Alerta para o equilíbrio

Alerta para o equilíbrio

Após morte de macacos por febre amarela na USP, especialistas alertam para a importância de um ambiente equilibrado e sadio entre humanos e animais silvestres que vivem nas cidades

O recente episódio com macacos bugios encontrados mortos na mata do campus da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, acendeu um sinal de alerta para as autoridades de saúde. Os animais foram vítimas da febre amarela, uma doença viral grave, transmitida pela picada de mosquitos infectados. Paralelamente, a cidade também enfrenta a preocupação com a febre maculosa, uma doença bacteriana transmitida pelo carrapato-estrela, que já levou ao fechamento dos parques Maurílio Biagi e Olhos D’Água.
 

Medidas de controle, prevenção e conscientização da população foram intensificadas pelas autoridades, e especialistas chamam a atenção para a necessidade de equilíbrio entre fauna e meio urbano. “A cidade precisa entender que não pode existir isolada da natureza. O impacto das ações humanas afeta diretamente os ecossistemas, e garantir esse equilíbrio é essencial não apenas para a preservação da biodiversidade, mas também para a nossa própria qualidade de vida”, explica a professora da USP, Patrícia Monticelli.
 

A febre amarela é causada por um vírus transmitido pelo mosquito Haemagogus em áreas silvestres e pelo Aedes aegypti em áreas urbanas. Os sintomas incluem febre alta, calafrios, dor muscular, fadiga, náusea e, nos casos mais graves, comprometimento hepático e renal, podendo levar à morte.
 

Os bugios têm papel fundamental no ecossistema e na saúde pública. Segundo o biólogo Otávio Almeida, do Centro de Triagem e Recuperação de Animais Silvestres Morro de São Bento (Cetras), “os bugios são animais folívoros, ou seja, ingerem majoritariamente folhas, mas também consomem frutos, auxiliando na dispersão de sementes e na reconstrução de florestas”. Além disso, esses primatas atuam como sentinelas para a febre amarela, pois “são suscetíveis ao vírus, vindo a óbito em curto período de tempo, o que os torna indicadores da circulação do vírus, auxiliando as autoridades ambientais e de saúde no manejo correto para controle da epizootia”, ressalta.
 

Patrícia Monticelli também destaca a importância desses animais, questionando a visão antropocêntrica sobre a conservação das espécies. “Veja, qual a importância deles na natureza? Por que tem que ter importância para o ser humano para uma espécie ser valorizada? Todas as espécies animais têm uma função para o ecossistema que ocupam, e isso não tem nada a ver com trazer algum benefício para o ser humano ou não”, pontua. No entanto, ela reforça que, considerando a perspectiva humana, os bugios são fundamentais para o monitoramento sanitário. “À medida que começamos a ver bugios mortos, a Secretaria da Saúde já liga um alerta e diz: olha, risco de febre amarela para o ser humano”, acrescenta.
 

Embora os seres humanos tenham maiores chances de sobreviver à febre amarela, os bugios podem ser drasticamente impactados. “O ser humano não vai entrar em extinção local por causa da febre amarela, mas os bugios vão”, alerta Patrícia. Além do papel sanitário, a professora aponta que esses primatas têm funções ecológicas essenciais. “As folhas, para mamíferos, são de difícil digestão, mas esse animal tem uma especialização para digeri-las e, com isso, ele equilibra a floresta, como se fosse um podador e um gerador de material orgânico para nutrir o solo”, explica.
 

Outro impacto preocupante da febre amarela sobre os bugios é a perda da variabilidade genética. “A redução do tamanho populacional acarreta a perda da variabilidade genética, aumentando a probabilidade de doenças genéticas, o que os torna ainda mais vulneráveis à extinção”, explica Otávio Almeida. Esse declínio prejudica o ecossistema, limitando a polinização, a dispersão de sementes e a regeneração florestal, além de causar um desequilíbrio ecológico significativo.
 

