Notas de preocupação

Notas de preocupação

Série da Netflix, Round 6 atinge sucesso mundial, mas causa preocupação por conta do conteúdo abordado e da audiência entre os jovens

Lançada em setembro, na Netflix, a série sul-coreana Round 6 em pouco tempo se tornou um fenômeno mundial, alcançando o primeiro lugar no Top 10 de séries mais vistas no streaming. No entanto, no decorrer dos episódios, cenas de violência extrema, tráfico de órgãos, suicídio, tortura psicológica, sexo e palavras de baixo calão são exibidas e trouxeram preocupação para alguns pais e professores por conta da classificação indicativa do programa, que é de 16 anos. O enredo mostra centenas de pessoas falidas, que são convidadas misteriosamente para participarem de um jogo baseado em brincadeiras infantis. Ao final da competição, o vencedor poderá levar um prêmio milionário. Mas, o que eles não sabem é que se trata de um jogo mortal e que os perdedores não sairão vivos.

No Brasil, as classificações indicativas são elaboradas pelo Ministério da Justiça e são divididas em seis faixas: Livre, 10, 12, 14, 16 e 18 anos, em que cada uma apresenta critérios específicos. A psicóloga clínica Tatiana Mazinini Beneduzzi explica que a preocupação ao redor da série se dá em relação à classificação etária. “Acredito que 16 anos é pouco dentro de tanta crueldade, de tanta maldade, de questões tão explícitas de violência, de tortura, tráfico de órgãos. Na verdade, essa classificação está baixa, deveria ser de 18 anos para cima”, alerta.
Segundo Tatiana, no geral, o desenvolvimento emocional do ser humano acontece de acordo com o tempo, de maneira em que ele adquire certa maturidade para conseguir lidar com os estímulos externos.

“Então, aos 16 anos, a gente não considera que um jovem conseguiria entender como funciona os conteúdos apresentados nessa série”, acrescenta. Além disso, para a profissional, a apresentação explícita de tais fatores em um canal de fácil acesso torna a violência banalizada, podendo trazer impactos para a formação dos jovens. “Eu penso muito que tanto as crianças, quanto os adolescentes, têm uma referência de exemplos, de conduta, de princípios e de valores nos adultos, e que quando eles veem adultos praticando violência, situações de tortura explícita, psicológica, isso acaba confundindo esses jovens. Os temas que foram abordados, de uma maneira muito perversa, acabam influenciando na moral. Eles ficam confusos, sem entender a diferença de certo ou errado. A influência maior se dá porque os conteúdos foram abordados de maneiras distorcidas, já que não são colocados como algo errado, e sim, como se fosse o melhor a ser feito”, aponta a psicóloga.

Recursos lúdicos

Ao longo da série, as provas que os participantes têm de enfrentar são brincadeiras infantis modificadas. Ou seja, as competições são baseadas em jogos de crianças, como “Batatinha Frita 1, 2, 3”; “Cabo de Guerra”; “Bolas de Gude”; entre outras. A psicóloga ressalta que a maneira como a série é elaborada – e também alguns desenhos animados – acaba sendo esteticamente atraente para crianças por terem recursos lúdicos, como as brincadeiras infantis.

“Eles repetem muito uma situação de abuso, de excesso, e acabam seduzindo ao utilizar esses recursos para a idade, se apresentando através da linguagem da ternura, da inocência e, no final, funcionam como uma invasão maciça e desumana de conteúdos adultificados, que tanto as crianças, como os adolescentes, ainda não estão preparados para entrar em contato. Infelizmente, eu acredito que seja uma jogada de marketing, tanto que podemos perceber o quanto que essa série repercutiu, e muito, por curiosidade”, analisa Tatiana.

Ao se deparar com crianças ou adolescentes interagindo com a série, seja por meio de conversas ou mesmo assistindo, muitos adultos podem ficar com dúvidas de como abordá-las e como induzi-las para outros programas ou conteúdos. A psicóloga cita que nos canais de streaming, pelo menos na Netflix, existe a função chamada “Restrição de Visualização por Classificação Etária”, o que auxilia no controle dos pais em relação ao que os filhos assistem. “O mais importante é não permitir que eles tenham acesso. Porém, caso tenham, é preciso orientar e tentar explicar que as coisas não funcionam dessa maneira, que a violência de fato existe, mas que na vida nós não precisamos nos expor a esse tipo de situação para alcançarmos os objetivos que queremos. Acredito que a orientação do adulto, enquanto pais ou até professores, é um lugar de muito respeito e de exemplo”, sugere.

Tatiana Mazinini Beneduzzi, Gustavo Camargo e Rosi Riul

Mais atenção

A diretora pedagógica Rosi Riul orienta que é importante a família ter atenção ao que as crianças consomem, para proporcionar experiências que sejam seguras e positivas. “Com as crianças se organizando nas brincadeiras dá para perceber comentários fortes com a brincadeira Batatinha Frita 1,2,3. Quem não acerta, morre, assim como acontece na série. Fiquei realmente muito preocupada com a audiência dessas crianças com menos de 11 anos”, afirma a diretora. No entanto, ela tranquiliza os pais de alunos que tiveram acesso a esse tipo de conteúdo.

“São situações que devem ser evitadas. Mas, assim como outras inadequações, podem ser entendidas como oportunidades de aprendizagem, tudo vai depender de como essa orientação for conduzida. Muitas vezes, alguns contratempos nos ajudam a levar as crianças à reflexão, fortalecimento, amadurecimento e mudança de postura”, acrescenta. De acordo com a diretora, essas oportunidades proporcionam uma aproximação entre os familiares e um momento de reflexão, e podem acontecer em diversos momentos da vida da criança. “Desde os 4 anos, elas já conseguem iniciar esse filtro”, detalha.

Rosi ainda pontuou que crianças são inocentes e falam sobre o ocorrido. No entanto, fica mais difícil com os adolescentes. “Na pré-adolescência isso ficará um pouco mais complicado, porque eles normalmente não contam, omitem para se livrarem da bronca, mas deixam escapar em algum deslize. Já na adolescência é mais difícil, porque eles podem escolher não contar o que estão vivenciando”, afirma Rosi. 

Para o advogado Gustavo Camargo, pai da Manuela, de oito anos, o acesso às informações está cada vez mais fácil, tornando mais difícil o controle da limitação de certos conteúdos para crianças e adolescentes. “Conhecendo a evolução tecnológica em relação ao acesso às informações, sempre me preocupei com eventuais interferências de certos conteúdos programáticos, que não condizem com a idade da minha filha, como conteúdos que contenham violência. E tento proteger minha filha, cuidando de sua saúde mental e psicológica. Por esse motivo, a ensinei desde pequena a verificar as classificações de programas, séries, filmes e até desenhos, criando nela uma conscientização salutar em relação a isso, e de transparência em nossa comunicação”, conta. 


Fotos: Reprodução

Compartilhar: