Advogados explicam por que protestos não são permitidos durante a pandemia

Advogados explicam por que protestos não são permitidos durante a pandemia

Livre manifestação de ideias não foi impedida durante a pandemia. Porém, aglomeração de pessoas coloca em risco o direito fundamental à vida

A liberdade de expressão é assegurada pela Declaração dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal de 1988, assim como, o direito fundamental à vida. A realização de protestos durante o período de distanciamento social coloca em rota de colisão esses dois direitos. Se por um lado os insatisfeitos estão exercendo o direito à livre manifestação, por outro, estão colocando em risco a vida deles mesmos e de terceiros.

 

Desde que as medidas de distanciamento social em decorrência da pandemia do novo coronavírus foram impostas em Ribeirão Preto, a cidade registrou, ao menos, cinco protestos que ganharam repercussão nas páginas da Revide.

 

Dentre eles, protestos pedindo o impeachment do governador João Doria (PSDB) e solicitando uma intervenção militar, protestos exigindo melhores direitos para os motoristas escolares e manifestações exigindo que o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) afrouxasse o decreto de calamidade pública. Além desses, também ocorreram carreatas pela reabertura do comércio e em contra o racismo, que foram proibidos pelo Ministério Público.

 

Os mais recentes atos ocorreram na última terça-feira, 7, e nesta quinta-feira, 9, em frente ao Palácio do Rio Branco, sede da Prefeitura de Ribeirão Preto. Lojistas e apoiadores protestavam contra o fechamento do comércio na cidade. Todavia, desde sexta-feira, 3, as medidas de distanciamento social foram endurecidas na cidade, sendo proibido a aglomeração de pessoas, como correu nos protestos citados.

 

Segundo o decreto 147, publicado no dia 7 de julho que detalha as regras do decreto 146, do dia 3 de julho, está proibida a "utilização de praças, vias públicas, parques e outras áreas com atividades que possam gerar aglomeração de pessoas, ficando passíveis de punições os infratores conforme legislações municipais e estaduais em vigência".

 

Segundo o Executivo, quem desrespeitar o decreto poderá ser enquadrado no Código Sanitário Municipal, no Código Sanitário Estadual, no Código Tributário Municipal além de, dependendo da gravidade da ação, ser autuado criminalmente pelo crime de propagação de doença contagiosa, previsto no artigo 270 do Código Penal.

 

No município, as multas para quem desrespeitar o decreto p ode chegar a R$ 276,10. Já no estado a multa pode chegar até a R$ 5 mil, além de R$ 500 para quem não utilizar máscara.

 

"E a liberdade de expressão?"

 

Ao se restringir as aglomerações, uma das formas de se exercer a liberdade de expressão fica debilitada, com isso surgem críticas quanto à inconstitucionalidade de tal medida. Afinal, restringir protestos durante a pandemia é permitido? Segundo advogados consultados pela reportagem, a resposta é sim.

 

Segundo o advogado Luiz Eugênio Scarpino Júnior, mestre em direitos coletivos, a livre manifestação de ideias não foi proibida e nem poderia. O que foi abreviado, por enquanto, foi uma das formas de se manifestar a liberdade de expressão, que são os protestos de rua.

 

Scarpino explica que, por mais paradoxal que pareça, o exercício sem limites de liberdades poderia colapsar a vida em sociedade. “Não existem direitos ilimitados. Todos sabemos que agredir verbalmente, ofendendo a honra de alguém é um ilícito, mesmo existindo liberdade de expressão. Do mesmo modo, é razoável supor que o direito de ir e vir não permitiria que pessoas ingressem livremente dentro de espaços médicos controlados”, esclarece.

 

Por essa razão, o advogado argumenta a o respeito a coletividade, à vida e à proteção dos cidadãos contramanifestações que possam trazer riscos à saúde devam ser priorizados. “Por isso, não ofende a Constituição, as limitações de aglomerações, de circulação concentrada em espaços públicos, e mesmo do exercício da força policial para conter quem se negue a cumprir às determinações das autoridades”, conclui.

 

Guilherme Paiva Corrêa da Silva, advogado e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da 12ª Subseção da OAB/SP, parte da mesma premissa que Scarpino. Ele ressalta que nenhum direito constitucional é absoluto. "No caso, entendo que o decreto de isolamento não restringe a liberdade de expressão de maneira ilegítima. Vale mencionar que o cidadão que quer se manifestar nesse momento, pode fazê-lo maneira que não implique risco a si próprio e aos outros cidadãos", explica.

 

O advogado Wilson Rogério Picão Estevão acrescenta que o direito à coletividade se sobrepõe ao direito individual. "E o que seria o direito individual? O direito de ir para a rua e se manifestar. O direito coletivo, nesse caso, seria o da saúde e prevenção de doenças", afirma Estevão. Para ele, ao se comparar o decreto de distanciamento social ao direito de realizar protestos em vias públicas, o decreto teria um "peso" maior.

