Liderança a toda prova
Sandra Brandani Picinato: ‘Muitas vezes, sinto que preciso provar mais a minha competência para justificar decisões ou implement

Liderança a toda prova

A presidente da Acirp, Sandra Brandani Picinato, avalia conquistas em meio a desafios, como o de introduzir a entidade na era digital e manter sua relevância entre os mais jovens

Formada em Administração e Marketing pela Unaerp (Universidade de Ribeirão Preto), Sandra Brandani Picinato tinha 18 anos em 1978, quando começou a trabalhar em uma das empresas do setor de motopeças de sua família. Ela lembra que não existiam, então, mulheres no mercado de duas rodas, mas já andava de moto e gostava de desmontá-las para, em seguida, ir colocando cada peça de volta. Aprendeu assim tudo o que havia para saber sobre o ramo ao qual se dedicaria pelo restante de sua carreira. Esse conhecimento tornou-se sua principal arma contra a discriminação e o preconceito que eventualmente sofria – sofre – por parte de quem duvida da competência de uma mulher em um negócio dominado por homens. O comprometimento e a competência fizeram o resto.

Sandra trabalhou em concessionárias de motocicletas até 1983, quando fundou com seu pai a loja de motopeças SBS Motos, que hoje dirige ao lado da irmã Silvia, associada desde 1984. Sob a direção delas a SBS passou de uma a 12 lojas físicas, que geram 140 empregos diretos e 20 indiretos e é referência no segmento de peças e acessórios para motocicletas na região de Ribeirão Preto.

Afiliada à Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) há 40 anos, Sandra assumiu o primeiro cargo na entidade em 1989, integrou o Conselho Deliberativo no triênio 2014-2017 e foi vice-presidente por dois mandatos consecutivos até ser aclamada, em abril de 2023, a primeira mulher no cargo de presidente da entidade, que completou 120 anos em 2024.

Com exatamente metade de seu mandato – que termina em 2026 – cumprido, fomos saber como ela avalia sua gestão até aqui e sobre os obstáculos que tem tido de administrar. Acompanhe:

 

Muito antes de ser presidente da Acirp você já atuava em áreas que sempre foram dominadas por homens. Como você lidava com eventuais demonstrações de preconceitos e discriminações de gênero nas relações de trabalho e até nas relações com clientes e parceiros?

Desde o início da minha trajetória profissional me preparei tecnicamente para ocupar meu espaço. Quando entrei na empresa da família, no ramo de motocicletas, fiz questão de desmontar uma moto inteira para entender cada peça e poder liderar com conhecimento. Essa atitude me deu credibilidade e confiança para enfrentar o preconceito. No entanto, sempre houve situações em que minha capacidade era questionada. Muitas vezes, clientes e até parceiros preferiam ouvir um homem, mesmo que eu tivesse plena competência para resolver as questões. Naquele contexto, adotei estratégias para contornar a desconfiança, sempre demonstrando meu conhecimento de forma prática.

 

Na sua escalada dentro da Acirp chegou a lidar com esse tipo de situação, ainda que de forma velada?

Ainda que de forma menos evidente, percebi alguns obstáculos semelhantes na minha jornada dentro da Acirp. Como a entidade tem um histórico centenário, com uma forte tradição masculina, muitas vezes a presença feminina não era considerada para cargos de liderança. No entanto, minha trajetória empresarial e o engajamento contínuo nas atividades da associação, ao longo dos anos, me qualificaram para assumir cargos de destaque. Quando fui chamada a compor a diretoria executiva, como vice-presidente, em 2017, por exemplo, era a única mulher com as condições estatutárias para ocupar a posição, resultado do trabalho constante e da participação que busquei ao longo da minha vida na entidade.

 

Você se tornou a primeira presidente da entidade às vésperas de um marco importante, que foi o 120º aniversário. Ao mesmo tempo que é um avanço, também mostra o quanto demorou para a participação feminina chegar até o centro de decisões da entidade. A que você atribui a demora de 120 anos para haver uma presidente?

Acredito que essa demora está relacionada a dois fatores principais. Primeiro, historicamente, houve poucas mulheres entre as líderes empresariais e havia menos ainda interessadas em participar ativamente da associação, especialmente em cargos de decisão. Segundo, havia um olhar restrito dos próprios líderes anteriores, que não identificavam ou incentivavam mulheres com potencial para ocupar essas posições. Além disso, o estatuto da Acirp exige uma trajetória consolidada no associativismo e alinhada com as normas da entidade. Isso restringiu ainda mais as possibilidades para mulheres no passado e deixou esse processo de renovação das lideranças mais longo.

