Especialista em valores humanos

Especialista em valores humanos

Um dos fundadores da escola Sathya Sai em Ribeirão Preto, Dalton Amorim conversa sobre educação e valores humanos com a diretora Claudinéa Custódio

Formado em Biologia, o professor universitário Dalton de Souza Amorim fez uma viagem à Índia, em 1996, onde conheceu o modelo de escola criado por Sathya Sai Baba. Esse episódio mudou a sua vida. “Lá, os alunos eram muito diferentes. Determinados, estudiosos, respeitosos, disciplinados e, ao mesmo tempo, divertidos, leves, bem humorados e tranquilos. Uma combinação que não estamos habituados a ver no Brasil, onde ou o aluno é sossegado, tranquilo e vai mal nos estudos ou é tenso, ansioso e vai bem nas notas”, comenta o professor. A impressão positiva do modelo de educação foi tanta que, em 2000, Dalton se uniu a um grupo de educadores para fundar uma escola assim em Ribeirão Preto.



 

Embora afirme que nenhuma escola possui uma “receita pronta” para a realização de um bom trabalho, na entrevista a seguir, concedida à diretora da EMEF Elisa Duboc, Claudinéa Nogueira Lima Custódio, Dalton faz apontamentos interessantes para quem gosta de Educação e deseja vê-la como uma sonho realizado.

Claudinéa: Quais os princípios ensinados e praticados na escola Sathya Sai?
Dalton: A ideia é, junto com uma formação acadêmica de excelência, proporcionar uma formação humana de excelência, sustentadas na equanimidade entre o que se pensa, diz e faz; na formação do discernimento e nos valores da verdade, retidão, paz interior, amor, não violência, compaixão, paciência e autoestima. Todos esses conceitos são ensinados não como matéria exposta na lousa, no caderno ou em uma conversa, mas como práxis. O exemplo dos professores e a atmosfera da escola guiam os alunos. Vendo acontecer e gostando, a criança decide incorporar esses valores. Aqui, os alunos são muito afetivos, abraçam e conversam naturalmente porque a afetividade é desenvolvida na escola.

Claudinéa: Quando se fala em escolas Sai, imediatamente se pensa em valores humanos. Quais os principais valores trabalhados na escola?
Dalton: Trabalhamos valores universais, que estão em todas as culturas e tradições, como verdade, retidão, paz interior, amor e não violência. Em situações particulares, eles ganham outras cores e nomes, como compaixão, autoestima, determinação, respeito, criatividade e autoconfiança. São muito mais aspectos da condição humana do que combinados sociais. Claro que podemos falar em valores socialmente definidos, pois eles existem, mas utilizamos, na escola, os valores considerados aspectos da condição humana, procurando desenvolvê-los menos através do discurso e mais através da prática. Essa não é uma exclusividade nossa, vejo muitos educadores sem ligação com a escola Sathya Sai trabalhando da mesma forma simplesmente porque amam os alunos e a Educação, tem compromisso com a população.

Claudinéa: Qual seria um exemplo dessa práxis dos valores humanos?
Dalton: Não tínhamos quadra de esportes ou tabuleiro de xadrez, mas resolvemos participar dos Jogos da Primavera. Enfrentamos muitas dificuldades, como emprestar o tênis de alguém para o jogador reserva entrar no jogo, e não sei como ficamos em terceiro lugar no xadrez. Tínhamos, também, um aluno que corre muito bem e já havia ganhado uma medalha de ouro em uma participação, então, o treinador o escalou para aquela prova, onde teria mais chances de vitória, mas ele não quis, preferiu outra porque já tinha uma medalha de ouro e queria que os amigos tivessem a chance de ganhar também. O aluno acabou chegando primeiro na outra prova também. No entanto, a história não é sobre ganhar ou perder no atletismo. Qual jovem você conhece que abre mão de uma medalha de ouro certa por uma duvidosa, só para que seus colegas tenham a mesma oportunidade? Isso mostra uma maneira muito especial de olhar para as situações e para os outros. Como esse, temos muitos outros exemplos a dar de percepção e atitude.

Claudinéa: Organizei uma visita da equipe da minha escola a Sai e todos saíram querendo uma escola igual.
Danton: Recebemos visitas de diretoras experientes de unidades públicas e particulares que acham a atmosfera da escola muito especial. Professores, funcionários e ex-alunos comentam sobre essa atmosfera de pouca agressão física e verbal, com maior afetividade. Embora prestemos assistência a este bairro, às crianças e suas famílias, o propósito da Sathya Sai não é assistencialista. Nosso investimento é, justamente, para ser uma referência positiva na educação, para que se possa vislumbrar uma solução. Inspiração é muito importante.

