Direitos da mulher

Direitos da mulher

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Ribeirão Preto, Perla Müller, fala das diversas violações aos direitos femininos noticiados recentemente no país

Nas últimas semanas, ganhou repercussão na mídia uma série de desrespeito aos direitos básicos das mulheres no Brasil. Desde o direito ao aborto previsto em lei para uma menina de 11 anos em Santa Catarina, o direito de uma jovem a colocar um filho para adoção de forma legal após um estupro e até o direito de dar à luz, após uma mulher ser abusada sexualmente no Rio de Janeiro. Em entrevista à Revide, a advogada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Ribeirão Preto, Perla Müller, explicou a importância dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Para Perla, é preciso “romper as estruturas machistas rumo à igualdade de gênero”.

Por que os direitos sexuais e reprodutivos para mulheres são tão importantes?

 

Porque são direitos humanos, isto é, condições que asseguram o bem-estar físico, mental, político, econômico e social das mulheres do mundo todo. Os direitos sexuais e reprodutivos englobam as múltiplas dimensões da existência e da dignidade humana e, sem eles, não há exercício pleno da cidadania. E é por respeito à dignidade humana que se deve garantir às mulheres o direito ao planejamento familiar livre e sem coerção, o direito à gestação e ao parto livre de violência e o direito à interrupção da gravidez nas hipóteses legais.

Quais são os principais direitos da gestante e como garantir que a lei do acompanhante seja cumprida?

 

A gestante tem direitos e proteção ainda mais especiais em virtude de sua condição e dos cuidados que demanda, como atendimento médico universal, integral, adequado e humanizado. Tem o direito da gestante trabalhadora de não ser demitida durante a gravidez e até cinco meses após o parto, a não ser por justa causa. E existem inúmeros direitos sociais, como o atendimento prioritário em espaços públicos e privados. Além disso, tem direito a acompanhamento por familiar, amigo ou qualquer pessoa indicada pela gestante durante todo o trabalho de parto e pós-parto, o que é fundamental para a segurança e acolhimento da mulher em um momento tão sensível. Se tal direito for negado à gestante, ela deve registrar reclamação na direção do serviço que a atendeu e buscar a Defensoria Pública ou um advogado de sua confiança.


Para denunciar um crime sexual, é necessário ter provas, como vídeos e fotos? Ou basta a palavra de vítimas e testemunhas?

 

Quando falamos de crimes sexuais, estamos nos referindo a várias condutas enquadradas nos chamados crimes contra a dignidade sexual, previstos no Código Penal. Alguns atingem o corpo das vítimas, deixando vestígios; outros atingem a liberdade e dignidade sexual, sem deixar marcas físicas. Para os casos em que a violência deixou vestígios, a comprovação da existência do crime deverá ser atestada por exame de corpo de delito. Contudo, muitas vezes, pelas particularidades da ocorrência, como também pelo tempo transcorrido entre os fatos e a denúncia, pode ser que não seja possível a realização desse exame. Nesses casos, a lei também prevê que a prova testemunhal poderá suprir sua falta. Nessas hipóteses, o testemunho deve se mostrar confiável e robusto o suficiente para fazer a prova da ocorrência do crime, não bastando a mera “palavra”, por assim dizer. Existindo outros elementos de prova, como vídeos e imagens, respeitadas as devidas cautelas na sua obtenção, podem e devem ser tomados como reforço probatório ao relato da vítima e de testemunhas.

Recentemente, causou muita polêmica o caso de uma menina de 11 anos para conseguir abortar em Santa Catarina. Em quais situações a lei brasileira permite o aborto? Nos casos legalizados, existe algum limite de tempo para interromper a gravidez?

 

A lei penal brasileira considera tanto a prática de autoaborto quanto de aborto em terceiro, com ou sem consentimento, como crimes. Contudo, a legislação também prevê exceções, ou seja, situações em que o aborto não será punido. De acordo com o Código Penal, a interrupção da gravidez está autorizada quando for necessária para salvar a vida da gestante e em caso de gravidez decorrente de estupro. Há ainda, uma terceira hipótese, garantida por decisão do STF, que diz respeito aos casos de diagnóstico de anencefalia do feto, uma vez que, segundo entendimento da Corte, não havendo condições para a vida extrauterina, é autorizada e facultada à gestante a opção pela interrupção da gravidez. Em todos esses casos, a lei não estabelece um limite máximo de tempo para que o procedimento seja realizado. O que existe é uma recomendação do Ministério da Saúde para que o procedimento não seja feito após 22 semanas de gestação. Mas, mesmo em caso de recusa de realização do procedimento com base nessa recomendação do Ministério, não há, juridicamente, qualquer obstáculo ou proibição à realização do procedimento fora dessa “janela” temporal. Se o caso se amolda em qualquer das hipóteses de aborto autorizado, a qualquer tempo poderá ser realizado e, caso negado pelos serviços de saúde, a mulher deve buscar o Poder Judiciário para fazer valer seu direito.

Por que, em pleno século 21, as mulheres ainda são tão perseguidas mesmo quando são vítimas de alguma violência?  

 

Essa é uma questão profunda, mas poderíamos dizer que as mulheres são tão perseguidas por simplesmente serem mulheres. Essa perseguição é consequência de nossa sociedade histórica e estruturalmente machista. É uma construção cultural que dissemina a falsa ideia de nossa inferioridade, que faz com que nossos corpos e direitos sejam alvo de violações, atentados e desrespeito, porque somos a todo tempo tratadas como objeto, como produto ou propriedade de outros. E, arbitrariamente consideradas assim, podemos ser “descartadas” quando não mais nos quiserem ou quando não mais cumprirmos nossos supostos papéis, nossa suposta “serventia”. Então, somos expostas a toda sorte de violência e até mesmo mortas. Isso serve a um projeto de poder que perversamente naturalizou a ideia de que a mulher é submissa e que o homem deve dominar. Não é à toa que, apesar de sermos maioria populacional, somos minorias nos espaços, públicos e privados, de tomada de decisão, espaços que estão vetados a nós e que temos, com muita luta e bravura, ocupado não sem resistência. Somos perseguidas até mesmo quando vítimas de violência como um ato corretivo de nossa suposta “indisciplina”. Precisamos romper as estruturas machistas rumo à igualdade de gênero, ruptura que demanda mudanças culturais profundas e radicais. E sempre é bom lembrar: a violência contra meninas e mulheres é uma grave violação de direitos humanos.  

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