CPI das Ambulâncias aponta possível fraude em licitação da Prefeitura de Ribeirão Preto

CPI das Ambulâncias aponta possível fraude em licitação da Prefeitura de Ribeirão Preto

No relatório final, Comissão Parlamentar de Inquérito pede o afastamento do secretário da Saúde; Prefeitura alega que o momento eleitoral teria impulsionado o andamento da CPI

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de Ribeirão Preto que investiga a licitação que resultou na contratação de serviço de ambulância no município alega fraude e possível crime de improbidade administrativa. A Prefeitura de Ribeirão Preto alegou, por meio de nota, que o momento eleitoral teria impulsionado o andamento da CPI. 

O relatório final da CPI está sendo lido, na manhã desta quarta-feira, 26, no plenário da Câmara, pelo relator da CPI, o vereador Renato Zucoloto (PP). A Comissão é presidida pelo vereador Orlando Pesoti (PDT) e tem como membros Jean Corauci (PSB), Paulo Modas (PSL), Alessandro Maraca (MDB) e Marinho Sampaio (MDB). O relatório será votado na sessão de quinta-feira, 27.

No documento, de 34 páginas, os vereadores acusam o secretário Municipal de Saúde, Sandro Scarpelini e a servidora Jane Aparecida Cristina de fraudarem o procedimento, com dispensa indevida de licitação, com a intenção de beneficiar a empresa SOS Assistência Médica Familiar.

Os parlamentares argumentam que informações sigilosas foram repassadas ao empresário Anibal Carneiro, proprietário da SOS Assistência Médica e Familiar e frequentador da mesma loja Maçônica do prefeito Duarte Nogueira (PSDB) e de Scarpelini. Com isso, a CPI indica que a prática configura improbidade administrativa.

Dessa forma, a CPI solicita o afastamento do secretário Sandro Scarpelini e da servidora Jane Aparecida. Bem como, a instauração de um processo administrativo disciplinar na Prefeitura para ambos.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e o Ministério Público (MP) receberão todos os documentos e o relatório final. No documento, os vereadores também informam que irão oficiar a Coordenadoria Criminal do MP sobre os atos supostamente praticados.

Outro lado

Procurada, a Prefeitura alega que o momento eleitoral teria impulsionado o andamento da CPI. "Trata-se de um momento eleitoral e o fato foi tratado sem levar em consideração tempos em que decisões rápidas e enérgicas devem ser tomadas para salvar vidas. O relatório do Legislativo não apresenta nenhuma informação nova que o os órgãos competentes desconheçam", escreveram.

Ainda na nota, o governo reitera que a "lisura da conduta da Secretaria de Saúde já foi confirmada pela Corregedoria Geral do Município, considerando que não há indícios de desrespeito aos princípios administrativos portanto pedindo o arquivamento do processo de investigação realizada de forma independente. Informa ainda que a cópia das investigações da Corregedoria será encaminhada aos órgãos de controle".

Por último, defende rapidez nas investigações para que essas questões sejam esclarecidas e garante que "continuará contribuindo, como sempre o fez, para trazer todas as informações necessárias e prestar quaisquer esclarecimentos".

Entenda o caso

Segundo o edital da dispensa de licitação, além do aluguel dos quatro veículos, devem estar incluso equipes, manutenção, combustível e outras necessidades. Os carros serão utilizados, principalmente, para suprir o aumento de demanda gerado pela pandemia do novo coronavírus.

O contrato prevê um valor fixo por ambulância e um valor variável por quilômetro rodado. A média mensal de cada veículo é de R$ 68,9 mil, segundo levantamento do governo. O que resultaria em um gasto mensal de até R$ 275 mil por mês ou R$ 1,1 milhão nos quatro meses.

Segundo os documentos da contratação, a licitação foi feita em três lotes. O primeiro, no valor de até R$ 722 mil contempla os serviços de motorista, supervisores e técnicos de enfermagem. O segundo lote é referente a variável de quilômetros rodados pelas ambulâncias e apresenta uma estimativa de até R$ 226 mil.