Claudinéa: Qual o propósito e o que podemos considerar uma Educação de excelência?
Dalton: No meu entendimento, o propósito da educação é formar seres humanos plenos, que usem todo seu potencial. Torço para que nossos alunos sejam ótimos engenheiros, pedreiros, médicos ou enfermeiros, mas também, que sejam ótimos pais, filhos, vizinhos, cidadãos e pessoas. Estamos conseguindo com a Educação, pública ou privada, que nossos alunos se tornem felizes, bons cidadãos, afetivos e cuidadosos? Acho que o Brasil não tem atingido essa excelência. Às vezes, alcança excelência acadêmica, mas faltam valores humanos.

Claudinéa: Quem é responsável pela Educação: a família ou a escola?
Dalton: A sociedade é responsável pela educação. Para o mal ou para o bem, todos participam da educação: a televisão, os avós, os tios, os vizinhos, os outdoors, o trânsito ou a fila do banco. Achar que o professor pode entrar em uma sala de aula, dar a matéria e não educar não existe, seria quase uma compreensão equivocada sobre o processo educacional. O que se poderia discutir é qual extensão da educação humana cabe à escola e qual cabe à família, mas não existe a possibilidade de dissociação. A educação é um processo muito dinâmico, que envolve todo mundo, e acho que a escola pode ser muito poderosa nesse sentido, se os professores assumirem seu papel na formação de seres humanos felizes. Qual a parte mais iluminada de uma sala? A lâmpada. Então, qual a parte mais beneficiada se os professores assumirem esse papel? Os professores mesmos. 

Claudinéa: Como você vê a escola pública hoje e como outras escolas podem adotar a filosofia Sathya Sai Baba?
Dalton: Estudei no Otoniel Mota uma parte da minha vida escolar e, outra, passei em universidade pública, então, minha formação veio da escola pública. Quando se fala de primeiro mundo, vemos escolas públicas de alta qualidade, o que deveria acontecer no Brasil. Gosto muito da escola pública e, embora haja problemas, não acho justo pinçar alguns casos complicados e julgar toda a rede por conta deles. Quanto à filosofia Sai, não acho que outras instituições precisem adotar, porque não funciona por decreto, mas na medida em que há encantamento pela proposta. O projeto político-pedagógico de uma escola pode ser modificado para compartilhar essas metas gerais de formação humana e acadêmica. É possível caminhar nessa direção, mas através do encantamento dos docentes ou da provocação da direção, não como uma obrigatoriedade.

Claudinéa: É possível aprender e ensinar valores humanos? 
Dalton: Sai Baba diz que não se ensina valores e que essa tentativa é quase inútil. No entanto, vivendo os nossos valores, eventualmente, os alunos acharão interessante ter paciência, determinação, afetividade e autoestima. Pode-se dizer, então, que mais inspiramos valores do que os ensinamos. Claro que eles precisam de suporte para desenvolver o que podemos chamar de “metacognição dos valores”, ou seja, não só saber o nome de uma qualidade ou sua definição, mas também saber colocar em prática. Desse ponto de vista, os professores podem ajudar o aluno a entender o que é um determinado valor e gerar as circunstâncias para que ele descubra que é bom.

Claudinéa: Existe diferença entre mestre e professor? 
Dalton: Sai Baba diz que existem três tipos de professores: os que reclamam, os que ensinam e os que inspiram. Há dias em que a gente reclama um pouco, mas professor que está o tempo todo reclamando tem um problema sério e precisa ter coragem de buscar outra atividade que o deixe feliz. Os que ensinam são honestos, mas os que podemos chamar de mestres são aqueles que inspiram.

Claudinéa: O que é o curso básico de educação em valores humanos?
Dalton: Um curso livre, de 48 horas, que realizamos aos sábados, gratuitamente. Embora seja centrado na educação do ponto de vista escolar, tem atraído muitas pessoas de outras áreas, como psicólogos, administradores, engenheiros, assistentes sociais, enfermeiros e médicos. As pessoas gostam muito porque se trata de uma discussão geral sobre educação. Temos também o curso de especialização, voltado para quem já fez o básico, com duração de um ano e aulas a cada duas semanas, aos sábados.

Claudinéa: Um dos preceitos do curso é o do autoconhecimento?
Dalton: A discussão sobre nossa verdadeira identidade é muito importante. Os jovens são pressionados a assumirem uma identidade falsa, dependente do que se tem e não do que se é, mas esse é um processo individual de descoberta e, à medida em que se avança, descobre-se que todos têm capacidade de lidar com situações difíceis com mais tranquilidade e  aproveitar mais a vida. Na escola, essa é uma questão importante: nossos alunos precisam entrar em faculdades públicas ou encontrar empregos sensacionais para serem felizes, para se realizarem como pessoas? Tomara que os que não quiserem, ou não conseguirem, sejam felizes também. Isso vai quase na contramão do pensamento de formação social da atualidade. Esse é um problema global, e a escola ajuda as crianças a terem a percepção de que não é preciso ter dinheiro para ser feliz.