 

"No meu entendimento, se você colocar em peso as normas, o decreto que cerceia o comércio e algumas manifestações visa a proteção do coletivo e de toda a sociedade. Ele está cerceando os movimentos nesse momento exatamente em busca de um bem maior que é a saúde pública. O direito à manifestação é individual, e fica abaixo do direito da coletividade", finaliza o advogado.

 

Motivos justos

 

Desde o início da pandemia, o físico e professor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), Domingos Alves, vem desenvolvendo análises sobre a propagação do vírus no país.

 

Para o pesquisador, ainda é impensável se falar em aglomerações nesse que é considerado um dos momentos mais críticos da pandemia, porém, ele argumenta que apesar dos métodos serem reprováveis, os motivos que levaram os comerciantes à porta da Prefeitura, são compreensíveis.

 

"Como cientista eu entendo que esse tipo de aglomeração não é nem plausível de se falar no momento. Eu sou um defensor do isolamento social mais rígido, mas o gestor público precisa apoiar a comunidade", declarou.

 

Para Alves, é necessário um grande pacto social, envolvendo todas as esferas da sociedade, de modo a auxiliar o isolamento social. "Mas para isso precisamos abrir o cofre público. Os comerciantes sugerem isenção de impostos e outras cobranças e eu concordo. Porque se amanhã o prefeito decretar o lockdown,[...] como que vamos manter essas pessoas em casa sendo que daqui a pouco não terão dinheiro nem para comer?", questiona.

 

As reivindicações dos comerciantes já são visíveis na economia. Dados do Boletim Economia Regional de maio de 2020, mostram que, como consequência da crise causada pela pandemia do novo coronavírus, a atividade econômica desacelerou na região de Ribeirão Preto.

 

Na Região Metropolitana de Ribeirão Preto (RMRP), as operações de crédito recuaram 3,3% na comparação entre fevereiro de 2020 e o mesmo mês do ano anterior, enquanto no município de Ribeirão Preto foi registrada queda de 2,6%. A principal contribuição negativa veio do crédito destinado aos financiamentos agrícolas, que recuou em 12,1% na RMRP e 13,4% em Ribeirão.

 

De acordo com pesquisa realizada entre os dias 14 e 15 de maio pela Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP), 10,5% dos empresários ouvidos declararam que a empresa não fecharia com a continuidade da quarentena, 11,1% declaram que conseguiriam manter a empresa ativa por mais seis meses, 18% até três meses, 19,3% por até dois meses, 28,4% respondeu que por mais um mês e 11,4% declarou que a empresa encerrará as atividades caso a quarentena continue. Os outros 1,3% afirmaram que já fecharam as portas.

 

Na terça-feira, 7, a reportagem do Portal Revide esteve na porta da Prefeitura e ouviu as reivindicações dos manifestantes. Entre eles, estava Marta Moreira, que trabalhava de manicure em uma clínica de estética, um dos segmentos mais afetados pelas medidas de fechamento. O marido da manicure é comerciante e, com isso, quase a totalidade da renda do casal foi comprometida.

 

"Eu só quero trabalhar. Por que as padarias, supermercados, farmácias podem ficar abertos? O resto não pode? Estamos revoltados com isso", declarou. Atualmente, ela e o marido fazem "bicos" para sobreviver. Marta vendendo bolos e o marido trabalhando de entregador.

 

Alex Coelho é proprietário de uma agência de viagens em Sertãozinho. Como toda a Direção Regional de Saúde (DRS) XIII, que engloba Ribeirão Preto, Sertãozinho e outros 24 municípios é afetada em conjunto pelas medidas estaduais, o empresário veio a Ribeirão Preto prestar apoio ao grupo de manifestantes.

 

"Pode abrir o comércio hoje, para mim não vai resolver nada. Estou no limite, fiz acordo para não demitir os funcionários. Eu estou aqui para comprar a ideia antes que o prefeito de lá copie também", explicou.

 

Deixou passar

 

Para fazer valer as novas regras do distanciamento social, a Prefeitura montou oito equipes multidisciplinares que deverão atuar nas ruas e estabelecimentos de Ribeirão Preto.

 

As equipes são compostas por Guardas Civis Metropolitanos (GCM), agentes da Vigilância Sanitária policiais militares. Segundo o prefeito, além dos estabelecimentos que descumprirem o decreto, festas clandestinas e afins, também serão vistoriadas praças e locais que apresentam aglomerações. 

 

Em específico, o prefeito Duarte Nogueira citou, durante transmissão ao vivo na quarta-feira, 8, que os locais que tem apresentado aglomerações receberão uma maior atenção das equipes. Dentre eles, praças, avenidas e campos de futebol."Aqueles que estiverem em desacordo com as determinações que estão sendo impostas pelo decreto, serão autuados na forma das regras claramente colocadas", declarou o prefeito.

 

O Portal Revide questionou Prefeitura se, nesta quinta-feira, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) ou a Polícia Militar, que acompanharam as manifestações em frente ao Palácio do Rio Branco, autuaram algum dos responsáveis. O Executivo não respondeu o questionamento encaminhado pela reportagem e declarou apenas que "a Prefeitura respeita as manifestações populares".

 

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Foto: Paulo Apolinário

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