 

Passados 1 ano e sete meses desde a sua aclamação, em 3 de abril de 2023, que comparação você faz entre o que esperava realizar e o que conseguiu até agora?

Assumir a presidência de uma associação como a Acirp é um processo coletivo. Diferentemente de gerir uma empresa, todas as ações precisam ser discutidas e aprovadas pela diretoria. Mesmo assim, alcançamos diversas conquistas significativas nesse período, como a ampliação do relacionamento com o comércio, a indústria e os prestadores de serviços, além de projetos de requalificação urbana e campanhas inovadoras na área do varejo, para atrair o público consumidor. Algumas metas ainda estão em andamento, mas posso afirmar que avançamos em várias frentes que beneficiarão os associados e a cidade como um todo.

 

De qual atuação se orgulha até o momento e em quais ainda está trabalhando para obter resultado?

Entre as ações realizadas, destaco o fortalecimento do relacionamento com os associados e a requalificação do Centro de Ribeirão Preto. Conseguimos criar iniciativas como campanhas de valorização do comércio local, convênios mais abrangentes e a modernização dos processos internos da entidade, como a digitalização de sistemas e comunicação. Ainda trabalho para consolidar projetos voltados à revitalização do Centro, melhorar a mobilidade urbana e promover uma maior inclusão de jovens empresários no ambiente associativo.

 

Todo cargo tem suas dificuldades e desafios. Quais têm sido os mais difíceis de administrar no seu?

A principal dificuldade é adaptar a entidade a um mundo em transformação. Após a pandemia, muitos processos passaram a ser digitais, o que exige uma mudança de mentalidade, tanto entre os associados quanto dentro da diretoria. Convencer pessoas com décadas de tradição empresarial a abraçar essas inovações é um desafio diário. Além disso, manter a relevância da entidade para os associados mais jovens é um esforço constante.

 

Alguma dificuldade em particular que acredita que um presidente do sexo masculino não enfrentaria? Se puder, dê exemplos.

Muitas vezes, sinto que preciso provar mais a minha competência para justificar decisões ou implementar mudanças. Em algumas situações, percebo que minha palavra, mesmo embasada, enfrenta mais resistência do que enfrentaria a de um homem no mesmo cargo. Por exemplo, na introdução de novas iniciativas, frequentemente sou questionada mais intensamente do que seria esperado para um líder masculino.

 

Como está administrando, em seu mandato, a grande insatisfação dos empresários afetados negativamente pelas obras da Prefeitura por toda a cidade?

Estamos em constante diálogo com os empresários e com a administração pública. Além de ouvir as reclamações, buscamos propor soluções concretas, como a flexibilização de regras para estacionamento, a ampliação da Área Azul e a promoção de iniciativas que atraiam mais consumidores para as regiões afetadas. Durante a gestão do prefeito Duarte Nogueira, tivemos uma relação produtiva, com abertura para discutir e implementar propostas que beneficiassem o comércio local. Com o governo do Ricardo Silva, fomos formalmente convidados a participar do processo de transição. Esse convite demonstra o compromisso da nova gestão em manter um diálogo aberto com a Acirp e reforça nossa disposição de colaborar na busca de soluções que atendam às demandas dos empresários e promovam o desenvolvimento da cidade.

 

Fale sobre a revitalização do Centro de Ribeirão Preto, uma bandeira que você tem defendido com paixão.

O Centro de Ribeirão Preto é o coração da cidade. A revitalização dessa região é essencial para atrair mais consumidores, melhorar a mobilidade urbana e proporcionar um ambiente agradável para todos. Trabalhamos em projetos que incluem a requalificação de fachadas, melhorias nas calçadas e arborização. Além disso, incentivamos a ocupação residencial e a promoção de eventos culturais, reforçando a importância do Centro como um polo econômico e social.

 

Por fim, qual ou quais legados pretende deixar no cargo de presidente da Acirp?

Quero deixar uma associação mais eficiente, moderna e inclusiva, conectada com as demandas de um mundo digital e preparada para os próximos 120 anos. Além disso, pretendo fortalecer iniciativas como o Conselho do Jovem Empresário, que tem desempenhado um papel crucial em atrair jovens para a entidade, trazendo novas perspectivas e contribuindo para a renovação do quadro associativo. A inclusão desses jovens empresários e futuros líderes garante que a Acirp continue relevante e alinhada com as transformações do mercado. Também desejo contribuir para uma Ribeirão Preto revitalizada, com um Centro ativo, seguro e atrativo para moradores e visitantes, consolidando a cidade como um polo de desenvolvimento econômico e social.

 


Luan Porto

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