Sobre a busca por soluções, Monticelli menciona que existe uma vacina experimental para febre amarela em bugios, mas seu uso ainda não é viável. “Há uma vacina de febre amarela para bugios em fase de estudos, mas ainda precisa ser aperfeiçoada. É como se estivéssemos em um momento de lacuna, onde a vacina existe, mas tem um custo talvez maior do que o benefício, e não sabemos seus efeitos colaterais. Precisamos de mais estudos, para que essa vacina seja produzida com segurança”, declara.
 

A principal forma de prevenção contra a febre amarela continua sendo a vacinação em humanos. A vacinação cria uma imunidade de rebanho, limitando a ação do vírus, e o combate ativo ao vetor, por meio da eliminação de criadouros e educação em saúde”, diz Otávio.
 

Doença do carrapato
 

Causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, a febre maculosa é transmitida pelo carrapato-estrela (Amblyomma sculptum). Os sintomas iniciais incluem febre alta, dor de cabeça intensa, dores no corpo e manchas vermelhas na pele, podendo evoluir rapidamente para um quadro grave, com risco de morte se não tratada a tempo.
 

O tratamento é feito com antibióticos, mas a prevenção é essencial. Recomenda-se evitar áreas de mata fechada sem proteção adequada, uso de roupas claras e compridas e inspeção no corpo após visitas a locais propensos ao carrapato-estrela. De acordo com relatório recente do Ministério da Saúde, a letalidade da febre maculosa brasileira pode chegar a 80% se não tratada precocemente.
 

O parque Olhos D’Água, na zona sul de Ribeirão Preto, está fechado desde 2021 por causa de uma infestação de carrapatos e deve ser reaberto em abril. “Foi uma decisão necessária para garantir o controle e monitoramento da infestação de carrapatos, potenciais transmissores da bactéria da febre maculosa. No entanto, após a realização de exames nas capivaras, que deram negativo para a doença, e a avaliação técnica da área pela Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), podemos afirmar que não há mais risco de transmissão. O monitoramento, no entanto, continuará em vigor”, explica Otávio Almeida.
 

Há dez anos, um problema semelhante ao do parque Olhos D’Água levou ao fechamento do parque Maurílio Biagi, na região central. O parque ficou quase oito meses fechado. Desde então, a Vigilância Epidemiológica e a Secretaria de Infraestrutura precisam fazer o monitoramento constante do local para evitar nova proliferação de carrapatos.
 

A febre maculosa existe no Brasil desde 1929 e é considerada ‘controlada’ pelo Ministério da Saúde. O último alerta para a doença aconteceu em 2023, quando seis pessoas morreram. Ribeirão Preto registrou quatro casos suspeitos naquele ano, mas todos foram descartados depois.
 

Apesar da letalidade, que chega a 70%, a médica veterinária Fernanda Battistella Passos Nunes, integrante da Comissão Técnica de Médicos-Veterinários de Animais Selvagens do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo, afirma que a febre maculosa é uma doença rara, já que menos de 1% da população de carrapatos é infectada pela bactéria. “Contrair febre maculosa é mais raro do que contrair dengue. Desta forma, sem informação adequada e com sintomas subjetivos, há um risco grande de erro de diagnóstico. Muitas pessoas contaminadas acabam vindo a óbito devido à falta de tratamento adequado precoce”, explica.
 

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) classifica a capivara como um animal silvestre nativo semiaquático. É mais comum encontrá-las próximas de rios, e a caça é proibida. É o maior roedor do mundo, pesando até 91 kg, medindo até 1,2 m de comprimento e 60 cm de altura, e costuma viver em grupos de 20 ou mais animais. Segundo especialistas, por serem herbívoras, as capivaras agem no controle da vegetação terrestre e aquática, equilibrando a oferta de alimentos para peixes e outros nichos ecológicos.


Foto: Yara Racy

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