretário Scarpelini e a servidora Jane de fraude no processo licitatório.

Os parlamentares argumentam que informações sigilosas foram repassadas ao empresário proprietário da SOS Assistência Médica e Familiar, que é frequentador da mesma loja Maçônica do prefeito Duarte Nogueira (PSDB) e de Scarpelini. Com isso, a CPI indica que a prática configura improbidade administrativa.

Dessa forma, a CPI solicita o afastamento do secretário Sandro Scarpelini e da servidora Jane Aparecida. Bem como, a instauração de um processo administrativo disciplinar na Prefeitura para ambos. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e o Ministério Público (MP) receberão todos os documentos e o relatório final. No documento, os vereadores também informam que irão oficiar a Coordenadoria Criminal do MP sobre os atos supostamente praticados.

Sobre a CPI, a Prefeitura alegou que o momento eleitoral teria impulsionado o andamento da CPI. "Trata-se de um momento eleitoral e o fato foi tratado sem levar em consideração tempos em que decisões rápidas e enérgicas devem ser tomadas para salvar vidas. O relatório do Legislativo não apresenta nenhuma informação nova que o os órgãos competentes desconheçam", escreveram.

Ainda na nota, o governo reitera que a "lisura da conduta da Secretaria de Saúde já foi confirmada pela Corregedoria Geral do Município, considerando que não há indícios de desrespeito aos princípios administrativos portanto pedindo o arquivamento do processo de investigação realizada de forma independente. Informa ainda que a cópia das investigações da Corregedoria será encaminhada aos órgãos de controle".


Fotos: João Camargo / Arquivo Revide e Reprodução

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