
Portaria do governo Bolsonaro pode prejudicar Feira do Livro de Ribeirão Preto
Mesmo durante a pandemia, Planalto informou que só irá liberar recursos para eventos culturais que tenham participação presencial do público
Uma portaria do governo Jair Bolsonaro (sem partido) tem o potencial de prejudicar a realização da Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto, bem como vários outro eventos culturais no país.
Publicada na quinta-feira, 4, a portaria é assinada pelo secretário André Porciuncula, titular da subpasta de Fomento e Incentivo à Cultura, vinculada ao Ministério do Turismo. Nela, o governo federal determina que somente serão destinados recursos para os eventos culturais que tenham a participação presencial do público.
A subpasta já foi comandada pelo ribeirãopretano Camilo Calandreli, durante a gestão de Roberto Alvim. Após a saída de Alvim e de sua sucessora, Regina Duarte, o ator Mario Frias foi nomeado para chefiar a secretaria. A indicação de Frias foi feita em conjunto com a de Poriuncula, que é capitão da Polícia Militar da Bahia.
O documento foi assinado na mesma semana em que estados como São Paulo e Rio de Janeiro tornaram mais rígidas as medidas de distanciamento social para tentar conter a pandemia do coronavírus, que está em seu pior momento no Brasil.
"Considerando as diversas medidas de restrições de locomoção e de atividades econômicas, decretadas por estados e municípios, só serão analisadas e publicadas no Diário Oficial da União as propostas culturais, que envolvam interação presencial com o público, cujo local da execução não esteja em ente federativo em que haja restrição de circulação, toque de recolher, lockdown ou outras ações que impeçam a execução do projeto", informa a portaria. A íntegra do texto pode ser conferida no final desta matéria.
A princípio, a portaria passa a valer pelos próximos 15 dias. Ainda segundo o documento, ele poderá ser prorrogado ou suspenso "a depender da manutenção ou não das medidas restritivas nos referidos entes da federação".
Feira do Livro
Um exemplo de evento que tem o potencial de ser prejudicado pela portaria é a Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto. Caso a portaria seja prorrogada, ela poderá gerar impactos na destinação de recursos via Lei Rouanet para a Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto, organizadora da feira.
A Fundação afirmou que, no momento, aguarda os desdobramentos da decisão para poder avaliar os efeitos e impactos, bem como qualquer diretriz necessária para manutenção de suas atividades ligadas à Lei Rouanet.
A Feira Internacional do Livro deste ano está prevista para acontecer de 21 a 29 de agosto. A programação está em fase de produção e montagem, portanto, a Fundação informou que sua equipe está preparada para as três possibilidades: "uma feira presencial, híbrida ou totalmente online. Para definir o modelo final, será necessário aguardar a evolução do controle da pandemia, nos próximos meses", explicou.
Inconstitucional
Para Evandro Grili, sócio-advogado de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, a portaria do governo federal é inconstitucional. Segundo ele, Aa Lei Rounet estabelece critérios legais de aprovação de projetos. Quando um artista ou uma produtora tem seu projeto aprovado é porque ela passou em um edital e cumpriu regras legais para ter seu projeto aprovado. Feito isso, publicado o resultado, o artista ou a instituição proponente têm direito a acessar os benefícios do programa de aceleração cultural do governo federal.
"Não há na lei qualquer possibilidade de se fixar esse requisito de que artistas de localidades onde foi decretado o lockdown não possam receber repasses ou autorizações para captação de recursos junto à iniciativa privada. Aliás, além de ser uma medida odiosa num momento em que a classe artística passa por tantas dificuldades por conta da pandemia, ainda desrespeita decisão do STF que deu aos Estados e Municípios a mesma autonomia que a União tem para enfrentar a pandemia, decretar lockdowns e quarentenas. Essas medidas, inclusive, estão previstas em lei federal, ou seja, são medidas legais", ressaltou Grili.
Oposição
Com a publicação da portaria, a oposição ao governo Bolsonaro tomou medidas para tentar derrubá-la. Na sexta-feira, 5, a deputada federal Jandira Jandira Feghali (PCdoB) protocolou um projeto de decreto legislativo que pede a suspensão da portaria.
"Na prática, [a portaria] incentiva as atividades presenciais em grave momento da pandemia e se nega a analisar aquelas que poderiam se realizar de forma segura e em benefício do setor e da sociedade", criticou a deputada.
Íntegra da portaria
Portaria nº 124, de 4 de março de 2021.
O secretário nacional de fomento e incentivo à cultura, no uso de suas atribuições legais, que lhe confere a Portaria nº 464, de 29 de setembro de 2020 e o art. 4º da Portaria nº 120, de 30 de março de 2010, resolve:
Art. 1º - Considerando as diversas medidas de restrições de locomoção e de atividades econômicas, decretadas por estados e municípios, só serão analisadas e publicadas no Diário Oficial da União as propostas culturais, que envolvam interação presencial com o público, cujo local da execução não esteja em ente federativo em que haja restrição de circulação, toque de recolher, lockdown ou outras ações que impeçam a execução do projeto.
Parágrafo Único - A medida constante desta Portaria valerá por 15 (quinze) dias, a contar da data de sua publicação, podendo ser prorrogada ou suspensa, a depender da manutenção ou não das medidas restritivas nos referidos entes da federação.
Art. 2º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
André Porciuncula Alay Esteves.
Foto: Divulgação Feira do Livro