Por fim, o terceiro lote diz respeito à locação dos automóveis pelo valor de R$ 189 mil. Desse modo, de acordo com a Secretaria da Saúde, o valor não alcançará a cifra de R$ 1 milhão, pois a quilometragem não foi tão elevada quanto se esperava. 

A Secretaria de Saúde informou que chegou aos valores após analisar o preço de mercado dos serviços. "Foram avaliados valores de mercado para estes profissionais, para um serviço de funcionamento 24 horas ininterruptas por sete dias da semana", declarou a Secretaria por meio de nota. Ao todo, três empresas foram consultadas. Uma ofereceu um valor de R$ 1.136.000,00, que foi superior ao oferecido pela vencedora.

Porém, uma das interessadas ofereceu R$ 563 mil pelos mesmos serviços. Contudo, segundo a Prefeitura, a empresa não apresentou Certidão Negativa de Débitos Federal e Municipal, além de não apresentar documentação relativa à capacitação técnica das equipes.

No dia 11 de maio, gentes da Polícia Federal de Ribeirão Preto fizeram buscas de documentos na Prefeitura buscando documentos e informações referentes à dispensa de licitação das ambulâncias. Na ocasião, o Executivo informou que "contribui integralmente com os órgãos competentes, em especial a Polícia Federal e já apresentou todas as informações solicitadas."

Segundo apurado pela reportagem, o inquérito da Polícia Federal já está em fase final e deve ser entregue ao Ministério Público. O documento indiciaria membros da administração municipal. 

Scarpelini

Durante oitiva da CPI realizada no dia 17 de agosto, na Câmara, os vereadores questionaram o secretário de Saúde sobre uma reunião realizada com o proprietário da empresa vencedora, Aníbal Carneiro, durante um domingo que estava sendo realizadas as estimativas de preço.

Scarpelini declarou que não tinha conhecimento da participação da empresa no processo e foi convidado para a reunião por algumas pessoas, dentre elas o próprio Anibal, e o assunto a ser discutido inicialmente seria a solicitação de voluntários para auxiliarem nas filas da vacinação da gripe, visto que a campanha de vacinação estava próxima. No entanto, durante o encontro, foi oferecido ajuda de membros da maçonaria na aquisição de aventais.

O secretário afirmou em diversos momentos, que a Secretaria da Administração é responsável pelos contratos, e que se observaram algum valor incoerente, é dever da secretaria executar outros orçamentos. As criticas de Scarpelini à pasta da Administração, comandada por Marine de Oliveira, começaram depois que a secretária teria insinuado que, caso a licitação apresentasse algum problema, esse problema deveria ter surgido na Saúde.

Em entrevista à Revide no início do mês, Scarpelini criticou a fala da secretária. Confira um trecho da entrevista:

Revide: Durante a CPI das Ambulâncias, a secretária municipal de Administração, Marine de Oliveira, declarou que não é comum o envio da estimativa de preços às empresas, como ocorreu com a empresa que venceu a licitação. Ela disse que isso poderia ser um indício de direcionamento. Gostaria que o senhor comentasse essa discussão a respeito do orçamento, da estimativa de preços e a fala da secretária.

Sandro: Abrimos essa licitação, porque estávamos com uma epidemia de dengue e porque as notícias do mundo e do Ministério da Saúde não eram boas. Dos 210 funcionários do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], chegamos a ter 80 afastados simultaneamente. Com isso, encaminhei a estimativa de preço que fizemos e uma requisição, justificando a compra, para a Secretaria de Administração. Lá, eles checaram se os documentos estavam corretos e abriram a licitação. No dia 27 de março, o dia fatídico, depois de encaminhadas as estimativas, eles mandaram um e-mail para as empresas afirmando que, entre as 12h e as 17h, estavam aceitando o envio das propostas comerciais, que corresponde a marcar um dia para receber as propostas em um envelope fechado.

Porém, se você chegasse na secretaria às 11h daquele dia e pedisse vistas do processo, eles seriam obrigados a mostrar. E você iria ver todas as estimativas que as empresas mandaram. É isso que recomendam os Tribunais de Contas. Após esse período, viram que a vencedora foi uma empresa de São Paulo, que ofereceu R$ 500 mil. Só que faltaram documentos importantes e foi dada uma chance para a empresa mandar os documentos, mas eles não enviaram. Fomos, então, para a segunda empresa, que tinha entregado todos os documentos. Por isso, o que a Marine falou foi uma infelicidade da parte dela, uma maldade ou algum recado para alguém. Fiquei oito anos na Faepa, administrei quase R$ 3 bilhões da saúde e não tenho uma anotação no Tribunal de Contas no meu nome, não ia ser por conta de um negócio desses que eu faria qualquer bobagem.

Leia um trecho do relatório final:

Diante de todo o exposto, sugere-se:

1. Reconhecer que o Senhor Secretário Municipal da Saúde, Doutor Sandro Scarpelini e a servidora da Secretaria Municipal da Saúde, Jane Aparecida Cristina, concorreram para fraudar procedimento, com dispensa indevida de licitação, e assim beneficiar Anibal Leite Carneiro Júnior, por sua empresa S.O.S. Médicos Emergências Médicas,  compartilhando informações que detinham na condição de servidores públicos, sobre as quais deveriam guardar sigilo profissional, o que configura, em tese, crime na seara penal tipificado no artigo 89, da Lei 8.666/93, que é objeto de investigação própria na seara policial, e improbidade administrativa, nos termos do artigo 11, caput e inciso III, da Lei 8.429/92;

2. Reconhecer que a prática, em razão desse favorecimento, assemelha-se no campo penal da advocacia administrativa, patrocinando, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, o que é vedado em lei, valendo-se da qualidade de funcionário, o que configura, em tese, improbidade administrativa, prevista na Lei 8.429/92, em seu artigo 11, I;

Em razão do reconhecimento da prática de atos caracterizadores de improbidade administrativa, disciplinados na Lei 8429/92, resolve a Comissão Parlamentar de Inquérito, INDICAR as seguintes providências: 1

1. Expedição de ofício ao Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, Doutor Antônio Duarte Nogueira Junior, com cópia do presente relatório final desta Comissão Parlamentar de Inquérito, para as providências que entender cabíveis, em especial para os fins de abertura de Procedimento Administrativo Disciplinar em face dos servidores públicos, Doutor Sandro Scarpelini e Jane Aparecida Cristina, bem como para que seja apurada conduta da empresa S.O.S. Assistência Médica Familiar Eirelli M.E., cuja pena pode levar a impossibilidade de contratar com a Administração Pública, e eventual ressarcimento ao erário;

2. O afastamento dos servidores, Doutor Sandro Scarpelini e Jane Aparecida Cristina, em razão do procedimento administrativo disciplinar ora recomendado, e que admite o afastamento cautelar, de conformidade com o que preceitua a legislação que rege o servidor público municipal;

3. Oficiar o Tribunal de Contas do Estado, com cópia integral do presente procedimento apuratório, para que os Senhores Conselheiros auditem a dispensa de licitação n. 79/2020, que deu origem ao processo de compras n. 185/2020;

4. Oficiar o Ministério Público Estadual - Coordenadoria Cível, a quem incumbe por designação legal, o ajuizamento de Ação Civil Pública, caso assim entenda necessário;

5. Oficiar o Ministério Público Estadual – Coordenadoria Criminal, a quem foi distribuído o Inquérito Policial instaurado para fins de apuração os fatos aqui descritos;

6. Oficiar o Tribunal de Contas da União para aquilatar a legalidade da mudança de rubrica orçamentária relativa a origem dos recursos que determinaram a modificação das notas de empenho à conta de convênio federal para estadual, ocasionando assim, modificação de competência legal para apuração de eventual prática de ilícito penal


Foto: Câmara Ribeirão Preto

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