Com calor, sem tumulto
É como o juiz eleitoral Cássio Ortega de Andrade, um dos quatro nomeados em Ribeirão Preto, espera que transcorram as eleições municipais deste domingo na cidade
A julgar pelos últimos pleitos e os baixos volume e gravidade das denúncias relativas à Comarca de Ribeirão Preto que têm chegado à Justiça Eleitoral, o processo de votação deste domingo, 6, deve transcorrer tranquilamente no município e nem o calor extremo deve afetar o comparecimento às urnas. Esta, pelo menos, é a previsão do juiz eleitoral Cássio Ortega de Andrade, um dos quatro a compartilharem as competências administrativas e jurisdicionais das zonas eleitorais de Ribeirão Preto – os demais são Alex Ricardo dos Santos Tavares, juiz eleitoral da 266ª zona, responsável pelas prestações de contas partidárias e de campanha; Benedito Sérgio de Oliveira, da 108ª (registro de candidaturas); e Caio Cesar Melluso: 305ª (propaganda eleitoral), além de Reginaldo Siqueira (293ª), que responde por Cravinhos e Guatapará.
Responsável pela 265ª zona e também pelas prestações de contas partidárias e de campanha, Cássio Ortega de Andrade, 49 anos, é bacharel em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco (USP) – turma de 1997 – e juiz desde 3 de setembro de 1999. Antes de assumir como titular da 3ª Vara Cível do Fórum Estadual de Ribeirão Preto, há dez anos, atuou em São Carlos, Nhandeara e Matão. A judicatura eleitoral ele exerce pela segunda vez – a primeira foi entre 2014 e 2016 – em Ribeirão Preto.
A uma semana das eleições municipais, ele recebeu a reportagem da Revide para a entrevista a seguir:
Qual o grande desafio da Justiça Eleitoral hoje?
O grande desafio da Justiça Eleitoral atualmente é combater as notícias que distorcem a realidade e difamam o processo eleitoral, sem qualquer prova concreta. Somos comprometidos em assegurar aos eleitores a segurança, a confiabilidade e a inviolabilidade do sistema eletrônico de votação. Também é imperioso coibir o emprego ilícito da inteligência artificial para produzir propaganda eleitoral fora dos ditames fixados pela legislação eleitoral. Especialmente as deep fakes e fake news, tão em voga atualmente.
Qual e como é a atuação de um juiz eleitoral em uma instância local como a de Ribeirão Preto?
Os juízes eleitorais são dotados de duas competências: administrativa e jurisdicional. A atuação administrativa diz respeito à gestão do cadastro eleitoral, que é o gerenciamento das inscrições dos eleitores; guarda, conservação e preparação das urnas eletrônicas e à realização das eleições propriamente ditas. Já a atribuição jurisdicional se refere à aplicação da legislação eleitoral aos casos concretos de competência da Justiça Eleitoral. Abrange o julgamento dos pedidos de registro candidatura nas eleições municipais, da propaganda eleitoral, dos crimes eleitorais, das prestações de contas dos partidos políticos e candidatos e de ações específicas, como a ação de investigação judicial eleitoral e a ação de impugnação de mandato eletivo.
Que trâmite uma denúncia de crime eleitoral deve percorrer até chegar ao senhor?
Em regra, as denúncias de supostas infrações penais eleitorais criminais, especificamente, devem ser endereçadas ao Ministério Público Eleitoral ou à própria Polícia Federal, que é quem tem atribuição em matéria federal, caso das questões eleitorais. Após a investigação dos fatos, se houver indícios de autoria e materialidade delitivas, o Promotor de Justiça Eleitoral oferece denúncia e instaura a ação penal eleitoral perante o Juiz Eleitoral competente.
Existe um prazo de tramitação desse tipo de denúncia, tendo em vista o curto período de uma campanha eleitoral?
Nós temos os prazos específicos da legislação eleitoral, mas qualquer tipo de infração penal cometida durante o período eleitoral pode ser apurada mesmo após o período eleitoral. Ou seja, não é porque nós passamos do período eleitoral que nós não temos a apuração de responsabilidades.
Mesmo se isso puder influenciar o resultado da eleição? Por exemplo: se um crime eleitoral supostamente cometido por um candidato tiver sua apuração concluída só depois da eleição que o elegeu, o que acontece?
Pode acontecer desse candidato não ser diplomado ou, se foi diplomado, pode ter cassado o direito de cumprir o mandato.
O eleitor já terá desperdiçado seu voto...
Tudo é feito com muito critério pela Justiça Eleitoral e são casos felizmente excepcionais, aqueles em que a conduta é grave ao ponto de levar a essa consequência.
No âmbito local, qual ou quais os principais tipos de denúncias vêm recebendo e/ou investigando nesta campanha?
A eleição, em geral, aqui em Ribeirão Preto, tem sido muito tranquila. E isso não é dessa eleição, mas de algumas eleições para cá. Pelo menos no período em que venho exercendo a judicatura eleitoral, nós temos eleições sem grandes intercorrências. A gente recebe, especialmente pelo sistema chamado Pardal – aplicativo da Justiça Eleitoral que pode ser instalado no celular –, um grande volume de denúncias relativas a propaganda eleitoral em bens públicos (cavaletes, faixas), o que é proibido pela Lei das Eleições. Mas tudo isso acaba sendo corrigido de uma maneira rápida. Casos envolvendo propriamente fake news não chegaram, pelo menos, ao meu conhecimento, na minha zona de atuação, em relação ao controle de propaganda.
