O que está acontecendo no Afeganistão?

O que está acontecendo no Afeganistão?

Coordenadora do curso Relações Internacionais da Unaerp, Tamires Aparecida Ferreira Souza repercute a ascensão do Talibã no país

Desde o dia 15 de agosto, o Afeganistão domina as notícias internacionais após o Talibã tomar a capital do país, Cabul. Quase 20 anos depois de ter sido expulso do governo pelas tropas norte-americanas, o grupo extremista avançou pela região assim que o então presidente, Ashraf Ghani, e seu vice, Amrullah Saleh, fugiram do país. A mudança fez com que vários afegãos tentassem sair de lá, o mais rápido possível.

A situação preocupa não só a população local, mas toda a comunidade internacional. O medo é que violações aos direitos humanos voltem a acontecer. Na entrevista a seguir, a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), Tamires Aparecida Ferreira Souza, contextualiza o assunto.

O que é o Talibã?

O Talibã é um grupo de ex-combatentes da Guerra do Afeganistão, de 1979-1989, que contou com o envolvimento da União Soviética, bem como da Guerra Civil Afegã. O grupo, oficialmente formado em 1994, está associado ao islamismo e à tentativa de remoção da influência estrangeira no país. O Talibã assumiu o governo em 1996, mantendo o poder até 2001. Durante esses anos, foi feita uma interpretação específica da sharia, que é um conjunto de normas derivado de orientações do Corão. Pautada em um viés de poder e em uma estrutura patriarcal, essas leis impediam, por exemplo, as mulheres de trabalhar e de estudar. Além disso, elas eram submetidas a casamentos forçados e punições.

O que proporcionou essa nova ascensão do grupo?

Entre 2018 e 2020, o governo dos Estados Unidos, na figura de Donald Trump, já estava promovendo negociações com o Talibã. Em fevereiro de 2020, Trump anunciou o início do processo de retirada e a parceria com o grupo, os considerados aliados contra terroristas. Em abril de 2021, Biden decidiu prosseguir com a saída do exército, culminando em sua efetivação agora, em agosto. Portanto, desde 2018, o grupo já contava com o controle de 40% do território do Afeganistão. Contudo, o que impressiona foi a velocidade na conquista da capital Cabul. É possível verificar a construção de um exército nacional e a negociação com os governantes estaduais, para o recebimento do aval do controle pelo grupo. Ainda assim, não podemos afirmar, até o momento, que o Talibã terá a mesma facilidade em governar o país como na década de 90, mesmo contanto com os aliados já declarados: China, Irã, Paquistão e Rússia.

Por que os Estados Unidos permaneceram no país por tanto tempo?

Para compreendermos essa questão, é necessário olhar para as origens da invasão estadunidense. Com os atentados de 11 setembro, houve a criação de um processo de securitização do terrorismo de maneira global, promovendo a busca das pessoas envolvidas nos atentados. A Al Qaeda, liderada por Osama Bin Laden, assumiu o atentado. Contudo, os Estados Unidos declararam que o Talibã estaria acobertando Bin Laden e os membros da Al Qaeda. George Bush, presidente estadunidense à época, declarou que não seria feita diferenciação entre terroristas e os apoiadores de terroristas.

Assim, com aval dos governos mundiais e da Organização das Nações Unidas, que alegaram o direito de legítima defesa, o Afeganistão foi invadido. Totalizando 20 anos de ocupação, os Estados Unidos conquistaram muitas vantagens econômicas com a guerra. Desmantelaram a rede da Al Qaeda, mataram Bin Laden e, ao mesmo tempo, tiveram poucas perdas em número de soldados. No entanto, esse mesmo período foi marcado por 400 mil mortos; 18 milhões de pessoas em crise humanitária, situação que piorou drasticamente nos últimos cinco anos; bem como governos que endossaram limitações aos direitos das mulheres, como o governo de Hamid Karzai, que aplicou o código de conduta em 2012. A partir do governo Obama, a situação começou a se deteriorar, tanto no campo financeiro, como no referente à opinião pública, que passou a exercer expressiva pressão para a retirada total das tropas americanas do Afeganistão.

A visão ocidental de toda a situação enfrentada pelas mulheres afegãs é muito diferente da visão que elas mesmas têm?

Sim. Existe uma visão questionável por parte do movimento feminista liberal ocidental sobre a realidade das mulheres afegãs. Essas mulheres lutam pelos seus direitos desde sempre, mesmo durante a ocupação estadunidense. Um dado importante de 2018 é que o Afeganistão é considerado o 10º país do mundo mais perigoso para mulheres. Ademais, é relevante destacar que a religião não é o problema e sim a forma como a sharia é lida, interpretada com base em uma estrutura patriarcal e opressora. Ainda é cedo para sabermos como será o comportamento do Talibã frente a essas mulheres. Contudo, o grupo já anunciou que promoverá os direitos femininos dentro das leis islâmicas, o que já tem gerado uma percepção de insegurança frente ao futuro.

A partir de agora, o que muda efetivamente?

Ainda nesta semana, o nome do Afeganistão foi alterado para Emirado Islâmico do Afeganistão, antiga denominação utilizada pelo Talibã em seu primeiro governo. Neste sentido, passa-se a ter um governo vinculado às leis islâmicas. O Talibã alega ter mudado, adaptando-se ao novo cenário interno do país e, também, da política internacional. Porém, devemos nos manter atentos. Ainda é muito cedo para sabermos os caminhos que o governo tomará e como as dinâmicas, internas e externas, serão delimitadas. A situação atual está sendo marcada por movimentos de refugiados em massa, além de violações de direitos humanos e mortes. Os países têm se mobilizado, tanto para retirar seus cidadãos nacionais do Afeganistão, como para auxiliar na saída de imigrantes e refugiados.

O Brasil é afetado de alguma forma?

Mais expressivamente, o Brasil poderá ser afetado tanto no campo de retirada de cidadãos no Afeganistão, como no recebimento de refugiados. Porém, os números são pequenos em comparação aos impactos que a Europa já está sentindo.

"Desde 2018, o grupo já contava com o controle de 40% do território do Afeganistão. Contudo, o que impressiona foi a velocidade na conquista da capital Cabul", comenta Tamires. Foto: Arquivo Pessoal.


Foto: Pixabay (Ilustrativa)

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