Claudinéa: Com tudo o que está acontecendo no mundo, onde encontrar a paz que as pessoas estão desejando?
Dalton: Dizem que existe tranquilidade social e paz interior, o que são duas concepções diferentes. Você pode ter intranquilidade social e paz interior — são os dias em que pode estar chover canivete e seu sossego não será abalado. Isso mostra que a paz interior independe das condições externas. Existem, ainda, os dias em que está tudo tranquilo, mas você não está bem. Ocorre que há interesse em que as pessoas estejam ansiosas e sofrendo, porque elas tentam suprimir isso consumindo. Existe uma enorme máquina de propaganda que mexe na noção de autoimagem e autocontentamento. Há essa necessidade louca de aumentar o PIB, e não é porque ele está aumentando que a cidade está se tornando melhor. Interessa para o consumo em larga escala que as pessoas estejam infelizes porque elas consomem mais. Talvez as pessoas fossem mais felizes se o PIB diminuísse. Na verdade, precisamos de um novo modelo matemático para a economia. Claro que todos precisam de emprego e é bom que as pessoas tenham alguns bens, mas a questão é que o que nos traz felicidade, tranquilidade, paz — com certeza não são os bens materiais. 

Claudinéa: Seguindo essa linha de pensamento, nossa mente nos controla ou nós controlamos a mente?
Dalton: Há dias em que mandamos no mundo interno e dias em que o mundo interno manda em nós. Quando estamos mais conscientes e tranquilos, interagimos melhor com as pessoas. Isso significa que quando mandamos na mente, temos uma vida dirigida pela consciência. Quando a mente manda em nós, nossa vida é dirigida pela ansiedade. Não é um processo fácil, mas podemos tomar pequenas decisões em nosso dia a dia que vão nos dando mais controle, até alcançarmos um domínio maior. 

Claudinéa: O que é o conceito de equanimidade e como ele funciona na escola?
Dalton: Esse é o conceito do “pode estar chovendo canivete aberto”. Se eu sei quem sou, se tenho uma noção de identidade bem desenvolvida, não sou afetado por altos e baixos, pelo que tenho ou deixo de ter. Isso me dá muita capacidade de lidar com situações extremas. A equanimidade depende da noção de identidade, dessa paz interior que se consegue manter ao alcance, onde, embora com oscilação ao longo do dia, não se perde o humor e a afetividade, não se é arrastado pelas situações. Não tem segredo: isso se consegue tendo um quadro de professores e de funcionários que agem dessa maneira. Como ter um quadro como esse? Hoje, quase toda a rede escolar tem o horário de círculo de estudos com os professores e com os funcionários, que se reúne uma vez por semana. Utilizamos esse tempo para estudar e conversar sobre aquilo que se deve ou não dar importância e como lidar com situações difíceis. A instituição tem que cuidar do seu potencial humano.

Claudinéa: O que é possível explicar ao leitor sobre os três Hs?
Dalton: A harmonia dos três ‘Hs’ significa que as mãos (hands) devem fazer o que a cabeça (head) pensa e o coração (heart) aprova. O discernimento é o mais importante. Precisamos desenvolver a capacidade de perguntar à nossa consciência: “falo ou calo?”, “falo mais alto ou mais baixo?”, “falo agora ou depois?”, “que qualificativo uso?”, “tomo iniciativa ou espero?”. É preciso ensinar os alunos a se perguntarem e a entenderem o custo de toda decisão. Podemos orientar, mas não estaremos lá quando forem adultos, por isso, mais do que dar conselho ou fazer sermão, tentamos desenvolver discernimento para tomar boas decisões.

Claudinéa: Como a escola é mantida e como se pode ajudar?
Dalton: Somos conveniados com a Secretaria Municipal de Educação há muitos anos e temos um convênio com a Fundação do Grupo São Francisco há sete anos. Algumas empresas e pessoas físicas também colaboram e estamos tentando um possível convênio com a Fundação Educandário, além de estender o número de séries que recebem recursos do Fundeb. Das 240 crianças atendidas, temos bolsas para apenas 100. O custo mensal de cada bolsa é de R$ 450,00, por isso, temos uma necessidade urgente de expandir a receita. Somos auditados, prestamos conta corretamente e todos os números das escola estão disponíveis em nosso site (https://escolasairp.org.br/). Quem quiser ajudar de alguma forma, basta entrar em contato ([email protected]). 

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