O volume de denúncias e apuração de crimes eleitorais está maior ou menor nestas eleições, em relação a anteriores?
Veja, eu tenho condições de dizer em relação ao outro período em que eu exerci a judicatura eleitoral, que foi de 2014 a 2016. Eu acho que está mais ou menos da mesma forma. Eu também não tive grandes problemas nesse período e não é do meu conhecimento que tenhamos tido grandes problemas envolvendo crimes eleitorais em eleições recentes. Até agora, ao menos na zona eleitoral sob minha jurisdição, que é a 265ª, não foi instaurado nenhum procedimento para apuração de crimes eleitorais.
Quais são as maiores dificuldades do combate à corrupção eleitoral em nível local?
A dificuldade no combate à corrupção eleitoral está na conscientização dos candidatos de que não devem, em qualquer hipótese, tentar angariar o voto do eleitor por meio da oferta de vantagens, isto é, explorar eventual estado de vulnerabilidade do eleitor e prometer sanar sua necessidade em troca de obter sua escolha nas urnas. A gente tem dois fenômenos, né? Um fenômeno sociológico, que está no plano ontológico, e o fenômeno jurídico, que é o de apuração e de punição das condutas. O nosso papel enquanto Justiça Eleitoral, em um primeiro momento, é deixar claro o que pode e o que não pode e depois, efetivamente, cumprir a legislação.
Esses tempos de polarização política dificultam em que (ou como) a atuação da Justiça Eleitoral?
A gente volta para o plano da realidade, não é? A polarização é um fenômeno sociológico político. Isso é fato. E é inerente ao regime democrático. Seria desejável que essa polarização não fosse tão intensa como foi nos últimos anos, porque em alguns momentos nós vimos as coisas realmente descambarem para um nível que não é desejado, especialmente numa sociedade civilizada. Mas é algo inerente à democracia. Então a gente observa e procura punir e coibir os abusos. A polarização política é esperada em um regime democrático baseado no pluralismo político, isto é, na convivência harmônica e pacífica de ideais divergentes. Tal contexto, em geral, não traz problemas à Justiça Eleitoral. O que é desagradável para a instituição são as notícias distorcidas da realidade, sem qualquer respaldo probatório concreto, que difamam o sistema eletrônico de votação e podem abalar sua confiabilidade e lisura.
O fato de haver mais proximidade entre o eleitorado e os candidatos aos cargos de vereador e prefeito torna as eleições municipais mais tranquilas, mais acirradas ou não faz diferença em relação às nacionais?
Acredito que a disputa por cargos políticos de âmbito estadual e federal desperte mais o interesse e o entusiasmo do eleitorado pelo pleito e seus bastidores do que as eleições municipais. A concorrência pelo poder político local gera menos debates e engajamento dos eleitores do que as eleições gerais. Numa comarca menor – e menor que eu digo, bem menor que Ribeirão Preto, cidades pequenas em geral –, as eleições municipais tendem a ser bem mais complicadas, porque as pessoas se conhecem de muito perto e acabam tomando um passionalismo que atrapalha muitas vezes ou torna pelo menos mais complicado o processo eleitoral. Aqui em Ribeirão Preto eu não vejo grande diferença entre as eleições, pelo porte da cidade, bem grande.
Os senhores juízes eleitorais de nossa região aguardam um pleito tranquilo no próximo dia 6 de outubro?
Olha, pelo desenvolver da situação eleitoral desde o início do processo, da fase de propaganda a gente espera, a gente espera que as eleições sejam absolutamente tranquilas. A gente trabalha em sinergia com as polícias, com a guarda municipal com o Ministério Público. Os Juízes Eleitorais todos aqui de Ribeirão Preto guardam uma sintonia muito forte. Eu acho que isso é um mérito, modéstia à parte, de todos nós, porque estamos imbuídos no mesmo objetivo. E como não há nenhum tipo de vaidade, de divergência relevante, a gente consegue trabalhar de uma maneira bem objetiva.
Dá para prever o nível de comparecimento às urnas?
É sempre imprevisível, mas o que eu pessoalmente tenho de impressão, como cidadão e Juiz Eleitoral, é que as pessoas estão novamente se voltando com mais interesse para estudar as plataformas dos candidatos e quais são realmente as intenções daqueles que se colocam como pretendentes a mandatos eletivos. Então a gente espera que que a população em geral tenha, sim, um envolvimento maior nessa próxima eleição.
E o calor extremo, acha que atrapalha?
Eu não sei se eu que estou ficando mais velho ou se é este ano que, especialmente, está mais quente. Dos 12 anos que eu estou aqui em Ribeirão Preto, este ano realmente está me surpreendendo, mas eu acho que a gente está bem acostumado com o calor. Acho que não atrapalha não. Eu gosto de dizer sempre o seguinte: é muito importante que nós prestigiemos o processo eleitoral e o dia da eleição propriamente dito, não só pelo dever cívico e pela responsabilidade que temos em relação à escolha dos nossos representantes, mas especialmente pelas pessoas que trabalham na construção da eleição. Eu sou testemunha do trabalho dos mesários, do esforço hercúleo dos servidores da Justiça Eleitoral aqui de Ribeirão Preto... então, estar lá para cumprir o dever cívico é também uma forma de prestigiar esse trabalho muito honrado.
Luan Porto